Homem forte da agência de telecomunicações defende a redução dos entraves burocráticos e a autorregulação do setor, mas é taxativo: melhorar a qualidade do serviço implica empoderar o cliente

Em novembro de 2018, no apagar das luzes do governo Michel Temer, Leonardo Euler de Morais foi nomeado presidente da Agência Brasileira de Telecomunicações (Anatel) para um mandato de três anos. Servidor de carreira, Morais já ocupava uma cadeira no conselho diretor da empresa. Foi ele quem relatou o caso da Oi, que entrou em recuperação judicial e estava ameaçada de perder sua concessão. O processo é considerado um dos mais complexos a passar pela agência — e Morais foi elogiado por buscar uma solução de mercado, em vez de simplesmente punir a operadora. Entre suas críticas à agência está o estilo “comando e controle”, adotado no passado, e que impôs multas milionárias às empresas mas não foi capaz de melhorar o serviço e nem a relação com o consumidor. Nesta entrevista à DINHEIRO, Morais diz o que pretende colocar em prática nos próximos anos.

DINHEIRO – Qual será a principal diferença entre sua gestão para a dos seus antecessores?

LEONARDO DE MORAIS – O fato de trabalhar na agência há mais de 13 anos e de ter ocupado várias funções – gerente, chefe de assessoria e membro do conselho diretor – ajuda bastante. Isso já havia me ajudado quando assumi, há dois anos, o mandato de conselheiro. Como presidente pretendo promover maior simplificação regulatória e também maior competição, seja regulando melhor o mercado de atacado, seja fazendo uso da questão do espectro. O Brasil tem um dos menores HHI mundo (Herfindahl-Hirschman Index, índice que mede a competitividade entre empresas de um país). A gente precisa de um grau de competição maior e isso vai ser a minha máxima. Pretendo ter um diálogo grande com todos os stakeholders do setor – imprensa, sociedade civil organizada, indústria, empresas reguladas diretamente pela agência, governo e outras instituições – para discutir pautas importantes. É preciso ressaltar a importância das telecomunicações no desenvolvimento do Brasil, pois elas são transversais para outros setores da economia. Existem estudos do Banco Mundial que mostram que o incremento de 10% na penetração da banda larga gera, em média, um aumento do PIB em 1%.

DINHEIRO – Você foi indicado por Michel Temer em novembro passado e agora Jair Bolsonaro é o presidente. Apesar de algumas semelhanças no plano econômico, os governos são bem diferentes. Como isso vai influenciar a Anatel?

MORAIS – O importante é ter um bom diálogo entre a Anatel e o ministério ao qual a agência é vinculada. Eu lembro sempre que o órgão máximo da agência não é a presidência, mas sim o conselho diretor, que é composto por cinco membros com mandato. A presidência não. Ela pode ser alterada.

“A autorregulação é mais interessante, mas as empresas precisam dar o primeiro passo”Mudar legislações municipais para permitir a instalação de mais antenas é dos principais desafios para a implantação do 5G no País

DINHEIRO – Você teme deixar o cargo por conta da mudança de governo?

MORAIS – Minha única preocupação é servir bem ao desenvolvimento das telecomunicações brasileiras. Esse é o meu mandato.

DINHEIRO – O novo ministro de Ciências e Tecnologia, a qual a Anatel está vinculada, é o Marcos Pontes, mais ligado à área do que ministros anteriores. Isso pode beneficiar a Anatel? Fica mais fácil conversar?

MORAIS – O que é importante é ter um bom diálogo, um canal de interlocução aberto, e construir soluções para os desafios que nós temos. Apenas isso.

DINHEIRO – Você ocupou vários cargos na Anatel e está familiarizado com a situação da agência. Em junho de 2016, a Anatel tinha apenas 14 reais em caixa e por isso era impossível fazer inspeções. Como está a Anatel hoje?

MORAIS – O contexto tem sido muito desafiador, não apenas para a Anatel. Mas há mais ou menos um ano sobreveio um acórdão do TCU que blindou um pouco o orçamento da Anatel. De forma que temos hoje uma situação muito diferente daquela. É claro que orçamento não é mais o que já foi, mas esse é um momento em que administração pública direta e indireta tem que ser criativa e fazer mais com menos. Austeridade é uma meta que deve ser perseguida por todas as instituições.

DINHEIRO – Mas falta dinheiro para que a Anatel operar de forma adequada?

MORAIS – Não, de maneira alguma. Estamos cumprindo nosso dever legal e continuaremos a fazê-lo, mas buscamos novas maneiras de fazer fiscalizações que demandem menos recursos e sejam mais eficientes. Também estamos avançando para não ter apenas uma regulação do tipo “comando e controle”, ou seja, estabeleço uma regra e vejo se ela está sendo implementada. Estamos buscando uma regulação mais responsiva, que dá aos agentes os incentivos corretos para que eles adimplirem. Quando se parte para esse outro tipo de arcabouço, a regulação galga um novo patamar.

DINHEIRO – Você já disse que defende um diálogo maior com as operadoras para diminuir o peso regulatório no setor. De forma prática, como isso funcionaria?

MORAIS – O que eu acho é que a regulação responsiva ou autorregulação é mais interessante. Mas, para isso, as empresas precisam dar o primeiro passo. Tome como exemplo o atendimento ao consumidor. Esse é um grande desafio pro setor avançar. Hoje existe um fardo muito grande para o consumidor cancelar um serviço ou entender uma cobrança. Nenhum município do Brasil conta com uma tecnologia inferior à terceira geração. Na medida que isso existe, é possível que as próprias operadoras tenham um aplicativo que o usuário acesse sem consumir o plano de dados e possa mudar seu plano ou cancelar. Mas para isso é preciso que as operadoras se comuniquem melhor com o consumidor e tenham maior transparência na oferta. Isso empodera o consumidor e ele passa a ser também um agente regulador do mercado. As empresas se diferenciaram muito por preço nos últimos anos e agora o mercado precisa se diferenciar por qualidade.

DINHEIRO – Recentemente, o presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Telecomunicações, o Sindisat, disse que a ausência de limite de dados na internet fixa é semelhante a uma pesca predatória. Isso não é permitido pelo marco civil da Internet, mas as operadoras estão lutando para mudar. Como a Anatel vê esse movimento?

MORAIS – Hoje existe uma decisão que impede a aplicação de franquia para a banda larga fixa e não está no horizonte a alteração disso. Entendo que uma parcela pequena dos consumidores utiliza grande parte da banda disponibilizada. Mas não é o momento para esse debate. E cabe às prestadores dar maior transparência à oferta. O consumidor não têm condições nem de compreender qual é o seu perfil de consumo. Não adianta rediscutir formas de comercialização sem diminuir o fardo cognitivo imposto ao consumidor. As operadoras precisam primeiro melhorar a transparência na oferta. Não há o necessário empoderamento do consumidor para que haja essa flexibilidade na oferta da banda larga fixa.

“Precisamos usar os recursos do FUST para aprimorar a infraestrutura de banda larga”Segundo a legislação, recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações só podem ser usados para a telefonia fixa

DINHEIRO – Qual sua opinião sobre o Marco Civil da Internet, que é muito criticado e debatido. Ela ainda precisa de complementação?

MORAIS – O Marco Civil da Internet é uma legislação extremamente importante para afirmar o princípio da neutralidade de rede . Isso precisava ser consagrado. Outras questões talvez necessitem de uma maior reflexão do legislador democrático. A lei de proteção de dados, recentemente aprovada, decorre dessa maior reflexão.

DINHEIRO – Os consumidores reclamam que a Anatel pega muito leve com as empresas. É verdade? A Anatel vai ser mais rigorosa?

MORAIS – Essa compreensão decorre de uma tradicional atividade sancionatória da agência que não trouxe os efeitos que dela se esperava. A Anatel fez uma regulação do tipo “comando e controle”.

DINHEIRO – Pode dar um exemplo?

MORAIS – Diversos processos de qualidade, atendimento ao consumidor etc, que foram objeto de multas milionárias. Às vezes, bilionárias. Basta ver o processo de recuperação judicial da Oi em que a Anatel é um dos principais credores. Mas essa atividade sancionatória não resultou em melhora na qualidade do serviço ou no atendimento ao consumidor. O que aconteceu é que as empresas judicializaram as multas. O que nós precisamos pensar agora é numa forma diferente de regular. Uma delas é o Termo de Ajustamento de Conduta, o TAC, que é importante porque permite a coexistência do interesse público e privado. Em vez de sancionar a empresa, eu posso estabelecer um termo de conduta, no qual ela se compromete a cessar a infração que é o objeto do TAC, mas também faz um compromisso de investimento adicional, que reverterá em favor dos consumidores. Outra forma é, em vez de impor uma multa, colocar uma obrigação de fazer, que é um caminho que podemos explorar bem melhor. Com esse tipo de instrumento podemos aprimorar a qualidade e o atendimento ao consumidor.

DINHEIRO – Uma das propostas do presidente Bolsonaro é a ampliação do ensino a distância. Para isso é necessária uma rede melhor. Em 2016, o Maranhão tinha apenas 14,4% dos domicílios com banda larga fixa. O Pará, 16% e o Piauí, 18,9%. É possível fazer educação à distância com esses números?

MORAIS – Nós temos vários instrumentos para melhorar a situação. Há no Senado a discussão do PL 109, que é a principal reforma microeconônima desde a desestatização do setor. Ela vai abrir uma janela de recursos muito importante para que possamos expandir a infraestrutura de comunicação de dados de alta velocidade. Outra questão é utilizarmos bem os editais de outorga de radiofrequência. No final de 2017 tínhamos 5565 municípios e foi quando tivemos a licitação das faixas de 1800 megahertz e 2100 megahertz que significaram o ingresso da tecnologia de terceira geração no país. Desse conjunto de municípios, havia 1.876, praticamente 33% do total, que não tinham acesso móvel ao celular. Naquela oportunidade, vinculamos as áreas mais rentáveis com as áreas menos rentáveis e, com isso, em dois anos foi possível cobrir todos os municípios. Os novos editais de radiofrequência vão ser uma oportunidade ímpar de estabelecer obrigações de cobertura e aprimorar a infraestrutura de banda larga. Também é preciso discutir a lei do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações). Desde que foi criado em 2000, ele arrecadou 22 bilhões de reais em valores não atualizados. Só que a lei só permite aplicar esses recursos na telefonia fixa e, hoje em dia, isso não é o anseio da população. Não cabe mais falar de inclusão social dissociada de inclusão digital. Você pode ter uma agenda digital muito bonita, mas o âmago de uma estratégia é a conectividade.

DINHEIRO – Alguns executivos citam três grandes desafios para que o 5 G entre com força do Brasil: ampliação do número de antenas, mais faixas de espectro e mais redes de fibra ótica. São mesmos esses os principais desafios?

MORAIS – Esses são mesmo os três grandes pilares. Existem legislações municipais muito restritivas à instalação de antenas. E a entrada é do 5 G no Brasil é na faixa de 3,5 gigahertz, que é mais alta e tem um raio de cobertura menor, por isso precisa de mais antenas. Ainda como conselheiro, a gente fez uma comitiva para conversar com prefeitos e presidentes de câmaras municipais para defender a importância de uma legislação que permita a instalação. Pretendo intensificar esse trabalho agora como presidente. Mas eu entendo que, com o trabalho que estamos desenvolvendo, o Brasil estará na vanguarda da tecnologia de quinta geração. O 5G vai remodelar a sociedade e os meios produtivos. Não se trata apenas de aumento de velocidade. Ele tem outras facetas, como a internet das coisas e IOT massivo. Uma das aplicações é no agronegócio, que representa 23% do PIB. Quando você tem conectividade com IOT, você pode fazer agricultura de precisão. Como 70% dos custos da produção tem a ver com insumos, você aumenta a economia e a produtividade.

DINHEIRO – O trabalho do senhor foi muito elogiado no caso da Oi. Com seu novo cargo, podemos esperar que a Anatel se torne ainda mais enérgica com a operadora?

MORAIS – No caso da relatoria da Oi, o que procuramos foi privilegiar uma solução de mercado. Existia uma proposta de caducidade e eu procurei incentivar outra. A solução de mercado veio com o plano de recuperação judicial, mas não de forma definitiva. Historicamente, eles tinham um subinvestimento em rede. Enquanto a relação Capex-Receita era da ordem de 15%, os pares do mercado tinham 25%, mas a Oi tem uma vantagem comparativa que é capilaridade da sua rede. Porém, capital novo será necessário. Já foi aprovado pela agência um aumento de 4 bilhões. Mais de 2000 municípios do Brasil não contam com outra possibilidade de escoamento de tráfego que não o da Oi. Essa empresa é importante para a integridade do sistema brasileiro de telecomunicações.