O empresário e engenheiro civil Rubens Menin gosta de lembrar que nasceu no ano em que a televisão chegou a seu estado, Minas Gerais. Nascido em Belo Horizonte em 1956, poucos meses depois de a TV Itacolomi, parte do grupo Diários Associados, de Assis Chateaubriand, iniciar suas transmissões, ele acompanhou no papel de telespectador a evolução dessa tecnologia. Menin assistiu às primeiras telenovelas, acompanhou as notícias do Repórter Esso, viu a consolidação dos grupos Globo, Record, Bandeirantes e SBT. Quando a TV a cabo chegou ao Brasil, o empresário foi logo um assinante do recém-lançado serviço. Mas nada, em seu passado, equivale ao que o futuro aguarda. No próximo capítulo da TV brasileira, Menin deixará de ser apenas um número do Ibope para ser um dos principais acionistas da CNN Brasil, a operação local da emissora de notícias mais influente do mundo.

A posição de sócio, ou melhor, de empresário por trás da CNN Brasil, não foi conquistada ao acaso. Enquanto a TV evoluía, esse telespectador que é fã de tênis e dos jogos do Atlético Mineiro construiu a incorporadora MRV Engenharia – e, com ela, uma das maiores fortunas do Brasil. A ponto de entrar nas listas dos bilionários globais, divulgadas pelos veículos de negócios americanos Bloomberg e Forbes. Em 2016, os seus ativos eram estimados em US$ 1,8 bilhão, o que colocava entre as 30 pessoas mais ricas do Brasil.

Mesmo com a forte crise enfrentada pelo setor de construção no últimos anos, manteve atuação firme nos negócios imobiliários para as classes populares, o que fizeram a MRV superar a PDG e a Cyrela, para se tornar a maior companhia do segmento do País, com R$ 6,42 bilhões de lançamentos em 2018. E ainda por cima levou à bolsa de valores duas novas empresas em 2018: o Banco Inter, que se tornou a ação mais valorizada dentre as estreantes do ano passado, e a Log Commercial Properties, uma cisão da MRV especializada em espaços comerciais. De quebra, ainda se tornou, em junho, o primeiro empresário sul-americano a ser nomeado pela consultoria britânica EY como o Empreendedor Global do Ano.

Mas nem mesmo todas essas conquistas no meio empresarial foram capazes de preparar quem acompanha os passos de Menin no mundo corporativo para a tacada que ele planejava para 2019: se tornar um novo barão da mídia. É esse o papel que o aguarda na sociedade que trará para o Brasil a rede americana CNN, criada em 1980, em Atlanta, por Ted Turner. Durante um ano, Menin e seu principal sócio, o jornalista Douglas Tavolaro, negociaram com executivos da sede da empresa, hoje uma divisão da AT&T, a melhor forma de estruturar uma operação local da conceituada marca, com programação brasileira e independente.

Prestígio: a CNN se notabilizou por dar voz aos principais líderes do mundo, como John Kerry, ex-secretário de estado dos EUA, acima entrevistado por Wolf Blitzer (Crédito:Divulgação)

Se tudo seguir conforme o seu desejo, a CNN Brasil estreará em 7 de setembro, o Dia da Independência. “Seria muito simbólico”, diz o empresário à DINHEIRO, com certa empolgação e o seu característico sotaque mineiro. “A negociação demorou muito tempo. Foi um projeto complexo. Visitei a sede nos EUA e vi in loco como é bacana a estrutura e a complexidade do negócio, além da interação que, como franqueados da marca, podemos ter com a matriz. Estaremos ligados a uma estrutura de mais de 150 países.”

Para a entrada em operação, no entanto, será preciso correr contra o tempo. As negociações com as operadoras de TV a cabo avançam, diz o empresário, sem entrar em detalhes. A formação da equipe, que deve contar com 400 pessoas, está por conta do CEO Tavolaro, ex-vice-presidente de jornalismo da Record, que já trouxe pessoas de confiança do antigo empregador. Os escritórios da CNN deverão ficar em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, mas por enquanto a equipe inicial trabalha num espaço do escritório paulista do Banco Inter, controlado pela família Menin. Os equipamentos devem ser todos adquiridos pela nova empresa, sem recorrer a aluguel. A importação pode demorar um pouco, avalia o empresário. O investimento, com todos esses esforços, deve ser alto. Por exigência do contrato, ele não revela o valor que será aportado. Segundo fontes do mercado, confirmadas por Menin, a matriz exigiu uma estrutura robusta para liberar a franquia da marca.

As dificuldades não estarão apenas em iniciar as operações. O empresário é conhecido por não desperdiçar dinheiro, mas enfrentará um mercado de mídia desafiador. A CNN se tornou uma das marcas-símbolo da evolução da TV por assinatura em todo o mundo. Mas hoje esse nicho é um dos mais afetados pela evolução dos streamings e da transformação dos hábitos de consumo de conteúdo audiovisual, que migra para as plataformas digitais. E o empresário, um grande usuário do Twitter, sabe disso. “Não tenho dúvidas de que devemos ser multiplataforma”, afirma. Isso significa que a operação necessitará de uma presença forte na internet. Um modelo que o agrada é o do jornal The New York Times, que conseguiu uma reviravolta nos últimos anos, atraindo assinantes online.

Nos EUA, o dinheiro gasto em publicidade digital deve, neste ano, pela primeira vez, superar as mídias tradicionais. Segundo a empresa de pesquisas eMarketer, serão movimentados, em 2019, US$ 130 bilhões em anúncios online, contra US$ 110 bilhões do restante do mercado. Em 2018, o mercado publicitário brasileiro cresceu 10% em relação a 2017, segundo estudo da Kantar Ibope Media. “A mídia passou por um momento de transição do modelo tradicional, que foi desafiado por novas empresas e pela avalanche de desinformações da internet, mas ela começa uma curva ascendente, que creio que será irreversível, à medida que as empresas aprendem a atuar nesse novo ambiente”, avalia Edilamar Galvão, coordenadora do curso de jornalismo da FAAP.

A internet serviu como terreno para desinformação nos primeiros dias depois do anúncio da CNN Brasil, em janeiro deste ano. A notícia foi interpretada por adeptos de teorias da conspiração de todas as matizes das formas como preferiram. Inimigos da globalização diziam que seria um projeto para replicar no Brasil, contra o presidente, Jair Bolsonaro, o antagonismo que a CNN estaria fazendo nos EUA contra Donald Trump. A suposta prova disso: a MRV teria sido uma das empresas mais beneficiadas pelo programa de financiamento de moradia popular Minha Casa, Minha Vida, durante os governos do PT.

Outra teoria dava conta que Menin representaria o dono da Record e criador da Igreja Universal, o bispo Edir Macedo, que já teria tentado no passado trazer a CNN ao Brasil, mas teria esbarrado nas preocupações da matriz americana em repassar a marca para um líder religioso. A suposta prova dessa teoria: a escolha de Douglas Tavolaro como CEO. Outros preferiram dizer que a TV será chapa-branca, pelo fato de que tanto Tavolaro quanto Menin serem manifestamente favoráveis ao novo governo. Menin chegou inclusive a visitar o Palácio do Planalto, no dia 18 de janeiro, para apresentar o projeto ao presidente Jair Bolsonaro e a seu filho, Eduardo.

O empresário afasta as três hipóteses. “Queremos ser uma TV independente. Não vamos ser chapa-branca. Falou-se que a CNN Brasil seria uma TV do Lula, do Edir Macedo e do Bolsonaro. Não vai ser de nenhum dos três. Vai ser nossa”, afirma. “Com o compromisso de fazer um jornalismo para o Brasil, a favor do Brasil. Não viemos aqui fazer um negócio desse porte para sermos pau-mandados de ninguém. Nem para perder dinheiro.” O empresário será o presidente do conselho de administração e também do conselho editorial da nova empresa. A motivação principal, diz Menin, é uma visão que vem defendendo nos últimos anos de que o empresariado brasileiro deve ajudar mais no desenvolvimento do País. “A educação e uma imprensa livre são fundamentais. Comecei a sentir que existia um espaço aberto na mídia brasileira e que faltavam investimentos nessa área”, afirma. “Somado a isso, acho que as elites brasileiras ficaram muito acomodadas. É muito fácil ficar dentro da nossa sala e colocar a culpa nos outros. Temos de participar.”

Nos últimos tempos, ele tem ampliado suas atividades de filantropia. Ele se uniu a um dos principais representantes dessa atividade no País, o também construtor Elie Horn, nascido em Alepo, na Síria, e criador da Cyrela. Ambos, juntos com Eugênio Mattar, CEO da Localiza, lançaram em novembro do ano passado a ONG Bem Comum, para fomentar ações sociais. O objetivo é incentivar os empresários a doarem mais. Em uma década, acreditam que a participação da filantropia no PIB brasileiro possa dobrar, para 0,4%. Menin também faz parte do movimento Você Muda o Brasil, que reúne empresários e acadêmicos para discutir os rumos do País. “O Rubens é um empreendedor nato, com coragem, hombridade e muito bom coração”, diz Horn. “O lema dele é crescer fazendo o bem.”

Prédios e ipo: empreendimento residencial da MRV (foto à esq.) e imagem da cerimônia de abertura de capital do Banco Inter, na B3, em São Paulo, com a presença de Rubens Menin (o primeiro à esq.) e o CEO da instituição, o seu filho João Vitor Menin (à frente) (Crédito:Divulgação)

Um crescimento do Brasil ajudará, como já aconteceu no passado recente, no negócio original de Menin, a construtora MRV. Menos desemprego e o aumento do crédito habitacional, em especial, com os programas de financiamentos de moradias populares, ampliaram o potencial de vendas na virada para esta década. A letra R no meio da sigla que dá nome à maior incorporadora imobiliária do País é a inicial de Rubens. Ela foi fundada em 1979 pelo empresário, em conjunto com dois primos que depois deixaram o negócio. Com sua empresa tendo já entregado 400 mil unidades, Menin estima que atualmente 1 em cada 180 brasileiros vive em imóvel construído pela MRV. Esse índice aumenta para 1 em cada 80 nas cidades que a incorporadora atua e para 1 em cada 15 pessoas nos municípios em que é líder de mercado, como em Uberlândia (MG), por exemplo. “Nessas cidades, temos uma integração com a comunidade que ultrapassa as questões de negócios”, diz Menin. “Acreditamos que em nenhum lugar do mundo, nem na China, existe uma empresa com maior índice de penetração de mercado.”

SEM “SUPERCEO” O empresário presidiu a empresa por 35 anos, até 2014, quando passou para a presidência do conselho de administração, delegando a gestão para a segunda geração. Hoje, o seu filho Rafael Menin e o executivo Eduardo Fischer são co-presidentes da companhia. “O meu pai tem como característica bastante marcante acreditar com muita intensidade que os negócios só dão certo com equipes muito azeitadas. Em vez de ter um superfundador, ou um super-CEO”, afirma Rafael. “Apesar de ser uma empresa muito grande, ela funciona como uma grande família, na qual pessoas trabalham durante décadas.” Antes mesmo de abrir capital, em 2007, a MRV já possuía mais de 30 sócios. Hoje, quase 200 dos seus executivos são também acionistas da construtora.

Para este ano, a expectativa é manter o crescimento das vendas líquidas, que foi de 5,6% em 2018, para R$ 5,3 bilhões. Perguntado se a decisão da Caixa – responsável por 70% do crédito imobiliário do País – de diminuir o volume de financiamentos com juros abaixo do mercado pode prejudicar os negócios da MRV, o fundador afirma estar preparado para esse novo cenário. “Hoje há três fontes de financiamentos: a caderneta de poupança, o FGTS e o LIG (Letra Imobiliária Garantida), um instrumento novo que é o que mais tem se desenvolvido no mundo.”

O Banco Inter, a fintech que fundou e que é comandada pelo filho caçula, João Vitor Menin, pretende capturar parte desse mercado. Em janeiro, ela fez a sua primeira emissão de LIG, no valor de R$ 12 milhões. Isento de cobrança de Imposto de Renda para pessoas físicas e investidores estrangeiros, esse instrumento financeiro foi regulamentado apenas no fim de 2017. Uma empresa ajuda a desenvolver um mercado que acaba beneficiando a outra, e os negócios se perpetuam.

Seja por meio de criar e financiar habitações para as pessoas de menor renda, seja como um empresário da mídia, as atividades empresariais de Menin devem continuar influenciando a vida brasileira pelos próximos anos. O seu nome já está marcado na história da construção do Brasil. Agora, ele terá a oportunidade de se colocar ao lado dos barões da TV nacional, lista da qual fazem parte, além do pioneiro Assis Chateaubriand, os empresários Roberto Marinho, Silvio Santos, Adolpho Bloch, Paulo Machado de Carvalho e João Jorge Saad. O Brasil saberá mais sobre isso pelos próximos tempos. Essa história deverá começar a ser escrita, ou melhor, televisionada, a partir do segundo semestre deste ano.


O que diz o CEO

Douglas Tavolaro: “O produto final estará alinhado com a alta qualidade e padrão da marca CNN no que se refere ao editorial, conteúdo, cobertura jornalística, talentos, visual e operacional” (Crédito:Edu Moraes)

Douglas Tavolaro, ex-vice-presidente de jornalismo da TV Record, é o principal executivo da CNN no Brasil. Tavolaro permaneceu por 17 anos na emissora de Edir Macedo e é autor de, “O Bispo”, biografia autorizada do fundador da Igreja Universal. Produtor dos filmes de sucesso “Nada a Perder”, adaptação do seu próprio livro, e “Os Dez Mandamentos”, versão cinematográfica da novela da emissora, o jornalista já atuou na revista ISTOÉ.

Foi Tavolaro quem procurou a CNN International para lançar o canal no País. Além de sócio de Rubens Menin no negócio, ele será responsável pela operação e pela estratégia editorial. “A chegada de um grande player de mercado para o setor de comunicação do nosso País, como é o caso do licenciamento da CNN Brasil, é sempre cercada de uma enorme expectativa”, disse ele à DINHEIRO. Um de seus desafios é formar uma equipe composta por jornalistas consagrados. Um conhecido apresentador deverá ser anunciado em algumas semanas.


Notícia em tempo real

Crédito: AP Photo/David Goldman

Conhecida como sede da Coca-Cola e cenário principal do filme “E o Vento Levou”, a cidade de Atlanta, na Geórgia, ganhou um novo aposto a partir de junho de 1980. Foi quando o empresário Ted Turner, aos 41 anos, inaugurou a primeira rede de televisão dedicada exclusivamente a notícias. A Cable News Network (CNN) foi criada para atuar, como o nome sugere, no então crescente mercado de TV a cabo. Com apenas dois milhões de assinantes e um orçamento inicial modesto de US$ 30 milhões (estimava-se na época que uma grande rede gastava quatro vezes isso em uma hora), a CNN acabou por revolucionar o jornalismo e inspirar imitadoras por todo o mundo.

Atualmente uma divisão da WarnerMedia, do grupo AT&T, a rede ultrapassou 100 milhões de assinantes nos EUA e as transmissões com a sua marca podem ser assistidas em mais de 150 países pelo canal CNN International, veiculado em operadoras de TV por assinatura, ou por meio de franquias, como será implementada no Brasil.

AP Photo/Sadayuki Mikami

A popularização global da CNN aconteceu com a cobertura da Guerra do Golfo (foto acima), quando transmitiu de dentro do Iraque imagens do início dos bombardeios da coalizão formada pelos EUA, algo que as três grandes redes americanas (ABC, NBC e CBS) não conseguiram. Os vídeos dos bombardeios noturnos correram o mundo, anunciando a era das guerras transmitidas ao vivo pela televisão.