O presidente resolveu colocar em campo mais uma artimanha eleitoral para turbinar temporariamente as vantagens concedidas nessa temporada às camadas mais pobres da população. Como em uma espécie de truque financeiro, ele sancionou uma lei que permite aumentar de 40% para 45% a margem dos chamados empréstimos consignados a pensionistas e aposentados do INSS, estabelecendo também a possibilidade de os beneficiários do Auxílio Brasil e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) buscarem empréstimos baseados nesses recursos. Em outras palavras: o mandatário procurou passar às camadas de necessitados a falsa sensação de liquidez, por tempo determinado — já que o Auxílio, no atual patamar, tem prazo contado para acabar — e, dessa forma, consolidar a ilusão de melhoria de vida para que os tais favorecidos votem na sua candidatura à reeleição. Na prática, o que se tem pela frente é um risco de endividamento gigantesco dos menos favorecidos. Algo que tende a agravar o já altíssimo índice de inadimplência registrado nas tomadas de crédito. Os empréstimos com desconto em folha tornaram-se muito populares como modalidade de financiamento, mas gerou, em contrapartida, um descontrole nos orçamentos daqueles com pouca margem de manobra que atrasaram pagamentos e viram sua dívida subir mais do que o esperado via juros. O planejamento de pagamento dos créditos para quem tem pouco é algo vital. Com o consignado extra, vinculado a uma renda de Auxílio Brasil que tende a encurtar, a ameaça de estouro dos compromissos impagáveis parece inevitável. Os bancos privados foram os primeiros a perceber esse risco e já avisaram que não devem participar da empreitada. A notícia caiu como bomba no Planalto e o presidente, enfurecido, tentou reverter à situação. Em almoço com representantes da Febraban pediu abertamente para que eles participassem da mobilização pró-consignado extra. O governo não estipulou um limite à taxa de juros a ser cobrada dos beneficiários do programa, mas o mercado está receoso que a ideia possa produzir mais adiante uma onda de insolvência generalizada na baixa renda. Bolsonaro não parece preocupado com isso. Seu objetivo com o incentivo é imediatista, buscando angariar apoios para as urnas de outubro. O incrível da tentativa de injeção de liquidez extra nesse momento é que nem mesmo no auge da pandemia, quando todas as famílias estavam de alguma forma encalacradas com as contas, a margem de consignável chegou a patamares tão elevados. De uma forma ou de outra, o atual nível de empréstimos autorizado pela medida presidencial representa um recorde que pode, decerto, levar a um desastre financeiro em efeito bola de neve. Segundo o Banco Central, atualmente o endividamento das famílias com o sistema financeiro ronda a casa dos 52,7% da renda acumulada nos últimos 12 meses até março passado, segundo o levantamento mais atualizado. Com dívidas a vencer o percentual sobe para 77,3%. É quase uma calamidade em um País de baixa renda — lembrando que a taxa básica de juros da economia está resvalando os 14% ao ano. A cautela dos bancos é plenamente justificável. As instituições financeiras demonstram receio de que uma versão de crise do subprime americano surja por aqui com uma roupagem distinta. Todo cuidado é pouco. Em tempos de populismo vale quebrar qualquer fundamento de garantias elementares.

Carlos José Marques
Diretor editorial