No Brasil, o mês de março traz as chuvas que fecham o verão, as comemorações do Dia Internacional da Mulher e o início da rodada de assembleias de acionistas que, entre outras deliberações, vão renovar assentos nos conselhos das empresas. E se o aguaceiro que Tom Jobim registrou tão lindamente anda cada vez mais imprevisível, por conta das mudanças climáticas do planeta, os dois outros eventos continuam líquidos e certos.

Nos últimos anos, aliás, surgiu até uma conexão entre eles. É que junto com os temas abrigados na sigla ESG, em especial a equidade de gênero – a pauta inescapável deste mês! – aparecem sempre os dados sobre mulheres na diretoria e em conselhos de companhias abertas, fechadas, mistas, estatais, privadas, familiares. Não importa o recorte: são sempre pequenos.  A oportunidade da renovação seria um bom momento para corrigir parte desse desvio. Mas ela ainda precisa ser (mais bem) aproveitada.

De acordo com o Global Gender Gap Report de 2020, estudo conduzido pelo WEF – Fórum Econômico Mundial para medir e comparar a (des)igualdade de gênero no mundo, apenas 10 dos 153 países têm hoje mais de um terço de mulheres nos conselhos de suas empresas. O pelotão é liderado pela França, com 43,4%, e fechado pela Nova Zelândia, com 30% cravados.

Há outros 12 países com mais de 1/5 de mulheres, e 11 com mais de 1/10 de mulheres conselheiras. O Brasil fica na quarta fila, aquela em que as empresas têm menos de 1/10 de assentos dos conselhos ocupados pelas mulheres – no caso, 8,4%, perto da China (9%), Rússia (7%) e Japão (5,3%), lugares com uma cultura tão machista como a nossa.

Mas pela primeira vez em 14 anos, o estudo alertou para o fato de que os países em que os números de mulheres conselheiras mais crescem têm sido sempre os mesmos – o tal pelotão de frente. (Cotas têm muito a ver com o avanço; tratei disso neste outro texto.) Nos demais, a coisa está andando de lado.

É principalmente a pressão de investidores, motivados pelas evidências (muitas!) de que a diversidade é boa para os negócios, que tem melhorado os números – mesmo onde eles andam de lado. Como resposta, as empresas se comprometem com metas e os governos criam leis para garantir a presença de mulheres e outras parcelas sub-representadas da sociedade nos conselhos, exercendo seu poder de fiscalizar e regulamentar o mercado. Nesses casos, dão o exemplo quando começam pelas companhias em que são o sócio mais importante.

Mesmo que ande de lado, é uma tendência sem chance de ser revertida. O que falta é ganhar mais impulso, especialmente por aqui – bom lembrar que uma decisão sobre cotas para mulheres em conselhos anda a passos de tartaruga no Congresso. Não é a prioridade deste governo.

Por isso mesmo o impulso encontra outras formas, mais criativas. Há seis anos, um grupo formado pelo IBGC , WCD, IFC, B3 e a consultoria Spencer Stuart criou e mantém o Programa Diversidade em Conselho (PDeC). Por ele já passaram 100 executivas de variados perfis, e outras 40 estão atualmente recebendo mentoria de conselheiras e conselheiros experimentados do mercado, além de conseguirem aumentar sua rede de contatos e, mais importante, sua visibilidade. Pelo menos 40% já garantiram uma posição em um conselho ou comitê.

No final do ano passado, com o sucesso do PDeC, um grupo de conselheiras e executivas próximas do programa foi além e colocou de pé o Conselheira 101, focado nas mulheres negras. Mais do que necessário: se mulheres não somam um décimo dos assentos, negros e negras são ainda traço nas estatísticas dos conselhos brasileiros até agora – e esse é mais um desvio que ainda precisa ser encarado.

Lá pelo final de abril, encerradas as assembleias dos acionistas, a temporada de chuvas e com as celebrações em torno das mulheres no retrovisor, vamos saber se o discurso ESG das empresas conseguiu, de verdade, se materializar em mais diversidade nos seus conselhos.