Há dois anos, a Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Cônsul, começou a planejar o que seria o maior lançamento de produtos de sua história no País. No auge da crise, econômica e política, 55 novos itens entre geladeiras, fogões e lavadoras começaram a ser desenvolvidos. Alguns eram inovadores, outros, apenas renovações de linhas anteriores. À época, projetava-se que hoje a economia estaria crescendo de forma mais vigorosa do que está. “Ao menos parou de piorar”, afirma João Carlos Brega, presidente da Whirlpool Latin America. Nesta entrevista, o executivo discute o tamanho do Estado, as políticas de desonerações, o ativismo empresarial na política e defende as reformas, como a da Previdência, para que o Brasil não tenha um voo de galinha.

DINHEIRO – O setor de linha branca no Brasil é competitivo?

JOÃO CARLOS BREGA – Em termos de tecnologia, as empresas que compõem o setor são globalizadas. O acesso à tecnologia existe. Os nossos modelos de última geração são produzidos em diferentes partes do mundo. A geladeira, por exemplo, é feita no Brasil. O fogão e o purificador, na Europa. A lava-louças, nos Estados Unidos. São modelos de última geração. O consumidor tem acesso a essas tecnologias. Mas, para falar de competitividade, tenho de abordar a geração de conhecimento. O centro global de desenvolvimento de refrigeradores da Whirlpool fica em Joinvile (SC). A Embraco, que pertence à companhia, é a segunda empresa brasileira que mais registra patentes nos Estados Unidos. Só perde para a Petrobras. Essa geração de conhecimento poderia ser mais alavancada? Sim.

DINHEIRO – Poderia ser mais bem aproveitada também?

BREGA – Sim. Isso passa pela inserção do Brasil no mundo. Precisamos entender que não somos a última bolacha do pacote. Precisamos estar inseridos mundialmente na educação, no processo industrial, no desenvolvimento tecnológico, como software e internet das coisas. Precisamos deixar de ser um silo, para nos tornarmos um País de economia aberta.

DINHEIRO – O que fazer para que novas Embracos surjam?

BREGA – Conceitualmente, acredito que cada vez mais precisamos de um governo regulador e não tutor. No setor empresarial, há cada vez mais uma consciência de que não se deve ir a Brasília pedir uma política protecionista para um setor específico. Vejo em debates que, cada vez mais, surgem posicionamentos que pedem, de maneira explícita, um planejamento do País no médio e no longo prazo. Percebemos que sempre que um benefício de curto prazo é dado, será cobrado um preço lá na frente.

DINHEIRO – O setor de linha branca recebeu incentivos do governo passado e isso não impediu a queda das vendas. Eles ajudaram ou prejudicaram?

BREGA – Depende de para quem você pergunta.

DINHEIRO – Pergunto ao presidente da Whirlpool.

BREGA – Há duas visões, uma para o setor específico e outra para o País. Precisamos desmistificar esses incentivos. Primeiro, porque eles não existem mais. Além disso, os eletrodomésticos têm a maior carga fiscal do país – mas não vou discutir se isso é correto ou não. Os incentivos custaram R$ 700 milhões para o governo em 12 meses. Não foram R$ 30 bilhões como disseram. E, como contrapartida, geramos, em toda a cadeia, desde o fornecimento até o comércio, mais de 30 mil empregos. Desse ponto de vista, foi positivo. Mas do ponto de vista macroeconômico, foi criada mais uma jabuticaba. Vimos que aquela desoneração, que já acabou, levou a um desequilíbrio.

DINHEIRO – Então, ajudou a empresa?

BREGA – Hoje sabemos que a junção dos “micros” pode detonar o “macro”. Hoje, vemos que o câmbio está estabilizado; a inflação, embora tenha sido feita pela desidratação da demanda, está estabilizada; os juros estão caindo. E por que o emprego não cresce? Pense que sou um microempresário e que eu e meus pares respondem por 60% a 70% do mercado de trabalho. Enquanto estou no Simples Nacional, a carga tributária é uma. Na hora de crescer, e deixar o Simples, eu vou pagar mais impostos. Então, por que eu vou tentar crescer? É legítimo reduzir a carga tributária para quem emprega mais. Só que depois de feita a primeira etapa, a da desoneração, não é feita a segunda, porque não há visão de longo prazo. O que é preciso fazer para incentivar esse cara a continuar a crescer? Isso é o micro. Se não tirar essas imperfeições, não sairemos do lugar.

DINHEIRO – Se pudéssemos voltar no tempo, para 2012. Estão na mesma sala o senhor, Dilma Rousseff, Guido Mantega e Arno Augustin. Pediria para desonerar ou não?

BREGA – A resposta não é simples. Não se pode tirar essa questão de um contexto. Não há [boa] fé nessa pergunta. Não dá para dizer sim ou não.

DINHEIRO – Já vivemos uma retomada?

BREGA – Não. Dá pra falar que parou de piorar. Em unidades vendidas em linha branca no Brasil, voltamos ao patamar de 2007. Ainda bem que existe uma lei da física que não permite que um corpo em queda passe do chão. Mas podíamos estar crescendo muito mais, voltar aos níveis de 2013. Acho que a equipe econômica não consegue caminhar mais porque se não tiver um Congresso representativo e que haja de maneira que permita o País crescer, com uma agenda de políticas públicas, não sairemos do lugar. Seremos um belo time de Série C. Mas temos potencial para ganhar a Série A.

Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, e Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central: a economia descolou da política (Crédito:Antônio Cruz / Agência Brasil)

DINHEIRO – Há dois anos a Whirlpool fez uma aposta grande no desenvolvimento de novos produtos, culminando no momento atual com 55 lançamentos. Foi uma estratégia acertada?

BREGA – Quem gerencia uma empresa e tem uma responsabilidade, como a que um governante também tem, precisa planejar. Temos mais de 60 anos de Brasil e não mudamos nosso pensamento conforme o ciclo econômico, se é de baixa ou de alta. Esses produtos foram desenvolvidos no auge da crise, há dois anos. A gente entendeu o momento e também tivemos que fazer ações para nos adaptar ao curto prazo. Mas nunca comprometemos a capacidade futura. Isso fez com que parássemos de piorar no ano passado. Continuaremos a investir de 3% a 4% do nosso faturamento para que, em dois anos, ou quem sabe em um ano, coisas novas sejam lançadas.

DINHEIRO – Mas a expectativa se concretizou?

BREGA – Claro que sim. Trouxe-nos a liderança de marca e de produto. É fato que a crise vai acabar. A questão é quando. Quando o País voltar a crescer, estaremos mais fortes. Hoje, nosso consumidor está extremamente satisfeito. Por exemplo, a lavadora de cesto duplo acabou nas lojas. Estamos correndo para entregar mais. Essa é uma inovação que só tem no Brasil. Se pensarmos sempre no consumidor, não há como errar.

DINHEIRO – Quando pensamos no longo prazo, há um cenário incerto quanto à política econômica. Como planejar os próximos dois anos?

BREGA – O Brasil tem poderes Legislativo, Judiciário e Executivo que permitem um mínimo de continuidade. Ninguém vai matar o Brasil. A Constituição e as leis não permitem uma mudança tão rápida. O que existe é uma frustração por estarmos perdendo oportunidades. Não estarmos entre as seis maiores economias do mundo é uma vergonha. Em todos os rankings de competitividade, estamos perto do centésimo lugar. É uma vergonha, mas também uma oportunidade. Tem de haver uma mudança de postura da sociedade. Temos que ter um Congresso que nos represente e que faça as mudanças que precisamos.

DINHEIRO – Como tem visto o desempenho da equipe econômica?

BREGA – Pense na fotografia do momento de 18 meses atrás. Lembre das tendências de inflação, de desemprego, de crescimento do PIB, de gasto público e de câmbio. E olhe para a fotografia de hoje. Como está o PIB, a inflação, o câmbio e os juros? É o contrário do que víamos 18 meses atrás. Por isso que se fala que a economia se descolou da política. Veja o que o Wilson Ferreira Jr. (presidente da Eletrobras) e o que o Pedro Parente (presidente da Petrobras) estão fazendo. Não é o executivo que está fracassando. É o Congresso. Ele não tem o direito de não votar a Previdência. O Congresso não tem esse direito. Pode rejeitar ou aprovar. Mas os deputados estão lá para nos representar. São eles que estão fracassando.

DINHEIRO – Por isso esse movimento do setor empresarial para pressionar a classe política?

BREGA – Pressionar não é a palavra correta. O objetivo é virar a página. Qual é a agenda dessas pessoas que lideram e que têm o poder de mudar o País? Qual é a visão sobre competitividade industrial e ambiente de negócios? Queremos diálogo. Buscar candidatos para o Congresso, falar sobre o tamanho do Estado que é muito grande, que não há a necessidade de existir 151 estatais, que o Estado não deve competir com a iniciativa privada. E falar também que onde o Estado precisa atuar é na Saúde, na Educação e na Segurança. O que há de diferente agora é que, cada vez mais, a sociedade está, de forma explícita, se posicionando.

O BNDES, o maior financiador de projetos privados no País, está mudando sua principal taxa para reduzir os subsídios (Crédito:Rafael Andrade/Folhapress)

DINHEIRO – Como vê esses movimentos, muitos nascidos no ambiente empresarial, que busca a qualificação de candidatos?

BREGA – Apoio. Vejo com muito bons olhos. Acho que esse é o caminho. Como há o serviço militar, deveríamos também ter o serviço público. A sociedade tem que se sentir representada. Somos nós que definimos a democracia. Não podemos renegar a política, temos que fazer parte dela. As coisas ruins ficaram para trás e o Judiciário está cuidando muito bem disso. A mesma preocupação que se tem com as emendas que são dadas pelo governo devia se ter por cada dia em que não é votada a Reforma da Previdência. São R$ 500 milhões a cada mês que ela não é votada. Custa tanto ou mais para o País do que as emendas.

DINHEIRO – Quais são as perspectivas para a Whirlpool nos próximos anos?

BREGA – Vemos a economia com pequeno crescimento em 2018, talvez de 1,5%. No nosso setor, não vemos um crescimento do mercado doméstico. Podemos crescer até 3%, mas nada robusto ainda. A dinâmica dos bens duráveis é influenciada pelos níveis de emprego, porque para comprá-los é preciso financiar. Como disse, deixamos de piorar. Só vai melhorar quando a governança das instituições públicas melhorar. Por exemplo, a aprovação da Reforma Política dá um passo adiante.

DINHEIRO – O texto atual da Reforma Política aponta para uma melhoria?

BREGA – A criação da cláusula de barreira que será aplicada já em 2018 faz com que 40% dos 35 partidos políticos, aprovados e homologados, deixem de existir. Não questiono a necessidade de renovação do Congresso. Deputados em primeiro mandato representam quase 47%. Nosso problema não é de renovação, mas de representação. Temos condições de melhorar a partir de 2018 e, se caminharmos com as reformas, temos a possibilidade de crescer entre 2% e 4% ao ano.

DINHEIRO – Mas isso em 2019, certo?

BREGA – Exatamente. Já em 2019 teremos um grande crescimento percentual. Mas de certa forma, isso é ilusório. Isso porque sair de 10 para 5 é uma queda de 50%, enquanto que o caminho inverso é um crescimento de 100%. Mas teremos um crescimento grande em 2019, independente do candidato que ganhar. Se esse crescimento será sustentável ou um voo de galinha, isso vai depender das reformas.

DINHEIRO – Por que as reformas se tornaram um mantra para o empresariado?

BREGA – Porque as contas públicas estão estranguladas. O modelo de crescimento no governo de Fernando Henrique Cardoso era baseado no aumento da carga tributária e diminuição do déficit fiscal, apoiado pela privatização de algumas empresas. Esse modelo propiciou um nível de endividamento baixo do consumidor. No governo Lula, o modelo de crescimento foi baseado no endividamento. Só que o tamanho do Estado e a despesa do governo continuaram a crescer. Chega uma hora que não dá mais. Hoje, o Estado está presente em 40% de tudo. Ele está nos Correios, nos aeroportos, no transporte funerário. Isso não faz sentindo. O que faz sentido é o Estado estar presente na Segurança, na Saúde e na Educação. E não acho que se gasta pouco nessas áreas. O problema é a produtividade, como se gasta.