A votação na Câmara dos Deputados que rejeitou a denúncia de corrupção passiva apresentada pela Procuradoria Geral da República contra o presidente Michel Temer mostrou que o Brasil vive uma espécie de parlamentarismo presidencialista. O Executivo, liderado por um experiente parlamentar e com deputados-ministros de vários partidos em seu gabinete, depende do Congresso para sobreviver até o fim do mandato, em 2018, sem novos sobressaltos na economia. O inverso também é verdadeiro, como mostraram as negociações dos últimos dias em torno da aprovação de verbas e medidas com impacto imediato nas bases eleitorais.

Nesses termos umbilicais, é evidente que o ímpeto reformista do Governo Temer só terá sucesso no ajuste essencial das contas públicas se continuar a contar com a colaboração da base aliada, com a aprovação das reformas encaminhadas para votação. Aí é que mora o perigo. O governo esperava contar com o apoio de 302 parlamentares contra a denúncia da PGR, mas não atingiu a marca desejada. O saldo da votação foi de 264 deputados contra a denúncia, 227 a favor da investigação, 18 ausências e duas abstenções. O PSDB, da base aliada, rachou no plenário. De seus 47 deputados, 22 votaram a favor do encaminhamento ao STF, 21 votaram contra e quatro faltaram. No próprio PMDB, seis parlamentares não acompanharam a maioria.

Diante do resultado, cabe uma indagação: o governo conseguirá aprovar as reformas tributária e previdenciária, consideradas essenciais para aumentar a competitividade das empresas, a arrecadação de tributos e estancar a sangria dos cofres públicos que pode levar o Brasil ao calote da dívida interna? Conseguirá avançar mais sem ceder a novas e custosas chantagens de parlamentares oportunistas? Detalhe: são necessários dois terços dos votos na Câmara (308 votos) e dois terços no Senado (49 votos), em dois turnos, para realizar as mudanças estruturais. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles corre contra o tempo para revisar a meta fiscal de déficit primário.

Antes previsto em R$ 139 bilhões, o rombo deve ser maior, mas a luta é para que ele não ultrapasse os R$ 159 bilhões do ano passado e que o prejuízo seja o menor possível. Um dia depois da votação, ele afirmou que “a expectativa é aprovar a reforma da Previdência até outubro”. O ministro foi além e disse ainda que a tributária sairá em novembro. Meirelles crê no discurso dos deputados, os que diziam votar a favor da economia e também naqueles que desembarcaram em cima da hora. Muitos afirmavam que, independentemente do governo, pensam, acima de tudo, nas reformas essenciais para o Brasil. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), deixou claro que apoia as reformas, com o desembarque tucano do governo depois que elas forem aprovadas.

Em um discurso ao País, logo depois da votação, Temer reconheceu que não foi uma vitória pessoal e deu ênfase ao trabalho que seu governo tem feito para mudar as bases econômicas do Brasil desde que assumiu a cadeira presidencial, em 12 de maio de 2016. “Durante esse breve período, espero terminar a maior transformação já feita no País em vários setores do Estado e da sociedade.” O presidente afirmou que reduziu a burocracia, propôs mudanças na lei de exploração de petróleo e mineração e que derrotou a inflação. Sem isso não haveria espaço para a consistente queda na taxa básica de juros do Banco Central. “Faremos muito mais ao colocar nossas contas em ordem, de forma definitiva e equilibrada. Faremos todas as demais reformas estruturantes de que o País necessita”, disse. Ele já disse a que veio e demonstrou sua força política. Mas é o Congresso, mais uma vez, quem terá a palavra final.