Ele tem 8,9 milímetros de espessura e pesa 240 gramas. A tela é sensível ao toque. Dentro dele cabem 1.500 livros e ele pode ser facilmente carregado no bolso de um paletó. A primeira versão, cujo desenvolvimento foi feito em conjunto com um parceiro de Taiwan, não terá conexão a internet e será importada da China.

 

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“O Alfa é mais leve, portátil e tem uma interface mais simples que o Kindle” 
Hélio Rotenberg, presidente da Positivo
 

Um modelo com a tecnologia sem fio Wi-Fi, no entanto, chega antes do final do ano. Com esses atributos, a Positivo entra no mercado de livros digitais com o Alfa, o seu leitor de e-books. A venda será feita em livrarias e lojas online, que a Positivo ainda negocia, a partir de agosto. Escolas particulares também vão receber o equipamento para testes.

É o impulso que faltava para ligar o mundo digital às editoras, que faturam mais de R$ 3 bilhões com a venda de 340 milhões de livros. Em tese, esse é o mercado potencial que o Alfa quer conquistar.

Mas, muito mais do que uma aposta em um setor que deve deslanchar nos próximos anos, o novo produto é o primeiro passo da maior fabricante de computadores do Brasil para ampliar seu leque de atuação e começar a reduzir gradativamente sua dependência financeira de desktops e notebooks.

“A educação está no nosso gene”, declarou com exclusividade à DINHEIRO o presidente da Positivo, Hélio Rotenberg. “E educação tem tudo a ver com livros. Agora, o Kindle ganhou um concorrente no Brasil”.

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Murilo Marinho, da Mix Tecnologia: a empresa nordestina 
lançará um e-book no mesmo mês que a Positivo

O Alfa dará origem a uma família de produtos. É provável que, em breve, chegue ao mercado um tablet com esse nome e até mesmo um notebook com tela híbrida – de LCD, brilhante como a do iPad, e com e-paper, sem luminosidade, como a do Kindle.

Na estratégia de diversificação da Positivo, o próximo passo é fabricar tevês, celulares e, claro, tablets a partir de 2011. Analistas de mercado especulavam que a empresa teria um novo produto neste ano. Mas as apostas estavam concentradas em um tablet ou uma tevê. Erraram todos.

A companhia trabalhou silenciosamente no seu e-book por três anos. Técnicos e executivos viajaram por vários países para conhecer a tecnologia. Vários produtos já disponíveis foram testados. Pesquisas com consumidor no Brasil foram realizadas e a empresa descobriu que o recurso de tela sensível ao toque era um pré-requisito que o comprador local valorizava. Antes do nome Alfa – uma referência a alfabeto – foram considerados outros, como Mobook, e-lit e Textor. Este último por muito pouco não venceu a batalha.
 
Sem previsão de demanda, o objetivo da empresa é fabricá-lo no Brasil a partir de 2011. Mas isso só vai acontecer se as vendas atingirem dez mil unidades por mês. “Ele não venderá milhões como o iPad, pois é um produto de nicho”, afirma Rotenberg, que ainda não leu nenhum livro no Alfa. Fã de Steve Jobs, o executivo da Positivo está acabando a leitura, na sua versão em papel, de “O Fascinante Império de Steve Jobs”, livro do jornalista Michael Moritz. “O cara (Jobs) é bom”, disse à DINHEIRO.
 

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Jeff Bezos, da Amazon: lançamento do Kindle, em 2007, iniciou a era dos livros digitais

Aparentemente, lançar um leitor de livros digitais não é nenhuma novidade. O site de comércio eletrônico Amazon já vende o Kindle para o Brasil desde outubro de 2009. A livraria online brasileira Gato Sabido comercializa um produto similar importado da Inglaterra.

E a empresa nordestina Mix Tecnologia promete também para agosto o seu e-book. Há ainda dezenas de outros aparelhos no mercado internacional voltados para a leitura digital. E o iPad, da Apple, apesar de ter várias outras funções, também pode ser usado para ler livros.

O que torna, então, a entrada da Positivo neste mercado relevante? A resposta pode ser resumida em três palavras: marca, escala e distribuição. A companhia conquistou a liderança no mercado brasileiro de PCs estabelecendo um bom relacionamento com as redes varejistas.

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“Eles entendem de varejo”, declara Ivair Rodrigues, diretor de pesquisas da consultoria IT Data. A Positivo também construiu ao longo dos últimos cinco anos uma marca forte, respeitada e com presença nacional.

A chegada da empresa neste setor, portanto, pode incentivar livrarias e editoras a abraçar de vez o segmento de livros digitais. “Precisávamos fazer o ecossistema reagir”, afirma Rotenberg. “Por esse motivo, decidimos lançar o Alfa, em vez de ficar esperando o mercado crescer.”

Foi o que fez Jeff Bezos, o fundador da Amazon, quando lançou o Kindle em 2007 nos Estados Unidos. O mercado americano já tinha vários produtos voltados para leitura digital. Mas nenhum deles teve o impacto do Kindle.

Bezos é um visionário que em meados da década de 90 abandonou um bom emprego em Wall Street para apostar na venda de livros pela internet. Daí nasceu o maior site de comércio eletrônico no mundo, com faturamento acima de US$ 24 bilhões. No novo produto, atrelou o hardware à sua loja online. Um dono do Kindle só pode comprar livros digitais na Amazon.

É o modelo da Apple. Quem tem um iPod, iPhone ou iPad está umbilicalmente preso à iTunes Store para comprar músicas ou aplicativos. A Positivo optou por uma estratégia diferente. O Alfa é aberto, o que permite que livros comprados nas livrarias brasileiras, como a Cultura e a Saraiva – que já têm seções para vender produtos digitais – funcionem nele sem nenhuma restrição.

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“As livrarias brasileiras finalmente têm uma solução”, acredita Rotenberg. “O Alfa é mais leve, portátil e tem uma interface mais simples”, afirma, resumindo as qualidades que ele acredita que vão fazer o produto da Positivo bater o Kindle.

Ao optar por estratégias que ligam o hardware a uma loja virtual, Amazon e Apple criaram elas mesmas o seu próprio ecossistema. Para que o Alfa deslanche, a Positivo vai precisar do apoio de livrarias e editoras brasileiras. O mercado de livro digital brasileiro ainda é incipiente. De um lado, as redes que vendem livros ainda não adotaram o formato digital.

Mesmo para aquelas que o fizeram, como a  Saraiva e a Cultura, as vendas são pequenas, chegando a quase uma centena de títulos por dia. Um dos entraves é a falta de um catálogo em português. “A procura por nossa loja é muito grande, mas a baixa quantidade de títulos acaba não convertendo as visitas ao site em vendas”, admite Carlos Eduardo Ernanny, fundador da Gato Sabido, uma loja que vende exclusivamente pela internet.

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Até o final do ano, estima-se que haverá cerca de cinco mil títulos em português no formato digital. Em inglês, a oferta é vasta. A Amazon, por exemplo, tem mais de 400 mil livros digitais em seu acervo. É por esse motivo que as vendas lá fora decolam. No Natal de 2009, a empresa de Jeff Bezos vendeu mais títulos digitais do que físicos, um marco histórico.

Para mudar esse cenário, as editoras locais precisam começar a digitalizar os seus acervos. O trabalho ainda é muito lento, pois os contratos antigos com os autores – que não previam a venda no formato digital – precisam ser atualizados.

No começo de junho, a Objetiva, Record, Sextante, Intrínseca, Rocco e Planeta se uniram para criar uma empresa para distribuição de e-books. Batizada de Distribuidora de Livros Digitais (DLB), a meta é digitalizar 500 livros até o final de 2010.

A partir de 2011, pelo menos 300 títulos digitais devem ser lançados por mês. O faturamento deve chegar a R$ 12 milhões. A estimativa dos participantes do “consórcio” é de que o preço dos e-books seja até 30% inferior ao da edição de papel.

Se o varejo é o primeiro lugar em que o Alfa vai desembarcar (embora não revele os parceiros, DINHEIRO apurou que Cultura, Saraiva, Submarino e Americanas.com são os nomes mais fortes para ter o produto à venda a partir de agosto), o e-book da Positivo segue também para escolas particulares que vão testar o produto.

Rotenberg acredita que ele é ideal para ler romances, em razão de sua tela com tecnologia e-paper, que facilita a leitura. O iPad, diz ele, é um produto genial da Apple, mas não para ler livros. “Depois de dez minutos, a vista fica cansada. Pode testar”, desafia.

Posicionar o Alfa no segmento educacional é praticamente um caminho natural. Rotenberg tinha 27 anos quando deixou o Rio de Janeiro com o diploma de mestrado em informática nas mãos. Enquanto desarrumava as malas na volta para casa, o curitibano viu na televisão uma propaganda do Grupo Positivo.

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O gigante da educação divulgava a abertura de uma faculdade de informática. Naquele mesmo dia, Rotenberg começou a articular um encontro com o professor Oriovisto Guimarães, fundador do Grupo. Uma única reunião bastou para ser contratado. “Ele me disse que eu fui a única pessoa que o fez entender o que era a tal da informática.”

Nascia ali uma parceria que já dura mais de 21 anos. A transformação da faculdade em uma fabricante de computadores aconteceu por acaso. O País vivia uma época de reserva de mercado para importação de eletrônicos.

“Não sabíamos como ensinar informática sem computadores”, lembra Rotenberg. Novamente, bastaram 15 minutos de conversa com Guimarães para resolver essa questão. A faculdade se transformou em uma fabricante de PCs em 1989. A entrada da companhia no setor de varejo aconteceu em 2004. Os computadores começaram a ser vendidos na Casas Bahia. Desde então, a Positivo nunca mais deixou de ser líder.

No ano passado, vendeu 1,778 milhão de máquinas e teve receita líquida de R$ 2,18 bilhões. “O mercado de PCs no Brasil ainda não está saturado”, afirma Luciana Leocádio, analista da Ativa Corretora. “A Positivo tem um bom potencial e bastante espaço para crescimento em computadores.”

Os concorrentes internacionais, no entanto, estão se movimentando para pegar uma fatia do mercado da Positivo. Uma das estratégias é apostar em novos segmentos de mercado. A Dell, por exemplo, vende celulares no Brasil. Lá fora, Acer e Lenovo também fizeram seus smartphones. A Nokia promete um netbook ainda este ano.

“O desktop e o notebook serão nossos produtos principais pelos próximos cinco anos”, diz Rotenberg. Hoje, a empresa atua apenas em computadores, mas Rotenberg afirma que é impossível não pensar em outros produtos. Sem detalhar qual o cronograma, nem a ordem em que vai lançá-los, a Positivo planeja fabricar tablets, tevês e celulares.

“É óbvio que vamos ter um tablet, não podemos ficar fora desse mercado”, afirma Rotenberg.  Quando? A partir de 2011, indicou o executivo, novos equipamentos devem chegar ao mercado com a marca Positivo. Com isso, além de um concorrente do Kindle, a empresa pode ter produtos que podem competir contra o iPad e o iPhone.

Colaborou Bruno Galo