O aço virou o pivô da guerra comercial. A União Europeia estendeu até 2021 a proteção a 26 modalidades siderúrgicas estrangeiras, sete das quais vendidas pelo Brasil. Trata-se da confirmação de uma medida de salvaguarda adotada provisoriamente como resposta às barreiras adotadas pelos Estados Unidos em março de 2018. A ofensiva americana deflagrou uma corrida global de contra-ataques, um jogo perigoso em que todos perdem com o aumento das incertezas do ambiente de negócios e com a desaceleração da economia mundial. “É uma má notícia porque pode ter impacto sobre outros fluxos comerciais”, afirma Fernando Ribeiro, coordenador de Estudos em Relações Econômicas Internacionais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). O temor faz todo sentido.

Não foi por acaso que o setor siderúrgico se tornou a referência das disputas. Estima-se um excesso de 560 milhões toneladas na capacidade instalada global. A China é responsável por metade do problema, com um volume adicional equivalente a quatro vezes o consumo da América Latina. O país é o principal alvo das restrições impostas pelo presidente americano, Donald Trump. As barreiras bilaterais alcançam US$ 234 bilhões no total e levaram os chineses a iniciar, na segunda-feira 28, um processo contra os Estados Unidos na Organização Mundial de Comércio (OMC).

Os dois gigantes brigam e todo mundo perde. Entidades globais vêm alertando que a disputa comercial já está afetando a atividade econômica mundial. Retaliações como as da Europa afetam não só os chineses, mas outros mercados também. Na lista dos mais prejudicados estão Índia e Rússia. Os fabricantes brasileiros estimam uma redução de até US$ 100 milhões nos volumes exportados à União Europeia. O bloco consome cerca de 15% das vendas do aço nacional. A medida, porém, exclui os semiacabados, cerca de 40% do volume total destinado aos europeus, de US$ 1,4 bilhão. A decisão europeia atinge os laminados planos a quente, chapas grossas, laminados planos de aço inoxidável, tubos sem costura, folhas metálicas, perfis de aço e laminados planos a frio. Estes três últimos já têm cota específica para o Brasil, com volumes que aumentam 5% a cada ano.

Gigantes: a produção chinesa desestabiliza o resto do mundo e países decidem seguir sanções americanas

O Ministério das Relações Exteriores tem acompanhado o caso de perto. Segundo apurou DINHEIRO, o governo brasileiro tentou reduzir, previamente, possíveis impactos às exportações. O Itamaraty apresentou comentários por escrito e participou de uma audiência pública da União Europeia para demonstrar que não havia justificativas para as restrições. Assim que foi notificado sobre a aplicação das salvaguardas, no início de janeiro de 2019, o governo brasileiro solicitou consultas sobre o assunto. Pelas regras da OMC, quem aplica salvaguardas é obrigado a dar aos afetados a oportunidade de realizar as consultas. Em 14 de janeiro foi realizada a primeira rodada. O Brasil apresentou preocupações com a medida e discutiu possíveis formas de contornar os impactos. As negociações ainda não foram encerradas.

Os negociadores brasileiros apostam nas consultas para reverter tais restrições. A ideia, segundo apurou DINHEIRO, é derrubar pelo menos certas barreiras ou incrementar as cotas oferecidas, a exemplo das mudanças conquistadas após a decisão de Trump. Naquele caso, Brasil, Argentina e Coreia do Sul conseguiram ficar de fora da tarifa de 25% mediante a imposição de cotas de exportação. Segundo o presidente do Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço (Inda), Carlos Jorge Loureiro, o resultado das negociações com os Estados Unisos acabou beneficiando as siderúrgicas brasileiras. Além da ausência de taxação, o País lucrou com o alto preço do aço no mercado internacional. A medida europeia, porém, revive um temor sobre o clima vivido no setor. “Revela um acirramento das medidas protecionistas, o que é ruim porque mostra que os países europeus também querem se defender de uma avalanche de aço, principalmente da China”, afirma Loureiro.

ANTIDUMPING O excesso de capacidade mundial vem se acumulando nos últimos anos e se refletindo em medidas mais brandas de proteção. Empresas e governos da América Latina se juntaram para buscar condições de concorrência mais equilibradas contra os concorrentes asiáticos. Em conjunto, a região tem em vigor 66 ações de defesa comercial, como processos de antidumping, entre os quais, 44 são contra a China. “Todos estão tomando suas medidas e querendo mostrar que têm instrumentos para usar em situações especificas”, afirma Ribeiro. “O aço foi onde tudo começou lá atrás. Todos estão alertas e mostrando que têm armas para entrar nessa briga.”