O ano era 1975. O filme “Tubarão”, do cineasta Steven Spielberg, inaugurava a era dos blockbusters e assustava multidões de brasileiros nos cinemas. Com mais de 13 milhões de espectadores, a produção é a terceira mais vista nas salas do País, atrás apenas de “Titanic” (1998) e “Vingadores: Guerra Infinita” (2018). Os filmes-catástrofe estavam no auge, com o lançamento de “Inferno na Torre” e “Terremoto”, que juntos fizeram mais de 17 milhões de espectadores. “O Poderoso Chefão – Parte II” também fazia sucesso com crítica e público e os filmes brasileiros de maior sucesso eram comédias populares, como “O Jeca Macumbeiro”, com Mazaroppi e “O Trapalhão na Ilha do Tesouro”, com Renato Aragão e sua trupe. Num momento tão fervilhante, o número de salas de cinema no País atingia o recorde de 3.276.

Corta para 2018. As pessoas assinam serviços de streaming como Netflix, navegam pela web em celulares e o entretenimento em casa é visto como o futuro do setor. Certamente é um momento difícil para os cinemas, ainda mais depois de uma longa crise econômica. Mas esse roteiro não é nada óbvio. Em 2018, o País superou o recorde de 1975 com 3.356 salas.

A líder de mercado ainda é a rede americana Cinemark, que desembarcou por aqui na década de 1990. No entanto, a responsável pelo maior número de inaugurações nos últimos anos é a sua rival: a mexicana Cinépolis. No ano passado, a americana não abriu nenhuma nova sala, enquanto a mexicana fez 22 lançamentos em sete complexos. A Cinépolis planeja ainda a inauguração de 49 salas em 2019, ano em que comemora 10 anos de presença local. Serão oito novos complexos e a expansão de dois já existentes. A Cinépolis opera 393 salas, em 52 pontos, e completará este ano a marca de R$ 800 milhões de investimentos no País.

A empresa conquistou essa posição privilegiada em menos de uma década, e enfrentando um mercado já tomado por diversas redes. “Quando chegamos, todos os grandes shopping centers de operação madura estavam ocupados. E o ciclo de maturação leva tempo”, diz Luiz Gonzaga de Luca, presidente da Cinépolis Brasil. “Tanto que, dos 30 cinemas com maior frequência de público no Brasil, apenas um é nosso, o do Itaquera, na Zona Leste de São Paulo. Mas temos uma rede boa e grande, que traz rentabilidade e de grande potencial.”

Luiz Gonzaga de Luca, presidente da Cinépolis: “O Brasil pode chegar a 190 milhões de espectadores em 2019. Será um ano excepcional de lançamento de filmes” (Crédito:Divulgação)

A companhia, líder na América Latina, já é a segunda do mercado brasileiro. Enquanto a Cinemark tem 26% de participação no mercado que faturou R$ 2,44 bilhões em bilheterias no ano passado, a Cinépolis atingiu fatia de 15%, o que garante cerca R$ 370 milhões com vendas de ingressos. Mas a receita é incrementada com os produtos oferecidos em suas bomboniéres, venda de publicidade na tela e aluguel das salas para eventos. O modelo de negócios inclui cinemas que incentivam maior consumo, com ofertas de refeições e até champanhe, além da tradicional combinação pipoca e refrigerante.

No Brasil, a rede foi pioneira nas salas luxuosas. No dia 27 de fevereiro, ela reabriu o seu complexo de referência, no shopping center JK Iguatemi, em São Paulo, que conta agora com quatro salas VIP, incluindo a primeira tela LED do País. Um ingresso para o sábado à noite chega a custar R$ 92. “Quando chegamos no Brasil, se falava que não haveria mercado para salas VIP”, diz o presidente. “Mesmo sem poder praticar o preço do JK Iguatemi no resto do território, encontramos mercado para salas desse tipo em Macapá, Natal, Uberlândia, Fortaleza e vamos abrir uma em Jundiaí este ano.”

Mas não é apenas para os cinemas de luxo que o principal-executivo da empresa espera um futuro promissor. Apesar da concorrência com o streaming e com outras atrações de entretenimento, como os festivais de música, ele vislumbra novos recordes de bilheteria. O mercado trabalha com a expectativa de voltar aos números 2016, com 184 milhões de espectadores. “Acredito que vamos superar isso e chegar a até 190 milhões”, diz. A justificativa são as produções com alto potencial de público previstas para este ano. A Disney lança versões live action de clássicos do desenho animado, como “Dumbo”, “Aladdin” e “O Rei Leão”. O superestúdio terá ainda, por meio do selo Pixar, o lançamento de “Toy Story 4”. Pela Marvel, o fim da terceira fase da saga de seus super-heróis acontecerá em “Vingadores: Ultimato”, e ainda haverá novos filmes do Homem-Aranha e X-Men. Em dezembro, também chega ao fim a nova trilogia da “Star Wars”, com o episódio IX.

Fora do mundo Disney, chega ainda às telas mais um episódio da série “Velozes e Furiosos”, e diversos filmes brasileiros de grande potencial, como a parte dois de “Nada a Perder”, sobre a vida do bispo Edir Macedo, a cinebiografia do empresário Eike Batista e a comédia “Minha Mãe é Uma Peça 3”. “É um ano excepcional, o melhor lineup em pelo menos uma década”, afirma o executivo. “Compensará a má programação de 2018, que ainda foi prejudicada pela greve dos caminhoneiros.” Na semana que ela começou, estava estreando o filme mais forte do ano, “Deadpool 2” e ainda estavam em cartaz “Os Incríveis 2”, “Solo” e “Jurassic World”. Estimo que o mercado tenha perdido 18 milhões de espectadores com isso.

Rumo ao interior

Se depender do Cinépolis mais brasileiros poderão aproveitar essa nova safra de blockbusters, já que a rede começou a chegar a cidade com cerca de 130 mil habitantes. Ourinhos (SP) e Sete Lagoas (MG) receberão os primeiros cinemas da rede, marcando a recuperação de regiões abandonadas pelo mercado cinematográfico nas últimas décadas. Nos anos de 1970 e 1980, cidades com esse tamanho tinham quatro ou cinco cinemas. Mas a violência e a degradação dos centros urbanos, junto com a chegada do home video, acabaram provocaram fechamento de salas em toda parte. O ponto mais baixo foi 1995, com 1.033 salas.

A expectativa, com os cinemas de shopping centers e em centros comerciais menores, é de números crescentes. “Nós só atingimos agora o número de cinemas que o País possuía quando tinha 90 milhões de habitantes”, afirma. “Temos 70 mil habitantes por sala e cinemas que levam 200 mil pessoas por ano. Só na Índia temos números assim.”

No México, são 40 mil habitantes por sala. Na Europa, fica em torno de 10 mil pessoas, e no EUA, oito mil. A demanda no Brasil ainda está muito reprimida. Ainda há muita gente disposta a sair de casa para se empolgar com blockbusters. Ou até mesmo para assistir à trajetória de Eike Batista.