Em nome da saúde pública, cientistas, médicos e fabricantes de cigarros travam uma batalha eloquente para convencer a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a regulamentar ou proibir, em definitivo, a produção, a importação e a venda de vaporizadores de nicotina e dispositivos de aquecimento de tabaco — mundialmente conhecidos como e-cigarretts. Na terça-feira 27, os protagonistas desse embate se reuniram em um hotel na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, para apresentarem suas armas na segunda audiência pública realizada pela Anvisa neste ano. “Sabemos que o cigarro faz mal.

É exatamente por isso que defendemos a regulamentação do cigarro eletrônico, que reduzem em até 95% dos danos à saúde dos fumantes, segundo evidências dos estudos independentes”, garantiu Fernando Vieira, diretor de assuntos corporativos da Philip Morris. “A nicotina é a droga lícita que mais mata no mundo. Com mais de 400 modelos de aparelhos para fumar no mercado, flexibilizar o consumo irá atrair jovens, manter fumantes no vício e convidar ex-fumantes a voltarem a consumir”, rebateu a pesquisadora do Instituto Nacional do Câncer, Liz Maria de Almeida. No Brasil, estima-se que pouco mais de 9% da população seja fumante. O número caiu cerca de 60% entre 1989 e 2018.

A guerra de argumentos ficou mais quente depois que o Food and Drugs Administration (FDA), agência americana de fiscalização de alimentos e remédios, notificou fabricantes dos cigarros eletrônicos a comprovarem sua capacidade de evitar o consumo entre os jovens, além de atestar que o produto não causa danos maiores do que o cigarro convencional. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) recebeu denúncias de que 153 pessoas sofreram danos pulmonares pelo uso dos eletrônicos e afirma precisar de mais estudos para determinar se o uso é seguro.

A indústria argumenta que esses danos têm sido potencializados pela restrição imposta às empresas, gerando um imenso mercado paralelo de produtos falsificados. “Tem muito ativismo envolvido em um debate que deveria ser estritamente técnico”, diz Analúcia Saraiva, diretora do departamento de estudos científicos da Souza Cruz, divisão brasileira da British American Tobacco (BAT). Segundo ela, o cigarro eletrônico não é produto isento de risco, mas é menos nocivo por não gerar a combustão do tabaco, cuja queima resulta em um processo químico que produz cerca de 7 mil substâncias tóxicas. “Há estudos muito sólidos em instituições como Health Canada e o Public Health of England, um dos mais avançados do mundo nesse tema”, afirma Analúcia.

Alerta: nos EUA, houve 153 denúncias de pessoas que sofreram danos pulmonares em virtude do uso de cigarros eletrônicos (Crédito:Divulgação)

No meio do tiroteio, a Anvisa adota posição de cautela. De acordo com o especialista em regulação e vigilância sanitária da Gerência de Tabaco da Anvisa, André Luiz Silva, a agência seguirá a tramite normal até dezembro, que está prevista a divulgação de alguma deliberação sobre os cigarros. “Existem argumentos muito convincentes dos dois lados. Precisamos, com o pé no chão, avaliar todos os prós e contras da regulamentação dos dispositivos eletrônicos”, afirmou Silva.

SAÚDE DO SETOR Um dos maiores problemas é que, embora seja proibido no Brasil, os cigarros eletrônicos estão disponíveis, com fartura, em sites de comércio eletrônico, lojas especializadas e vendedores ambulantes. Durante um discurso inflamado em defesa da liberação dos dispositivos, o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci Junior, tirou do bolso um cigarro eletrônico comprado no Mercado Livre. Para testar o nível de fiscalização ao produto, ele declarou ter apenas 6 anos de idade no site da empresa que comercializa. “A proibição é uma grande hipocrisia das autoridades e um crime à saúde pública, já que apenas os falsificadores e contrabandistas podem vender seus produtos livremente. Muitos deles elaboram o fluído a base de nicotina em suas próprias cozinhas”, disse Solmucci.

A liberação do cigarro eletrônico é vista como fundamental para a saúde das empresas do setor. O consumo vem caindo ano a ano, com a ampliação das campanhas antitabagistas e a crescente busca da população por hábitos mais saudáveis.
Em 1989, 34,8% da população brasileria adulta era tabagista, segundo a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição. Em 2016, o número caiu para 10,2%, menor do que em países como Estados Unidos (16,2%) e França (23,6%). Hoje, está em 9,3%. “Nosso objetivo não é incentivar o tabagismo, mas oferecer aos consumidores adultos uma alternativa menos danosa que os cigarros tradicionais”, disse o presidente da Souza Cruz, Liel Miranda. “Por isso, defendemos que a Anvisa reavalie as normas regulatórias com o que há de mais moderno no mundo.”


Gigantes do tabaco negociam fusão

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Maior empresa de tabaco do mundo, a Philip Morris International (foto) confirmou estar em negociações com a rival Altria Group sobre uma possível “fusão de iguais”. A união das empresas dependerá da aprovação das diretorias e dos acionistas das duas companhias, assim como dos órgãos reguladores. Caso a transação obtenha aval de todas as partes, será criada uma gigante de cigarros de mais de US$ 200 bilhões de faturamento. A informação foi divulgada na terça-feira 27, em comunicado da própria Philip Morris. A companhia é dona de marcas como Marlboro em mais de 180 países. A Altria atua apenas nos Estados Unidos.

A indústria do tabaco está mudando rapidamente com a queda da venda de cigarros, o que levou as empresas a buscarem novas vias de crescimento, caso dos eletrônicos. O anúncio da movimentação ocorre em um momento delicado para a Philip Morris, que no último mês viu suas ações caírem 16% devido a notícias alarmantes sobre os efeitos dos cigarros eletrônicos para a saúde. De arco com reportagem da agência EFE, a estratégia comercial da gigante avaliada em R$ 120 bilhões é conseguir “um futuro livre de fumaça”, ou seja, liderar uma transformação na indústria do tabaco para substituir os cigarros tradicionais por produtos como os cigarros eletrônicos e outros dispositivos tecnológicos de consumo de nicotina e outras substâncias.