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São 11 horas da noite da quarta-feira 4 e o deputado José Genoino, tipicamente, ainda está a mil por hora, embora tenha saído da cama às 6 da manhã. Na edícula-escritório da sua casa ? um sobrado de classe média no bairro do Butantã, em São Paulo, onde vive há 20 anos com a mulher e os dois filhos ? ele folheia a coleção encadernada de jornais que registra seu passado político mais remoto: o jovem líder estudantil no Ceará, o guerrilheiro algemado no Araguaia, o professor recém-libertado da prisão que ensaia os primeiros passos na vida pública, no final dos anos 70. O entusiasmo é visível e a emoção está à flor da pele. ?Eu não tenho currículo nem prontuário. Tenho biografia?, diz o candidato do PT ao governo de São Paulo. ?Sempre arrisquei tudo nas coisas em que acreditei. Quando jovem joguei minha vida na revolução. Depois fui vaiado por empurrar o PT para o centro do espectro político. Agora acredito que chegou a hora de a esquerda democrática disputar o poder e estou aqui, pondo a cara para bater.? Aos 56 anos, o cearense de Quixeramobim tem pela frente uma eleição duríssima. Saiu de 2% das preferências eleitorais no início da campanha e conseguiu na semana passada algo entre 13% e 16%, a depender do instituto de pesquisa que se escute. Enfrenta o governador em exercício do Estado e um candidato ? Paulo Maluf, do PPB ? que é uma espécie de obsessão do eleitorado paulista. Mas a despeito das dificuldades, Genoino vai subindo à média de 2 pontos porcentuais por mês. Está em terceiro, mas existe uma chance real de que ele chegue ao segundo turno da eleição. Suas armas? Um pacote de idéias para estimular o desenvolvimento, carisma pessoal e uma visão do governo centrada na liderança. ?O Alckmin não age, não lidera. Ele faz um governo virtual?, inflama-se o deputado federal mais votado do Brasil em 1998. ?São Paulo precisa ter no governo alguém com iniciativa e visão de futuro. Nos últimos anos o Estado perdeu empresas, empregos e espaço na Federação. Isso tem de mudar.

Não tem sido difícil para Genoino juntar pedras contra a administração do PSDB no terreno econômico, a começar pela questão dos pedágios. Sob a tutela do atual governo, as praças de pedágio paulista multiplicaram-se de 25 em 1995 para 92 em 2002, enquanto as tarifas aumentaram 428%. Um caminhão de três eixos que fosse de São Paulo a Araçatuba no início do governo do PSDB pagaria R$ 45 em três praças de pedágio. Hoje paga R$ 232 em oito pedágios, num trecho de apenas 528 quilômetros. ?O preço dos pedágios chegou a um ponto que está tornando o transporte rodoviário inviável?, queixa-se Carlos Breda, diretor do sindicato das empresas de transporte de carga. Genoino tem lembrado que Alckmin era coordenador da comissão que autorizou a multiplicação dos pedágios e a venda de estatais paulistas. ?Ele foi o gerentão das privatizações?, acusa. Se no interior do Estado os pedágios e os presídios catalisam a irritação com o governo, na Capital a evasão de empresas e o desemprego são o grande problema. São 1,6 milhão de pessoas sem trabalho na Grande São Paulo, contra 1,08 milhão em 1995. O índice de desemprego na região saltou de 13,2% da população economicamente ativa para os atuais 19,4%. Por trás disso, há o terrível fenômeno de fuga de empresas. A participação de São Paulo no PIB nacional caiu de 37% em 1990 para 33% em 2001. O Estado, segundo o IBGE, perdeu quase 18% da sua indústria automobilística, 12% da fabricação de máquinas e equipamentos e 5% da indústria de plásticos, para ficar em apenas três exemplos. É natural que diante desse quadro de crise mesmo os eleitores refratários ao PT dêem ouvidos às propostas de mudança. ?O Genoino é muito inteligente?, afirma Alencar Burti, presidente da Associação Comercial de São Paulo. ?Ele já foi radical, mas evoluiu muito, e para melhor.?

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?Os eleitores indecisos parecem estar se inclinando por Genoino?, constata o consultor político Gaudêncio Torquato. Há mudança também na receptividade empresarial à candidatura petista. Dias atrás, quando falou a um auditório lotado na Fiesp, Genoino foi saudado com uma bandeira branca. ?As desconfianças entre a Fiesp e o PT ficaram no passado?, disse o presidente da entidade, Horácio Piva. ?Os industriais passaram a confiar nas propostas do PT.? A esse tipo de audiência, Genoino tem oferecido um diagnóstico simples sobre São Paulo ? a falta de liderança e visão levou ao esvaziamento econômico do Estado ? e um receituário para reverter a situação. ?O governo tem de ser o articulador e o indutor do desenvolvimento econômico?, diz ele. O pacote de crescimento do petista baseia-se no aproveitamento das vantagens competitivas de São Paulo. O Estado é um centro natural de tecnologia e inovação e ele quer maximizar essas potencialidades com a criação de pólos tecnológicos. Da mesma forma, o Estado responde por mais da metade das exportações do País e precisa ter sua própria política de fomento e apoio. ?São Paulo é o único Estado que tem cacife para ter uma política de desenvolvimento autônoma?, afirma. Para além disso, defende que se jogue o peso econômico e político de São Paulo nas negociações com a Federação. O PSDB, diz ele, abaixou a cabeça e permitiu que os interesses do governo federal prevalecessem sobre as necessidades da economia paulista na renegociação da dívida e na venda do Banespa. ?Faltou liderança e firmeza?, insiste o candidato. Nos próximos dias, essa mensagem será repetida nas cidades do interior do Estado e na periferia da Capital, onde Genoino vai estar em companhia, respectivamente, de Lula e da prefeita Marta Suplicy. Esse corpo a corpo, somado aos 13 minutos semanais de que dispõe na tevê e no rádio, são a grande aposta do candidato do PT para crescer 10% nos próximos 30 dias e chegar ao segundo turno da eleição. Parece difícil? Não para quem veio de tão longe, não para quem já mudou tanto, não para quem enfrentou tantas dificuldades. Certamente não para Genoino.

“São Paulo perdeu poder econômico”
Petista aponta queda do Estado no PIB nacional

Cláudia Bredarioli

O peso da máquina do Estado está sendo sentido nesta eleição?
Muito. Há mais de um ano que o governo faz visitas e inaugurações usando helicópteros e aviõezinhos do Estado. Não é fácil o que esses secretários têm viajado para fazer pirotecnia eleitoral. Certas coisas, como o cerco aos traficantes no pedágio da Rodovia Castello Branco, não passam de ações espetaculosas. Tudo isso tem sido feito com finalidade eleitoral, usando o aparato do Estado.
Afinal, o candidato Geraldo Alckmin está no governo
há um ano e meio ou há oito anos?
Depende. Quando interessa, diz que está há oito anos do poder. Quando o assunto desgasta, como segurança, diz que é governador há um ano e meio. A gente não sabe se ele é o Alckmin ou é o Geraldo. Mas, com qualquer nome, ele é governo desde 1994. Era do núcleo do governo Mário Covas e foi o gerentão das privatizações. Pedágios, energia elétrica, Banespa, Ceagesp, Comgás: ele foi o condutor de todas essas privatizações. Passou tudo por ele, que era o coordenador da comissão do Plano Estadual de Desestatização, o PED. Ele foi o chefe disso tudo, o co-responsável inclusive pelo desemprego de mais de 3,7 milhões de pessoas em São Paulo. Hoje, o Estado registra a maior taxa de desemprego dos últimos dez anos.

Como o senhor avalia
este governo?
Em seus oito anos, o PSDB fez um governo fraco, sem iniciativa, omisso. Foi um governo medíocre. E desde que o Alckmin assumiu, só piorou. Alckmin nasceu para vice. Ele não tomou iniciativa alguma. São Paulo perdeu seu poder econômico e seu poder político. A liderança, o papel articulador e indutor do desenvolvimento econômico desapareceram. É um governo passivo, que só age depois que o pior acontece. Hoje, São Paulo está num impasse porque nos últimos oito anos não houve desenvolvimento da atividade produtiva. São Paulo é o único Estado que teria cacife para sustentar uma política de desenvolvimento relativamente autônoma. O Estado responde por 50% das exportações do País, mas não tem uma agência de fomento às exportações. Veja a Embraer, que está passando por uma disputa internacional. Ela fica em São Paulo, mas o governador não faz nada: não se reúne com o ministro da Defesa, não fala com o comandante da Aeronáutica e nem pede audiência ao presidente da República para defender os interesses da Embraer numa licitação de US$ 700 milhões. É um governo fraco, que não tem iniciativa. O Alckmin está escondido atrás da imagem maquiada de saneador do Estado, mas tirando essa maquiagem sobra apenas uma pessoa de bons modos, sem liderança política à altura de um Estado como São Paulo. Ele só sabe reagir quando acontece uma tragédia, um seqüestro, uma rebelião ou uma morte de prefeito.

Mas pelo menos o Estado está saneado…
É o contrário! O PSDB hipotecou o futuro de São Paulo. O governo comprometeu completamente o orçamento com a negociação da dívida interna. São Paulo arcou com o ônus de sustentar o modelo econômico do governo Fernando Henrique. Tínhamos uma dívida consolidada de R$ 35 bilhões que hoje é de R$ 94 bilhões. Veja que absurdo! No processo de federalização da dívida, São Paulo perdeu instrumentos de governabilidade como o controle da Ceagesp e dos aeroportos de Congonhas e do Campo de Marte. O valor real da venda do Banespa não foi abatido dessa dívida, como o edital de privatização previa. Só nesse episódio do Banespa o Estado perdeu R$ 4,97 bilhões. Isso é coisa de um governo fraco, que baixou a cabeça para o governo federal.

E o dinheiro das privatizações? Ele não foi usado
para reduzir a dívida?
O governo arrecadou R$ 32 bilhões mas eles foram queimados para pagar juros, exatamente como ocorreu no governo federal. É o mesmo modelo dos tucanos federais, e ele acabou com a capacidade de investimento do Estado de São Paulo.

Então, quem se eleger recebe um Estado algemado?
No primeiro ano, sim. Temos um orçamento comprometido, porque a crise está diminuindo a arrecadação do ICMS. O primeiro ano do governo tem de ser de ações políticas para recuperar o crescimento econômico, mais do que ações de gastos. Temos de articular pontas importantes que hoje estão desconectadas. O governo do Estado tem um poder de dinamização econômica que não custa nada e não está sendo usado. Um exemplo: se a Embraer ganhar a licitação da Aeronáutica, vai haver um pólo aeronáutico na região de Araraquara e São Paulo. Isso não custa nada. Às vezes custa o telefonema do governador. Por que a LG está saindo de Taubaté para a Zona Franca e o governador não fala nada?

Para retomar o crescimento será preciso recorrer
à guerra fiscal?
A guerra fiscal será a última instância de uma série de propostas para evitar a saída de empresas do Estado. Temos de enfatizar que São Paulo é o Estado mais atrativo do Brasil, tanto do ponto de vista de localização logística como de desenvolvimento tecnológico. Poderemos ainda tentar acordos para redução de alíquota do ICMS vinculados à redução da sonegação. O Estado precisa ter sua própria proposta para contribuir com a reforma tributária do País. Uma opção para incentivar a fixação de empresas e o desenvolvimento seria regionalizar as compras públicas, que significam gastos em torno de R$ 10 bilhões. Isso pode ser feito em vários setores. Se tudo isso não der certo, temos de entrar na guerra fiscal defendendo os interesses de São Paulo.

Se é simples assim, por que o governo não fez?
Falta liderança, falta visão de futuro. O governador tem de ser um indutor da iniciativa privada, mas o Alckmin só cuidou bem de pedágio, de concessão de estradas, de energia e de bancos. Ele não cuidou da produção. Os contratos de concessão de estradas são absurdos. Foram feitos pela ótica fiscal: eu preciso de dinheiro, vou conceder a estrada, a concessionária repassa o dinheiro. Contrariou-se o princípio universal das concessões de estradas, que exige contrapartidas. As concessionárias teriam de melhorar as estradas que levam gente ao pedágio e isso não está sendo feito. As concessionárias receberam um maná e quem negociou essa caixa-preta foi o Geraldo Alckmin.

Dá para rever esses contratos?
Tem muita coisa para ser revista. A concessão das estradas é uma. É preciso diminuir o número e rever a localização dos pedágios. Nós vamos chamar as empresas e conversar. Se for preciso, a gente entra na Justiça. A lei determina que a distância mínima do pedágio seja de 35 quilômetros do marco zero, mas há vários deles fora da bitola legal. As três empresas que controlam esse negócio montam os pedágios próximos ao entroncamento de rodovias e das saídas das grandes cidades. Limeira está cercada de pedágios, como toda a região de Campinas e Americana. A Cutrale me mostrou documentos provando que pagou R$ 18 milhões de pedágio para exportar suco de laranja. Cada tonelada de soja paga R$ 50 de pedágio. Isso não é custo Brasil, é custo São Paulo que aumentou com o Alckmin. Aliás, quando teve o apagão, ele ficou calado, mas foi ele quem privatizou a CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz) e a Eletropaulo.

Como esta gestão se refletiu na participação do Estado
na economia do País?
A participação de São Paulo no PIB nacional era de 37% em 1990 e caiu para 33,5% em 2001. É terrível. Isso representa perda acumulada de R$ 147 bilhões, ou cerca de R$ 21 bilhões por ano. Eu não tenho dúvida de que o pior aspecto desse governo foi o abandono da atividade produtiva. O índice de ociosidade na indústria está em torno de 40% e São Paulo perdeu muitas empresas. Isso tem de mudar.