Uma semana antes de sair do Peru, anunciar em Tóquio sua renúncia à presidência do país e, na terça-feira, 21, ter seu mandato cassado pelo Congresso por ?incapacidade moral permanente?, Alberto Fujimori completou uma polêmica operação triangular de pagamentos a empresas endividadas com o governo, entre as quais empreiteiras brasileiras, nunca vista na história do país. Por decreto, ?El Chino?, como ele é conhecido, autorizou a retirada de US$ 53 milhões do estatal Banco de la Nación para serem depositados no privado Banco de Crédito do Peru. Ali, orientados por reuniões que se sucederam nos últimos dois meses, representantes de companhias com pagamentos a receber do Ministério dos Transportes levantaram empréstimos a serem liquidados em seis meses sob garantias por escrito de que o governo peruano assumiria o pagamento pelo principal e os juros da operação. ?Foi realmente uma operação complicada?, reconheceu à DINHEIRO o gerente-geral em Lima da empreiteira brasileira Queiroz Galvão, Aloysio Reis, que por meio da triangulação levantou um dos maiores empréstimos do lote de endividadas, US$ 10 milhões, a título de pagamentos atrasados pela construção de quatro estradas no país. Para a construtora Norberto Odebrecht, com duas obras em andamento, pela mesma via foram saldados cerca de US$ 1,5 milhão. ?Foi inusual, nunca o governo pagou desse modo?, disse o diretor da Odebrecht em Lima, Jairo Flor. ?Não teremos de pagar pelo empréstimo. Nem conhecemos a taxa de juros cobrada pelo banco privado. O governo não abriu para nós.?

A triangulação foi cercada por pareceres jurídicos favoráveis, mas encerra uma suspeitíssima coincidência. Assim que o dinheiro do banco estatal foi transferido para o banco privado, na primeira operação de grande porte depois de sete meses de caixa apertado, em razão de exigências do Fundo Monetário Internacional, Fujimori iniciou a cena final de seu tumultuado terceiro mandato presidencial. Saiu do país sem a companhia de nenhum ministro, sob o pretexto de ir a uma reunião econômica em Brunei. De lá, embarcou para Tóquio, onde nasceram seus pais e ele pôde reivindicar cidadania e permanência. Chegou na sexta-feira, 17, e escolheu o domingo para, no hotel New Otani, um dos mais luxuosos da cidade, anunciar que renunciaria em 48 horas e não tinha planos de retorno. O comunicado sacudiu o país, colocou em estado de alerta governos do mundo inteiro, com receio de golpe militar ou descontrole institucional, e movimentou o Congresso. Os políticos agiram com raiva e rapidez. Na terça-feira, 21, Fujimori foi cassado com humilhação e, na manhã seguinte, o presidente da casa, Valentín Paniagua, assumia a presidência sob a condição de convocar eleições em 8 de abril e empossar o sucessor em 28 de julho de 2001. Era o fim de dez anos de poder marcados pelo espalhafato. Fujimori teve duas reeleições, a última, em maio deste ano, contestada por observadores internacionais. Chefiou uma operação espetacular no resgate a diplomatas seqüestrados na embaixada do Japão, em 1997, e teve o fim apressado pelo flagrante ao ex-chefe do serviço de espionagem Vladimiro Montesinos, na tentativa de corromper um deputado. ?Até as eleições, o Peru vai esquecer a economia e pensar só em política?, calcula o conselheiro comercial da embaixada do Brasil em Lima, Orlando Tiponi.

 

Fujimori, mesmo ausente, vai continuar no centro da cena. Após a cassação, ele sumiu em Tóquio e até a quinta, 23, não se sabia onde ele estava. No Peru, o congresso montou uma comissão para investigar seus atos, sob suspeita de corrupção. Os pagamentos feitos na inédita operação triangular antes da escapada do país podem entrar nesse balaio. Com cinco anos de trabalho no país para a empreiteira Queiroz Galvão, o gerente-geral Reis não confirma nem desconfirma o pagamento de propinas na relação com o governo de Fujimori. ?Não posso falar sobre isso, só digo que este é um típico país sul-americano?, disse ele à DINHEIRO por telefone. No Brasil dos tempos da ditadura militar, costumava-se estipular em 10% a taxa de comissão cobrada por funcionários públicos para a liberação de gordos pagamentos a fornecedoras do governo. Nessa medida, Fujimori poderia contar, na sua última tacada, US$ 5,3 milhões.