O economista Sergio Albarelli, principal executivo da gestora de recursos independente italiana Azimut, acumula mais de três décadas de experiência no mercado financeiro. Porém, essa trajetória não garante que seus dias sejam previsíveis. “Estamos o tempo todo à espera da próxima crise, ou da próxima mudança tecnológica que pode ser destruidora para toda uma indústria, inclusive a nossa”, diz ele. Albarelli chefia uma empresa com o equivalente a R$ 200 bilhões sob administração e escritórios em 13 países fora da Itália. Ele diz que a queda estrutural das taxas de juros nos Estados Unidos e na Europa, aliada ao aumento da expectativa de vida, obrigam os investidores a correr cada vez mais riscos. As consequências, diz ele, são imprevisíveis e os especialistas no mercado financeiro têm estado à espera do catalisador de uma grande queda nos preços das ações, especialmente nos Estados Unidos. Em uma rápida visita aos escritórios no Brasil, onde a Azimut administra R$ 16 bilhões, Albarelli conversou com a DINHEIRO. A seguir, os principais trechos da entrevista:

DINHEIRO – O mundo desenvolvido viveu, durante muito tempo, um ambiente de juros estruturalmente muito baixos. Agora as taxas começaram a subir nos Estados Unidos. Como o sr. avalia esse movimento?

SERGIO ALBARELLI – Os juros já estão subindo nos EUA e devem começar a aumentar na Europa em breve. Isso terá um impacto muito diferente dependendo do mercado. O cenário não é simples. A grande questão é se essa alta dos juros veio para ficar ou se ela vai ser breve. Algumas pessoas acreditam que pode haver uma recessão em 2019 ou em 2020 e recessão quer dizer juros baixos por mais tempo.

DINHEIRO – E qual a sua avaliação? Quanto tempo o sr. acha que os juros vão permanecer baixos?

ALBARELLI – O fator mais importante a ser analisado é a duração do crescimento econômico nos Estados Unidos. Em seguida, o crescimento das principais economias e do resto do mundo. A economia americana está em um momento muito pujante, o crescimento é importante, mas há alguns sinais de desaceleração. A questão é: será que o crescimento de quase 3% ao longo dos últimos quatro trimestres é sustentável no longo prazo? Provavelmente, não.

DINHEIRO – Qual seriam as consequências de uma redução no ritmo?

ALBARELLI – Se a economia dos Estados Unidos começar a desacelerar, não será possível que outras economias, como China e Europa, sejam capazes de manter, sozinhas, o crescimento econômico mundial aquecido. Na própria Europa, há diferenças profundas entre os países. Há algumas economias que estão crescendo bastante e de forma sustentável, como a Alemanha, por exemplo. E outras só agora estão se recuperando da crise que sofreram há dez anos. A Espanha está crescendo depressa, a Itália está indo mais devagar que a Espanha. Não há uma uniformidade e isso desacelera o processo.

DINHEIRO – O sr. acha que o ambiente atualmente está mais arriscado do que estava no passado?

ALBARELLI – Sim. Essa mudança foi recente. Há alguns meses você olhava os terminais de preços e tudo estava no azul, tudo dava lucro e tudo era fantástico. De repente, começou a incerteza. O cenário mundial está mais arriscado. O risco de alta dos juros nos Estados Unidos e na Europa, sem falar nas disputas comerciais. O risco aumentou e todos estão à espera do que pode ser o catalisador da próxima grande queda do mercado acionário.

DINHEIRO – Qual sua aposta?

ALBARELLI – Se houver mesmo uma grande correção, o que pode servir como catalisador é um aumento exagerado do endividamento das empresas e das pessoas. Se houver dúvidas de que essas dívidas serão pagas, isso poderá deflagrar uma crise.

DINHEIRO – Como isso afeta os bancos? Mesmo gigantes como o Deutsche Bank estão com problemas. O sr. acredita que é possível haver uma nova crise bancária?

ALBARELLI – A resposta não é exata. Se formos começar a falar de bancos, temos de falar de política. Porque banco é política. Uma coisa é falar da sustentabilidade bancária, dos níveis de liquidez, de quanto o banco tem de manter em caixa para garantir sua solvência. Mas os problemas dos bancos vão além de aplicar algumas regras aritméticas e contábeis. É uma questão de saber se o banco é importante para o sistema. O setor bancário europeu, hoje, está mais perto de se recuperar do que estava há alguns anos, mas a economia ainda não está tão forte, globalmente, quanto achávamos que ela estaria nesta altura. Alguns bancos ainda estão com problemas. Não por acaso, os governos estão prestando muito mais atenção do que antes à governança e às práticas bancárias.

“O risco aumentou e todos estão à espera do que pode ser o catalisador da próxima grande queda do mercado acionário”Encontro de líderes do G7: guerra comercial eleva risco global (Crédito:AFP Photo and Pool/John MacDougall)

DINHEIRO – Qual será o impacto sobre os investimentos?

ALBARELLI – Depende do país e do cliente. Por exemplo, se observarmos o que ocorre na Europa Continental, veremos que o impacto dos juros baixos na Zona do Euro é imenso. Nesses países, algo entre 60% e 70% das aplicações são de renda fixa. As pessoas que investiram em títulos de renda fixa nos últimos dez anos ganharam muito dinheiro, porque os juros caíram e o investidor lucrou com a valorização dos papéis. Como você sabe, o preço de um papel sobe se os juros caem. Agora, o cenário se inverteu. A rentabilidade que esses investidores vêm recebendo nos últimos anos é perto de zero. O interessante é que eles continuam investindo em renda fixa, apesar de os juros estarem negativos em boa parte da Europa. Por quê? Aversão ao risco. Eles não migram para aplicações mais arriscadas, mesmo que a rentabilidade de seus portfólios sofra com os juros baixos. Ao contrário, eles ficam onde estão.

DINHEIRO – Isso ocorre na Europa. E nos Estados Unidos?

ALBARELLI – A situação nos Estados Unidos e no Reino Unido é exatamente o oposto. Nesses países, as aplicações em renda fixa representam apenas um terço, em média, do portfólio dos investidores. O restante está aplicado em renda variável. No Reino Unido, os clientes são mais sofisticados dos que os da Europa continental. Os clientes britânicos conhecem muito mais produtos, estão expostos a muito mais mercados. O papel da mídia é fundamental. A primeira tentativa do investidor que quer diversificar seu portfólio é consultar a internet. Lá há muita informação, mas é arriscado querer aprender pela internet, porque a qualidade dessa informação é discutível. Por isso, os profissionais de mídia ajudam muito a educar os investidores.

DINHEIRO – Como o sr. vê o cenário dos investimentos no Brasil?

ALBARELLI – Os juros brasileiros caíram muito nos últimos meses. Com isso, nós vimos um aumento do interesse pelos investimentos em ações, multimercados, ativos internacionais e outras aplicações não-tradicionais. Alguns querem mais exposição a fundos long-short, que ganham explorando diferenças de comportamento entre ações, ou fundos macro, que exploram alterações nos juros e no câmbio, e assim por diante.

DINHEIRO – Qual foi o comportamento dos investidores dos países desenvolvidos quando os juros começaram a cair? Um movimento semelhante pode ocorrer no Brasil?

ALBARELLI – Vimos, ao longo dos últimos dois anos, que os investimentos em renda fixa já não resolvem as necessidades de rendimento dos clientes, tanto institucionais quanto individuais. Se você quer proteger seu patrimônio da inflação no longo prazo, deixar seu dinheiro no banco não é suficiente em um ambiente de juros em queda. Você tem de correr mais riscos, tem de comprar ações, investir em estratégias long short e em ativos mais sofisticados e voláteis. Então, o que observamos foi uma mudança nas aplicações. Os investimentos migraram dos títulos públicos para os títulos de renda fixa de empresas privados. Depois eles foram para ativos de alto risco, os chamados papéis high yield. Posteriormente, os híbridos, títulos de renda fixa que têm algum vínculo com ações. Em seguida, mercados internacionais. Finalmente, os ativos ilíquidos. Movimentos semelhantes podem ocorrer no Brasil, dependendo da duração do período de juros baixos e dos produtos de investimento à disposição dos clientes.

“A aposentadoria vai mudar devido ao envelhecimento da população. O sistema me cobra, mas eu não tenho certeza que ele vai me pagar”Aposentados na Itália: longevidade crescente (Crédito:Divulgação)

DINHEIRO – Tudo isso representa um crescimento do risco sistêmico?

ALBARELLI – Sem dúvida. O mercado como um todo está ficando grande demais. Há dinheiro chegando dos investidores de classe média, que está crescendo, especialmente na Ásia. E o ambiente está mais volátil devido às mudanças na tecnologia. Boa parte do nosso trabalho é ficar observando continuamente o que está ocorrendo, tentando prever quais podem ser as novas ameaças aos negócios em que investimos. Estamos o tempo todo à espera da próxima crise, ou da próxima mudança tecnológica que pode ser destruidora para toda uma indústria, inclusive a nossa. E há a mudança demográfica, que tem um impacto enorme.

DINHEIRO – O sr. se refere ao envelhecimento da população?

ALBARELLI – Sim. O cliente está prestando mais atenção na rentabilidade, porque o custo de vida vem crescendo, a expectativa de vida aumentou, e isso tem um impacto sobre o estilo de vida das pessoas. Veja o exemplo da Itália. Antes do euro, quando os juros eram de dois dígitos, o costume era tirar férias duas vezes por ano. Agora, as pessoas tiram apenas uma semana de férias por ano. A aposentadoria vai mudar devido ao envelhecimento da população. O sistema previdenciário me cobra, mas não tenho certeza que vai me pagar. Veja o meu caso: pela lei italiana, eu só posso me aposentar aos 68 anos de idade. Quando eu comecei a trabalhar, nos anos 1980, a idade mínima era de 62 anos. E acho que, quando eu chegar aos 68, terei de trabalhar mais tempo, porque as regras terão mudado novamente. Isso é inevitável, é demografia. Eu me considero um benfeitor do sistema. Estou pagando, mas é bem possível que eu não receba nada em troca.