Pão pode ser branco ou preto, mas caviar tem de ser negro. Mais precisamente, caviar de verdade, dizem os iranianos, tem de vir das bordas do Mar Cáspio, onde se concentram 90% dos esturjões do planeta. É das ovas desse grande peixe pré-histórico que se faz a delícia gastronômica mais apreciada do mundo. E também a mais rara. Tão rara e tão frágil que se teme pela sua sobrevivência. Nos últimos anos a produção de caviar do Mar Cáspio tem sido ameaçada por vários fatores e isso tem ajudado o preço a disparar. Mesmo no Irã, o maior produtor depois da Rússia, comprar caviar tornou-se um exercício em largueza econômica. Uma latinha de 50 gramas do beluga, o melhor caviar do mundo, não sai por menos de US$ 97 no free-shop do aeroporto de Teerã. E ao contrário do que acontece na Rússia, onde grassa o produto contrabandeado, no Irã não se vê caviar à venda nas esquinas. O pistache, outra famosa especiaria local, pode ser comprado na porta das mesquitas por menos de um dólar o quilo. Já o caviar é monopólio do Estado e a comercialização é punida com rigor ? no caso do Irã, onde vigora a lei islâmica, a sharía, rigor é sinônimo de chibata e cadeia.

 

O Irã produz cerca de 70 toneladas de caviar por ano, quase tudo para exportação. Entre 1979 e 1982 a pesca e a comercialização foram banidas porque o caviar estava associado aos excessos da monarquia Pahlevi e era considerado antiislâmico. Foi preciso que um mulá encontrasse escamas nos esturjões para que o caviar
voltasse a ser considerado ?puro?. Além de Irã e Rússia, os outros produtores de caviar negro são as novas repúblicas cáspias que resultaram de explosão da antiga União Soviética ? Azerbaijão, Turquestão e Kazaquistão. Os esturjões são abatidos quando
sobem os rios que margeiam o Cáspio à procura de locais
para a sua desova anual e nas últimas décadas cresceu muito a poluição nos rios russos ? ao mesmo tempo em que se perdeu o controle sobre a pesca de esturjões nas novas repúblicas. Elas
estão famintas por moeda forte e o caviar é uma fonte rápida de divisas. Teme-se agora que a soma da sujeira industrial e do abate indiscriminado leve à extinção das fábricas vivas de caviar. Os esturjões beluga que antes eram apanhados com 450 quilos hoje raramente passam de 100 quilos. Do ponto de vista do luxo e da excelência gastronômica, o desaparecimento do caviar do Cáspio seria desastroso. Desde o século 17, quando foi introduzido na corte russa por Pedro o Grande, o caviar tem constituído um elemento essencial da arquitetura culinária de alta classe. É caro, é raro, é delicioso. E não tem substituto.