O Grupo Daimler, com um faturamento global de € 167.4 bilhões, aposta em carros tecnológicos como o novo Mercedes-Benz Classe A, equipado com um sistema de Inteligência Artificial que interage com o motorista. Para o alemão Holger Marquardt, isso é só o começo de uma nova era

O diretor de marketing e vendas de automóveis da Mercedes-Benz para a América Latina e Caribe define o carro do futuro como um “celular sobre rodas”. Mas não só. Ele será também mais seguro e menos dependente de combustíveis fósseis. Até 2025, 35% do portfólio global da marca deverá ser de carros elétricos e híbridos. Esse número, porém, não deve incluir a produção do Brasil. Apesar de a fábrica de Iracemápolis (SP) ter flexibilidade para a produção de diferentes modelos, a Mercedes não demonstra a intenção de fabricar esse tipo de veículo em território nacional. A confiança na retomada da economia, porém, é patente nos 20 lançamentos para o mercado brasileiro apenas neste ano. Na entrevista a seguir, Marquardt fala sobre a fábrica do Brasil e os novos desafios das montadoras frente a mudanças de comportamento global em relação à mobilidade.

DINHEIRO – A Mercedes-Benz começou a fabricar carros no Brasil em 1999, mas a operação não vingou. O que o faz acreditar que agora vai dar certo?

HOLGER MARQUARDT – A fábrica em Juiz de Fora (MG) teve uma operação de seis anos (entre 1999 a 2005) e vendemos na época apenas um modelo, o Classe A, com duas versões de motorizações: 160 e 190. Foram mais de 63 mil unidades vendidas. Era um veículo à frente do seu tempo com itens de série de segurança e tecnologia que somente hoje estão disponíveis no mercado brasileiro. Com respeito à fábrica de Iracemápolis (SP), temos agora um modelo de produção flexível e de alta qualidade, capaz de atender as demandas do mercado local. A flexibilidade da fábrica de Iracemápolis nos permite produzir diferentes produtos, assim como o Classe C com tração traseira e o GLA que possui tração dianteira, por exemplo. Isso mostra o quão versátil é a nova planta.

DINHEIRO – Quantos carros já foram produzidos na fábrica de Iracemápolis?

MARQUARDT – Nesses quatro anos de operação foram mais de 20 mil automóveis produzidos em território nacional. E vale ressaltar que a fábrica é um investimento de longo prazo e tem papel fundamental para a estratégia global da Daimler para 2020. Produzimos cinco versões de motores do GLA e quatro do Classe C, o veículo premium mais vendido no País.

DINHEIRO – Há previsão de novos modelos e versões para o Brasil?

MARQUARDT – A Mercedes-Benz não tem essa pretensão no momento, mas se enxergarmos essa oportunidade no futuro, de acordo com a demanda do público local, a fábrica de Iracemápolis possui estrutura para isso. O Classe C e o GLA são nossos dois modelos mais vendidos no País e foram responsáveis pelo nosso segundo ano consecutivo na liderança de vendas no mercado premium, com 12,1 mil unidades vendidas e market share de 38%.

“O Rota 2030 traz a previsibilidade necessária para que estratégias e investimentos sejam bem planejados” – O Congresso Nacional na aprovação do programa que prevê incentivos às montadoras para investir em pesquisa e eletrificação (Crédito:Divulgação)

DINHEIRO – No final do ano passado o Congresso Nacional aprovou o Rota 2030, muito esperado pela indústria automobilística. Como o senhor avalia essa aprovação?

MARQUARDT – Eu vejo com muito otimismo. O Rota 2030 traz a previsibilidade necessária para que estratégias e investimentos sejam planejados adequadamente. Esse conjunto de medidas prevê uma nova frente de desenvolvimento da indústria no País, seja em pesquisa e desenvolvimento, eletrificação ou no processo produtivo possibilitado pelo programa.

DINHEIRO – Qual a expectativa do Grupo Daimler em relação novo governo?

MARQUARDT – Eu acredito no potencial do mercado brasileiro, independentemente de quem esteja no comando do País. Compartilho a ideia de que as reformas estruturais, como as previdenciárias e tributárias, são fundamentais para que o Brasil esteja no caminho certo para um crescimento sustentável e acreditamos que a estabilidade política influencie para que o consumidor se sinta confiante novamente e retorne às lojas. Estamos atentos à forma como o mercado irá se comportar nos próximos meses e estaremos preparados para atender novas demandas.

DINHEIRO – Há entraves para a produção e venda de carros no Brasil?

MARQUARDT – O Brasil precisa se tornar mais competitivo em termos de logística, simplificação da carga tributária, como já acontece em países como China e a Índia.

DINHEIRO – A Mercedes-Benz está adotando uma postura de rejuvenescimento. Por que é preciso atualizar a marca?

MARQUARDT – Temos mais de 130 anos desde a invenção do automóvel e acreditamos que a tecnologia tem um impacto positivo em todas as gerações, motivando o comportamento das pessoas que, cada vez mais, buscam nas marcas não somente produtos, mas experiências. Essa influência fica mais evidente com o passar do tempo, se tornando também um estímulo para nós fabricantes. Desde 2012, com a nova linha de produtos compactos da marca (Classe A, B, CLA e GLA) estamos atraindo novos consumidores que não tinham interesse pelos automóveis sedãs. Outro exemplo que posso citar, é o grande sucesso dos veículos SUVs no País.

DINHEIRO – Os carros mais recentes da Mercedes, como o novo Classe A, apelam para a conectividade e para sistemas inteligentes de segurança. Como será o carro do futuro?

MARQUARDT – O Classe A, apresentado no Salão do Automóvel de São Paulo em 2018, possui a nova linguagem de design da marca. Linhas mais suaves e frente marcante, além do novo design dos faróis dianteiros. No entanto, o grande destaque deste automóvel é o Mercedes-Benz User Experience. A tecnologia é funcional e intuitiva, e oferece ao cliente a experiência de estar dirigindo “um celular sobre rodas”. O MBUX conecta todos aspectos da vida do cliente e do seu comportamento ao novo Classe A. O controle de voz inteligente pode ser utilizado para todas as funcionalidades com reconhecimento de fala e está disponível em português. O sistema permite uma nova interação entre o motorista e o cliente que, definitivamente, é uma nova forma de interação entre cliente e automóvel. Novas tecnologias precisam focar nas pessoas e facilitar suas vidas, e o Classe A faz isso de várias maneiras.

“Carros compartilhados, com motoristas ou autônomos, são parte do nosso pensamento sobre mobilidade” – A Mercedes vendeu 60 veículos Smart para a empresa pioneira no serviço de carros compartilhados em São Paulo (Crédito:Aaron Rogosin)

DINHEIRO – Qual o investimento programado para o Brasil ao longo deste ano?

MARQUARDT – Não podemos falar em valores de investimentos futuros, mas posso adiantar que a marca têm apresentado novidades todos os anos e em 2019 não será diferente. Serão mais de 20 lançamentos (novos modelos, versões e motorizações) para o mercado brasileiro este ano, incluindo a entrada em segmentos que atrairão novos clientes para a marca, como o Classe A sedã.

DINHEIRO – A Mercedes conseguiu ser líder no mercado brasileiro de carros premium nos últimos dois anos. Manterá essa liderança?

MARQUARDT – Para nós, cada ano é um novo desafio. Estamos sempre buscando novas oportunidades de mercado junto a nossa rede de concessionário para melhor atender aos nossos clientes e atrair novos clientes para a marca. Ser líder no segmento significa, acima de tudo, que temos a confiança dos nossos clientes e isso é muito importante para a Mercedes-Benz. Os números de vendas são um reflexo da aposta do público na nossa marca. Em 2017, a Mercedes-Benz implantou novidades no seu serviço de pós-venda, que antes já garantia qualidade e rapidez no atendimento.

DINHEIRO – Que serviços são esses?

MARQUARDT – Desenvolvemos o Express Service, por exemplo, que consiste na execução de revisões em até 1 hora, possibilitando que o cliente aguarde na própria concessionária o término da manutenção. Ações de relacionamento também compõem a estratégia da marca. Em fevereiro realizamos em São Paulo a décima terceira (13ª) edição da festa Mercedes-Benz Night. Todos os anos trazemos algo inusitado para apresentar aos nossos clientes de forma exclusiva, como a avant-première do Mercedes-AMG A 35 que tivemos no evento. E para intensificar o relacionamento com nossos clientes, lançamos em outubro de 2018 o “AMG Private Lounge Brasil”. Trata-se de um clube que reúne clientes AMG em programas super especiais como jantares únicos e viagens exclusivas. Além de outras ações como Fórmula 1; o AMG Performance Tour, que oferece aos convidados uma experiência em pista com alguns modelos esportivos do portfólio da marca AMG, linha de motores de alto desempenho.

DINHEIRO – O primeiro carro 100% elétrico da Mercedes-Benz, o EQ C , deve chegar ao mercado este ano. Qual a expectativa de vendas?

MARQUARDT – Nossa identidade elétrica “EQ”, a inteligência elétrica da Mercedes-Benz, gera grande expectativa em todos os mercados desde sua primeira aparição, em 2016. Atualmente já temos, em termos globais, uma procura muito superior à nossa capacidade de produção para esse primeiro ano.

DINHEIRO – Em quais países a demanda por esse tipo de carro é maior?

MARQUARDT – Os principais países da Europa e a Coreia do Sul serão os primeiros países a receberem o EQC até o final de 2019. Esses países foram escolhidos principalmente em função de leis de restrição à produtos com motor a combustão e emissão de poluentes.

DINHEIRO – Quais sãos os planos para o futuro na área de carros elétricos e híbridos? Existe uma meta de produção, em números?

MARQUARDT – Até 2025, teremos mais de 125 versões entre modelos totalmente elétricos (EQ), plug-in híbridos (EQ Power e EQ Power+) e com assistência elétrica (EQ Boost). Nosso plano é incrementar o nosso volume de vendas em produtos EQ (elétricos e híbridos) em até 35% do nosso portfólio global até o final de 2019.

DINHEIRO – A unidade de produção do Brasil tem capacidade para fabricar carro elétrico e híbrido?

MARQUARDT – Atualmente, nossa planta de Iracemápolis está focada na produção dos modelos Classe C e GLA, ambos com características construtivas bastante diferentes, o que já um sinal claro da capacidade de adaptação que a nossa fábrica possui. Nossa fábrica está preparada para atender a novas demandas ao primeiro sinal de necessidade.

DINHEIRO – A Mercedes trará para o mercado brasileiro modelos elétricos e híbridos?

MARQUARDT – No Brasil, lançamos no final do ano passado o C 200 EQ, veículo também produzido em Iracemápolis, que pode ser considerado o primeiro veículo híbrido brasileiro. Ele é equipado com um motor elétrico com bateria adicional de 48 volts.

DINHEIRO – O que ainda precisa ser refeito para popularizar os carros elétricos?

MARQUARDT – Entendemos que o nosso país está só começando no que diz respeito a veículos movidos por outras tecnologias, assim como os carros elétricos. É preciso promover essa tecnologia para que o consumidor que vive em grandes centros urbanos tenha conhecimento das vantagens e praticidade desse recurso. É preciso também trabalhar na quebra de paradigmas quanto ao processo de carga e reciclagem das baterias, por exemplo. Esses são fatores decisivos nesse processo de “popularização”. Além disso, é necessário um trabalho a quatro mãos com o governo e outras instituições para viabilizar novas tecnologias.

DINHEIRO – O Grupo Daimler comprou 25% da Car2Go e fez uma aliança com a DriveNow, da BMW. Qual o interesse nesses novos negócios?

MARQUARDT – Mobilidade é a palavra-chave na indústria automotiva atualmente. A criação da joint venture de mobilidade global entre a BMW Group e a Daimler é um sólido passo nessa direção. A Car2go é líder mundial em compartilhamento de veículos, com mais de 3 milhões de clientes e 14 mil veículos. E a moovel, plataforma integradora de soluções de mobilidade urbana, tem quase 6 milhões de usuários. Essas parcerias visam oferecer diversos serviços que se conectam, como car sharing, localização de estacionamentos e carregamento de baterias, por exemplo, visando sempre oferecer a melhor opção de mobilidade mediante a necessidade de cada cliente.

DINHEIRO – As montadoras devem temer o avanço dos carros compartilhados?

MARQUARDT – De maneira nenhuma. O Grupo Daimler se mantém atento aos avanços tecnológicos e às principais tendências do mercado. Carros compartilhados, com motoristas ou autônomos, são parte do nosso pensamento sobre mobilidade. Por meio de parcerias, já disponibilizamos o serviço em diversas regiões. O transporte por demanda, realizado pelas empresas mytaxi, beat, clever taxi e chauffeur privé, está disponível em mais de 100 cidades em 15 países, com mais de 17 milhões de clientes. Dessa forma conseguimos atender o usuário que não abre mão de se locomover com automóvel particular. Vendemos mais de 60 veículos Smart para a empresa pioneira no serviço de car sharing em São Paulo.

DINHEIRO – As montadoras sobreviverão a novas mudança de comportamento do consumidor?

MARQUARDT – Ainda que os automóveis sejam essencialmente parecidos desde sua invenção, o comportamento do consumidor evoluiu muito, principalmente na última década. Já temos uma nova geração de consumidores que não se interessa pela “posse” de algo, mas, sim, em “usufruir”. Por isso trabalhamos desde 2018 com o conceito CASE, que se apoia em quatro pilares: Conectado, Autônomo, Serviços, Eletrificação. Não é apenas um conceito, trata-se de uma nova maneira de enxergar o nosso negócio e estar atentos a todas as oportunidades.