Como presidente do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) desde 2010, Marina Grossi tem acompanhado a crescente preocupação de investidores e governos com as questões ambientais, sociais e de governança. Para a executiva, controlar o clima é o maior desafio econômico do século 21.

O ano de 2021 marca o início de uma década que coloca em xeque o modelo econômico baseado em sistemas produtivos de alto impacto ambiental e dependente de combustíveis fósseis. Entramos na era da economia verde, que valoriza a preservação de recursos, reúso de materiais e uma matriz energética limpa. O sucesso dessa jornada será medido em 2030. Esse é o prazo com o qual 195 países se comprometeram, no Acordo de Paris (2015), a reduzir em 50% as emissões de carbono. Caso a meta seja 100% atingida, pode desbloquear mais de US$ 13 trilhões em investimentos nos próximos anos. Segundo a diretora do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Marina Grossi, fundos de investimento como o poderoso BlackRock (US$ 8 trilhões em ativos na carteira) já descartam empresas que não levam a agenda a sério.

DINHEIRO — O termo sustentabilidade tem sido substituído pela sigla em inglês ESG (ambiental, social e governança). O que essa mudança significa na prática?
MARINA GROSSI — O ESG foi a maneira que o mercado encontrou de traduzir a sustentabilidade para os investidores.

O conceito propõe a quantificação dos resultados para as ações ambientais, sociais e de governança. Funcionou. Pelo segundo ano, Larry Fink, CEO da BlackRock, solta uma carta sobre o tema. Ano passado, chamou a atenção das empresas para a necessidade de ajustarem seu impacto no planeta tendo em vista o controle das mudanças climáticas. Quem não seguiu a orientação foi penalizado com a saída do investidor do Conselho de Administração. Este ano, foi além. Afirmou que é preciso redirecionar recursos investidos em setores poluentes para empresas responsáveis. Sobre diversidade, anunciou que não investirá em nenhuma empresa que não tenha ao menos uma mulher no conselho. Assim como o BlackRock, outros 30 dos maiores fundos mundiais adotaram o critério ESG.

E os governos? Estão alinhados nessa estratégia?
Depende. No grupo dos países desenvolvidos, a jornada já começou e alguns estão bem avançados. Devido a aspectos econômicos, havia uma discussão sobre quem pagaria a conta de ser sustentável: os países compradores ou os fornecedores. A questão é complexa porque as economias emergentes ainda precisam crescer, repartir riqueza e resolver demandas sociais. Por isso, enxergam no tema uma fonte de custos. Falar em economia circular, de baixo carbono e inclusiva em países em desenvolvimento ainda é luxo.

É possível comparar práticas de ESG das empresas e dos países? Como mensurá-las?
Esse é um grande desafio. A parte ambiental está mais avançada nesse sentido. Existe o protocolo GHG (GreenHouse Gases) que é uma metodologia consagrada mundialmente para a mensurar a emissão de gases de efeito estufa. Mas construir esse ferramental leva tempo. O pilar social é onde esse processo está mais incipiente. Eu diria que esse é um grande desafio.

Como a China, um país ainda em desenvolvimento e um dos maiores poluidores do ambiente, se insere nesse contexto?
O movimento de transição da China é muito recente. Antes de 2015, ano do Acordo de Paris, o modelo de desenvolvimento sustentável era um custo com o qual não queriam arcar. No último Fórum Econômico Mundial, realizado em janeiro, no entanto, o presidente Xi Jinping declarou que o país quer liderar a economia verde. E, quando a China decide algo, faz em alta velocidade e em uma escala capaz de mudar os parâmetros vigentes.

“Durante o isolamento, a emissão dos gases de efeito estufa caiu no mundo devido à redução de carros na rua. No Brasil, os índices aumentaram, pois sua origem é o mau uso da terra e o desmatamento” (Crédito:Istock)

Qual a causa dessa mudança de postura?
Provas econômicas. O modelo de desenvolvimento passará por uma economia de baixo carbono e quem não estiver em conformidade perderá o bonde. Um estudo realizado pelo CEBDS evidenciou que em áreas sem saneamento a produtividade do funcionário cai e o rendimento de crianças em fase escolar diminui. No fim das contas, é prejuízo para o investidor. De outro lado, caso o Acordo de Paris seja cumprido, trilhões de dólares serão destravados. Ou seja, ao contabilizar os prejuízos e as possibilidades de novas receitas conectadas ao ESG, o capital passou a enxergar valor. A pressão sobre empresas e governos aumentou.

E como está o Brasil nesse sentido?
Para boa parte do empresariado a conformidade com as políticas ESG já é uma realidade — e fica cada vez mais rígida. Outro grupo, no entanto, enxerga o assunto como a China de seis anos atrás e não está disposto a investir.

Qual o maior desafio de investir em ESG?
Temos que cortar as emissões em 50% até 2030 e zerar até 2050. Controlar as mudanças climáticas é o maior desafio econômico do século 21, porque nossa economia inteira é baseada em combustível fóssil. A questão é que a ciência está comprovando que esse modelo de desenvolvimento afetará nossa sobrevivência.

Quais soluções já estão em curso?
Ainda durante a primeira discussão sobre o Acordo de Paris ficou claro que será preciso uma quantidade considerável de recursos para fazer essa transição radical rumo à economia verde. A questão passou a ser como atrair capital, uma vez que trilhões de dólares serão necessários. Foi quando o holofote foi direcionado para as questões financeiras. Até ali, as empresas, por pressão dos consumidores, já estavam adequando suas estratégias. Mas os investidores estavam à margem da discussão.

O que fez o setor financeiro passar a considerar análises ESG em suas decisões?
A cobrança que o investidor passou a receber do consumidor. Nesse sentido, a pandemia da Covid-19 ajudou, já que fortaleceu a compreensão de que o meio ambiente, o desenvolvimento social e a solidez financeira estão interligados e são interdependentes. Durante o isolamento, a emissão dos gases de efeito estufa (GEE) caiu no mundo devido à redução de carros na rua. Somente no Brasil os índices aumentaram, pois sua origem é o mau uso da terra e o desmatamento.

Além do consumidor há, então, uma pressão vinda dos donos do capital, uma vez que negligenciar o ESG traz riscos e gera prejuízos?
Sem dúvida. Os investidores estão colocando o clima como um grande risco sistêmico — aqueles que impactam diversas frentes do negócio, como reputação, perda de consumidores e receita. Em outras palavras: recursos financeiros. Está claro que a economia de baixo carbono é o novo modelo de desenvolvimento.

Com os índices de desmatamento aumentando no Brasil e o presidente Jair Bolsonaro negando as mudanças climáticas, qual o nosso futuro?
Ainda em 2019, quando recebemos cobranças de países compradores questionando os desmatamento ilegal, o CEBDS fez um manifesto dizendo que a empresas associadas repudiavam a prática. Ano passado, quando os índices de desmatamento aumentaram, o conselho dos CEOs que compõem a entidade decidiu melhorar a narrativa sobre o que a iniciativa privada tinha a perder. Saímos com outro documento, assinado por mais de 90 companhias, defendendo a punição imediata dos que praticavam o desmatamento ilegal.

Qual foi o resultado?
Tivemos uma adesão muito grande de empresas que se comprometeram a fazer mais pelo meio ambiente. Entre eles bancos, investidores e a agroindústria. Entidades como a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e a Indústria Brasileira de Árvores (Ibá) se uniram ao movimento e ajudaram na interlocução com outros CEOs. Saímos com um plano de ação em que os empresários decidiram produzir com proteção. Aumentar a rastreabilidade da produção é um dos compromissos, mas é preciso ajuda do governo para dar escala. Com isso, mostramos que o agronegócio está em conformidade com as políticas dos países compradores. Outra proposta do CEBDS é a criação do mercado de carbono compulsório, respeitando a soberania do Brasil, a nossa competitividade e com uma implementação gradual dos setores produtivos. É uma mensagem forte, já que vem das empresas o pedido para serem reguladas. Queremos também que a floresta em pé seja beneficiada.

“Os investidores estão colocando o clima como um grande risco sistêmico, que impacta diversas frentes do negócio: reputação, perda de consumidores e receita. A economia de baixo carbono é o novo modelo” (Crédito:Istock)

O que falta para o Brasil liderar a economia verde? Boa vontade do governo?
O primeiro passo é acabar de vez com o desmatamento ilegal. É preciso garantir que as leis existentes sejam obedecidas pelo próprio País, porque não há investimentos com insegurança jurídica. Se continuarmos olhando para a foto do presente e não para os desafios colocados, vamos perder espaço na nova economia.

Como funcionará o mercado de carbono compulsório?
O carbono pode ser a grande commodity brasileira, em um mercado com potencial de US$ 10 bilhões por ano no Brasil, uma cifra defendida pelo Walter Schalka (presidente da Suzano), mas que pode ser muito maior. Para entrar nesse mercado, queremos um sistema de comércio de emissões similar ao que existe na Europa. É preciso criar regras certificadas por entidades como Inmetro.

Internacionalmente o mercado de carbono já está implementado?
Países como China e Canadá já estão operando em um modelo de mercado voluntário. Aqui estamos falando de um mercado compulsório regulado pelo governo. Isso atrairia fluxo de capital, além da contabilização de emissões que precisamos enviar para a ONU. Mais de 25% do mundo inteiro já tem o carbono precificado seja por taxação ou mercado.

O que podemos esperar da participação do Brasil na Cop26, em novembro?
É uma grande oportunidade de atração de investimentos. O setor empresarial irá defender a ideia de que aqui se produz e se preserva. Para que a mensagem fique mais forte é preciso que o governo proponha metas para eliminar o desmatamento ilegal, para punir os criminosos e que fortaleça a narrativa verde.