Após dois anos de retração, as empresas voltaram a encontrar braços abertos no mercado de capitais. Os dados até outubro mostram uma captação de R$ 209,2 bilhões, somando títulos de empresas, fundos e papéis lastreados pelo agronegócio e pelo mercado imobiliário, aponta a Associação Brasileira de Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Isso representa um crescimento de 40,7% em relação ao mesmo período de 2016. Com uma boa notícia adicional: desde 2015, é possível observar um aumento gradual da fatia de recursos fornecidos pelo setor privado, à medida que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) reduz os aportes (observe o gráfico). “Aos poucos, o BNDES está assumindo um perfil de atuação complementar na concessão de crédito para as empresas. É mais adequado para a economia que o banco de fomento financie pequenas e médias empresas e projetos com benefícios sociais”, diz Carlos Rocca, Diretor do Centro de Estudos do Ibmec e sócio da Rep Associados.

A Braskem é um bom exemplo para ilustrar esse movimento. Depois de dois anos afastada do mercado, a petroquímica concluiu, em outubro, a maior captação da sua história. Levantou US$ 1,75 bilhão em bônus no Exterior. Os recursos destinam-se a pagar dívidas. Realizada em duas etapas, a operação atraiu 360 investidores. “A combinação de uma janela de mercado com a grande demanda por parte dos investidores incentivou a emissão”, diz Danilo Garcez, diretor de finanças corporativas da Braskem, que ocupa a 14ª posição no ranking MELHORES DA DINHEIRO 2017.

Mauro Cunha, da Amec: “Estamos entrando em um ambiente normal de capitalização das empresas.” (Crédito:Thiago Bernardes / Frame)

A demanda por títulos de empresas brasileiras no exterior vem aumentando devido à melhora da percepção de risco Brasil. Outro fator positivo é a liquidez elevada dos mercados internacionais, fruto da política monetária expansionista dos Estados Unidos, da Europa e do Japão. “Observamos que outros setores, além de papel e celulose e de óleo e gás, têm recorrido ao mercado externo em busca de recursos”, diz José Eduardo Laloni, diretor da Anbima. A companhia aérea Azul marcou sua estreia no mercado internacional de dívida no fim de outubro, quando emitiu US$ 400 milhões em bônus de sete anos. No total, as captações além-fronteira cresceram 37,5% até outubro frente ao mesmo período de 2016, e alcançaram US$ 27,8 bilhões.

Assim como no exterior, o apetite doméstico também está aquecido. Investidores pessoa física e fundos de private equity, que investem em empresas fechadas com potencial de crescimento elevado, procuram melhores retornos em um ambiente de inflação e juros em queda. A possibilidade de encontrar investidores sem pagar juros escorchantes vem incentivando as empresas a buscar recursos no mercado. Até outubro, as companhias haviam captado R$ 59,8 bilhões emitindo debêntures e R$ 18,4 bilhões com notas promissórias, avanço de 34,3% e 233,7%, respectivamente, na comparação anual. “Estamos entrando em um ambiente normal de capitalização das empresas, com o aumento da procura pelo mercado de capitais. A participação do BNDES nessa dinâmica tende a diminuir ainda mais, pois não é compatível com a realidade econômica do país”, diz Mauro Rodrigues da Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (AMEC).

Entre as modalidades de captação, se destaca a preferência das companhias pelos produtos estruturados, em geral garantidos por créditos a receber. As emissões de títulos de renda fixa lastreados em recebíveis de empresas ou cooperativas do setor agrícola – os Certificados de Recebíveis Agrícolas (CRAs) – aumentaram 24,1% até outubro. Eles somaram R$ 9,1 bilhões em um movimento impulsionado pela safra recorde de grãos. Outro destaque foram os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), que investem em recebíveis de empresas. O volume de captação dobrou, para R$ 9,7 milhões. “Esse aumento reflete uma série de avanços regulatórios dos FDIC, que foram implementados ao longo dos últimos dois anos e que dão mais segurança ao investidor”, diz Rocca.

A continuidade no crescimento do mercado de capitais nos próximos anos pode levar a alterações profundas. “Hoje, o mercado de capitais brasileiro de longo prazo é incipiente, não tem liquidez”, diz Luiz Eduardo Portella, sócio-gestor da Modal Asset. Segundo ele, as emissões com duração superiores a dez anos, comuns no Exterior, são raras por aqui. “Com a maturação do mercado, diversas alternativas vão se abrir para as pessoas físicas, em especial a compra de debêntures, como uma alternativa privada aos títulos públicos de longo prazo.” Dados da Anbima mostram que hoje o prazo médio de vencimento das debêntures é de cinco anos.

A manutenção desse cenário, porém, depende da permanência da estabilidade da economia nos próximos anos. No curto prazo, dois fatores que podem arrefecer esse fluxo: a rejeição do Congresso à reforma da Previdência e as incertezas provocadas pela eleição presidencial de 2018. “As captações que geralmente têm um pico no primeiro trimestre do ano podem estar sendo antecipadas por conta das incertezas políticas que devemos observar no ano que vem”, diz Portella. “Se a nova administração focar a austeridade, existe grande chance de essa expansão perdurar”, afirma.