Em meio à crise, surgem oportunidades. E oportunidades não faltaram para empreendedores que desafiaram o primeiro ano da pandemia da Covid-19, ainda mais em um ano de recorde da taxa de desemprego no Brasil, com 14 milhões de pessoas em busca de espaço. E, em um período em que o comércio eletrônico passou a fazer parte da rotina de boa parte dos brasileiros, as startups deram um salto. No ano passado, segundo o Inside Venture Capital, as empresas com propósito inovador no Brasil receberam aportes da ordem de US$ 3,5 bilhões, o maior ano da história e 18% acima do registrado no ano anterior. Hoje, são 13.552 startups no País, com crescimento de ao menos 300% nos últimos cinco anos, segundo dados da Associação Brasileira de Startups (Abstartups). Somente nos quatro primeiros meses de 2021, o setor recebeu investimentos que alcançaram 68% do que foi aportado no ano passado inteiro, o que sinaliza o enorme potencial de crescimento nessas empresas. Educação, finanças e saúde são as áreas de atuação com mais procura para empresas de inovação.

Mas, para crescer mais, o segmento necessita de regramentos, de condições para dar um salto ainda maior. E necessário. Parte dessa necessidade está contemplada no Projeto de Lei 146/19, aprovado na semana passada pela Câmara dos Deputados. Para virar lei definitivamente, precisa ser sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro até 1º de junho. A expectativa é de que seja avalizado, já que o texto foi discutido e aprovado por equipes técnicas do governo federal.

O ponto principal da medida é que, com a legislação, as startups entram para valer no ecossistema das empresas de inovação no Brasil. Também garante segurança jurídica para os investidores-anjo, responsáveis por aportes significativos e necessários para o desenvolvimento das empresas com grande potencial de crescimento. Até aqui, os investidores respondem solidariamente por dívidas dessas startups, mesmo que não tenham qualquer relação com a gestão do negócio, o que, de certa forma, inibe a procura por mais parcerias. Com a lei, isso muda. O texto diz que não é considerado sócio nem tem qualquer gerência ou voto na administração da empresa, não responde por qualquer obrigação. E ainda é remunerado pelos seus investimentos.

NO MOMENTO CERTO Para a empresária Camila Farani, uma das principais investidoras-anjo do Brasil, a aprovação do marco legal pode trazer mais aportes para as startups. (Crédito:EMI PARENTE)

Também dá permissão ao poder público para contratar soluções inovadoras de startups por meio de processo licitatório. Uma lacuna que impedia administrações públicas de trazer soluções de tecnologia para dentro da máquina. O limite para contrato é de R$ 1,6 milhão.

Para o deputado federal Vinicius Poit (Novo), relator da proposta, a aprovação do projeto é fruto de discussão com especialistas da área e de debates com os partidos na Câmara. “O texto garante segurança jurídica, permite que empresas pequenas possam digitalizar documentos em vez de ficar publicando atas, eliminando um pouco de burocracia”, disse.

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“O marco legal das startups traz série de mudanças e modernizações em diferentes segmentos e isso é muito bom” Felipe Matos presidente da Abstartups.

O parlamentar entende que, com regras mais claras definidas pela legislação aprovada pelos deputados, o segmento poderá ajudar na retomada da economia brasileira no cenário pós-Covid. “A economia sofreu demais com as restrições e com a pandemia. Com a vacinação, o Brasil vai precisar gerar emprego. E quem gera emprego são os pequenos e médios empreendedores, que serão beneficiados pelo marco legal das startups”, afirmou Poit.

Para Pedro Carneiro, diretor da ACE Startups, uma das principais aceleradoras de startups do Brasil, a segurança jurídica para quem investe nas startups é um dos melhores pontos da proposta. “O lado positivo é que a lei regulamenta alguns instrumentos que vinham sendo usados pelas empresas e garante essa segurança”, disse. “E classificar o investidor não como um sócio e sim como financiador é um avanço. Ele não pode responder por questões trabalhistas ou fiscais, por exemplo”, afirmou Carneiro. “Não dá para ser corresponsável pelos passivos.”

Para a ACE, essa definição especifica pode ser um impulsionador para aceleração de novos investimentos. Com aportes em mais de 120 startups em nove anos e aceleração em cerca de 400, a ACE aporta cinco vezes mais nas empresas hoje do que em 2012. Ela não revela os valores. No portfólio, são 20 exits (venda da startup) da ACE. O último deles foi no início do mês, com a aquisição da Pet Anjo pela Cobasi.

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“O Brasil vai precisar gerar emprego. E quem gera são os pequenos e médios empreendedores, que serão beneficiados pelo marco legal” Vinicius Poit Deputado Federal (Novo).

TECNOLOGIA Para a empresária Camila Farani, uma das principais investidoras-anjo do Brasil, o projeto vem em um momento de crescimento do setor de tecnologia, impulsionado pela necessidade do isolamento social e de uso de ferramentas on-line. “Esse texto vem em um momento importante, que é o avanço da digitalização no País. Nunca fui tão demanda como tenho sido agora. O marco legal é uma peça fundamental para estimular o empreendedorismo”, disse. “A gente viveu muitos anos no que chamo de empreendedorismo por necessidade. Hoje é por oportunidade.” Em 10 anos de atuação, Camila já realizou aportes da ordem de R$ 35 milhões em ao menos 45 startups, levando-se em contas as empresas de seu grupo e investimentos como pessoa física, inclusive os realizados no programa Shark Tank Brasil.

Hoje são cerca de 9 mil investidores-anjo no País. Ainda pouco, se comparado aos 320 mil dos Estados Unidos. Mas Camila acredita que esse número pode crescer de forma significativa a partir de agora. “O fato de não responder pela dívida vai atrair mais interessados em alocar recursos e fazer parte desse ecossistema.”

O presidente da Abstartups, Felipe Matos, acredita que a aprovação do projeto é um avanço para o setor no Brasil. “O marco legal traz uma série de mudanças e modernizações em diferentes segmentos e isso é muito bom. Também é positivo o fato de simplificar as informações sobre os resultados.” Ainda assim, o dirigente diz que um ponto importante que ficou de fora do marco legal foi a inclusão das startups no formato Sociedade Anônima no regime Simples de tributação. “Devido a isso, muitas startups menores não terão a possibilidade de simplificar a gestão.”

Fato é que, ainda que alguns pleitos não tenham sido atendidos, a medida é vista com uma oportunidade para nova onda de decolagem das startups. Um salto de oportunidades tanto para quem tem uma ideia inovadora quanto para tem o recurso para colocar essa ideia em pé.