O rapaz que sorri na janela da foto acima é Giovanni Gaja, tem 26 anos e pertence à quinta geração de uma família que desde 1859 produz vinhos em Barbaresco, noroeste da Itália. Antes de se juntar às duas irmãs (uma delas enóloga) e aos pais na administração do negócio familiar, Giovanni estudou Economia, morou em Londres e Nova York. Na semana passada ele esteve pela primeira vez no Brasil, a convite da importadora Mistral, para apresentar uma seleção de cinco vinhos — todos excelentes, em especial o Brunello di Montalcino Sugarille 2000 (US$ 999,00). Mais que apenas comentar para críticos e jornalistas as qualidades inegáveis das bebidas que engarrafa, Giovanni fez uma apresentação detalhada sobre o impacto das mudanças climáticas no cultivo de uvas e as possíveis formas de mitigá-las. A palavra-chave para definir a estratégia levada ao campo pela empresa liderada por seu pai, Angelo Gaja, é resiliência. “Os efeitos das mudanças climáticas na agricultura não se limitam ao aumento de temperatura, o que por si só já altera o ciclo vegetativo das uvas”, afirmou Giovanni. “O que temos observado é que as estações estão menos definidas, há longos períodos de seca e, em alguns anos, as chuvas ocorrem de forma concetrada, provocando o risco de erosão em certas áreas, sobretudo em vinhedos plantados em colinas”.

Pai e filho: Angelo Gaja (foto) e seu filho Giovanni (foto ao alto): alto investimento nos vinhedos para manter a excelência frente às alterações no clima (Crédito:Divulgação)

Para evitar que a natureza impeça o homem de seguir extraindo dela uvas capazes de gerar bons vinhos, nada melhor que reunir especialistas. A família Gaja contratou pesquisadores de algumas das melhores universidades italianas, entre eles biólogos, climatólogos e até entomologistas (que estudam os insetos). Tal força-tarefa apresentou um plano de ação simples, mas trabalhoso. Ele consiste em criar nos vinhedos um ecossistema mais rico a partir da reintrodução de espécies da fauna e da flora. Foram plantadas leguminosas e flores nos espaços entre as videiras para nutrir melhor o solo e atrair abelhas para estimular a polinização. “Nossa intenção é permitir que as próprias parreiras se fortaleçam para lidar com os problemas decorrentes do estresse a que estão submetidas. Tornando-se organismos mais fortes, elas são capazes de reagir às mudanças climáticas”, afirma Giovanni.

As soluções adotadas lembram os princípios da agricultura biodinâmica desenvolvidos por Rudolf Steiner, o criador da antroposofia, Giovanni prefere chamar de “método Gaja”. E a julgar pelos vinhos obtidos nas safras mais recentes, a estratégia tem dado resultados. Os rótulos fazem jus à reputação de excelência construída ao longo das últimas décadas por Angelo Gaja, hoje com 79 anos, considerado o maior nome do vinho na Itália, o único a merecer as três estrelas do guia Gamero Rosso e várias vezes aclamado “Homem do Ano” por revistas como Decanter e Wine Spectator. A partir da propriedade familiar em Barbaresco, Angelo expandiu seus domínios para as regiões de Montalcino e Bolgheri, ambas na Toscana. Um quarto projeto vitivinícola está em andamento na Sicília. Com produção anual entre 750 e 800 mil garrafas, as vinícolas comandadas por Angelo Gaja só usam uvas de vinhedos próprios — e é neles que esse entusiasta da disrupção tem experimentado práticas sustentáveis que visam a elaboração de vinhos de excelência, sejam Brunellos, Barolos, Barberas, Bolgheris ou Barbarescos.

Pioneirismo: Rótulos Gê e Coyam. da chilena Emiliana, maior vinícola de orgânicos e biodimâmicos do planeta (detalhe). Na foto maior, flores plantadas entre as parreiras para atrair abelhas e outros insetos capazes de fortalecer todo o ecossistema (Crédito:Divulgação)

ORGÂNICOS Se a decisão de mudar as práticas vitivinícolas dos Gaja foi motivada pelas mudanças climáticas, o uso de agrotóxicos nos vinhedos foi o que motivou a criação, no Chile, da vinícola Emiliana, hoje a maior do mundo dedicada a vinhos orgânicos. Fundada há 20 anos por José e Rafael Guilisasti e por Álvaro Espinosa, ela possui mais de mil hectares plantados em seis regiões do Chile, exporta para 55 países (o Brasil é o sexto maior mercado global da Emiliana e o primeiro na América Latina), conta com nove certificações de orgânicos e está entre as 50 marcas de vinho mais admiradas do mundo.

Tudo começou quando José Guilisasti acompanhava as colheitas da vinícola Concha y Toro, que pertence à sua família, e sentiu que o a pulverização de pesticidas nas videiras lhe dava dores de cabeça. Buscar alternatívas mais ecológicas ao manejo dos vinhedos levou á criação de uma nova empresa exclusivamente dedicada aos orgânicos e biodinâmicos. O rótulo Coyam, pioneiro do segmento na América do Sul (importado e vendido no Brasil pela World Wine a R$ 233), tem merecido atenção da crítica. A safra 2016 recebeu 96 pontos de Tim Atkins e a 2017 obteve a mesma pontuação de James Suckling. Além de elaborar bons vinhos, a Emiliana mantém programas socioambientais. Um deles é voltado para a conservação de aves. Outro reverte para os funcionários os lucros da produção de azeite e mel em torno do vinhedo Los Robles.

Tulipas: na Bodega Garzón, no Uruguai, a fermentação do mosto para elaborar vinhos de qualidade superior (caso do Balasto, no detalhe) é feita em tanques de cimento de foma ovalada. A técnica tem inspiração em princípios biodinâmicos (Crédito:Divulgação)

“Do ponto de vista filosófico, eu concordo 100% com os princípios biodinâmicos”, afirma Germán Bruzzone, enólogo da Bodega Garzón, no Uruguai, eleita a melhor do novo mundo em 2018 pela Wine Enthusiast. “Porém eu não vejo que ela seja a melhor alternativa para todos os produtores do planeta. É preciso avaliar as condições de cada terroir e de cada proposta para decidir qual o método mais adequado de produção”, pondera. Ainda que não siga os preceitos biodinâmicos, Bruzzone se inspira na prática ao vinificar seus melhores vinhos, caso do excelente Balasto (R$ 1.000). É o caso das tulipas de cimento no lugar de tanques de aço inox para a fementação. A ideia partiu do consultor italiano Alberto Antonini. Entre as vantagens, o enólogo destaca o melhor controle da temperatura, a micro-oxigenação do mosto gerada pela porosidade do material e, mais importante, a criação de leveduras que não ocorre no inox. Segundo ele, o resultado obtido pela técnica permite vinhos de melhor qualidade em menos tempo. A crítica confirma. O Balasto 2016 obteve 96 pontos em duas importantes avaliações. E o 2017 pode ir além.