A privatização integral do serviço postal brasileiro, hoje gerenciado pelos Correios, começa se desenhar em um futuro próximo. O Projeto de Lei 591/2021 que tramita na Câmara com pedido de urgência, deve ser apresentado, deliberado, alterado e votado até o dia 17 de julho, segundo estimativas do presidente da Casa, Arthur Lira (DEM-AL). Caso aprovado como está hoje, o governo espera arrecadar cerca de R$ 25 bilhões com a venda de toda ECT, e cobrar da empresa responsável pelo serviço um investimento anual de R$ 2 bilhões, muito superior aos R$ 300 milhões que o Estado conseguiu aportar em 12 meses. O texto do ministro da Economia, Paulo Guedes, também retira a possibilidade de privatizar os Correios em fatias (seja por região, serviço ou partes da cadeia de valor), elevando assim as dúvidas sobre a qualidade do serviço em cidades de menor porte e baixo potencial de arrecadação.

Com tudo isso desenhado, o plano da desestatização dos serviços postais significa uma mudança estrutural na forma como são enviadas e recebidas encomendas em todo o Brasil. Hoje os Correios possuem 6,3 mil agências próprias, além de 4,3 mil comunitárias, 1 mil franqueadas e 127 permissionárias sendo a única marca presente, sem exceção, em todos os municípios brasileiros. Com a potencial privatização, uma das principais dúvidas é de onde virá a garantia de que cidades afastadas ou menos rentáveis terão o mesmo serviço de hoje. Nesse sentido, o estudo de viabilidade desenhado pelo governo federal coloca na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) a responsabilidade de regular, criar metas e fiscalizar os serviços após a privatização. A agência, inclusive, deverá mudar de nome para Agência Nacional de Telecomunicações e Serviços Postais.

MOVIMENTO EM CURSO Em 2020, mesmo com queda de 28% no volume de entregas, faturamento deu salto de 1.400% . (Crédito:Danilo Verpa)

De acordo com o estudo feito pelo governo e enviado à Câmara, o mercado de correspondência vem sofrendo forte declínio com a digitalização de boa parte do serviço financeiro, e chegou a cair 28% em 2020, na comparação com 2019. Esse recuo, segundo o Guedes, se fortalece desde 2015 e por isso “pressionará o resultado da operação por causa da redução de escala sobre o encargo da universalização”.

Os resultados financeiros oficiais da empresa, no entanto, vão por outro caminho. Em 2020 o lucro dos Correios somou R$ 1,53 bilhão, um estrondoso aumento de 1430% comparado aos R$ 103 milhões de 2019. Com o resultado a empresa fechou 2020 no azul após quatro anos de retração consecutiva. Já o patrimônio líquido da companhia subiu no período para R$ 949,7 milhões, ante R$ 146,8 milhões em 2019. Segundo o balanço, o capital social da empresa atingiu R$ 3,382 bilhões no final do ano passado, constituído integralmente pela União. Mesmo assim, o Ministério da Economia considera que a empresa ainda está aquém do nível de investimento necessário para atender as demandas futuras do mercado brasileiro, o que exigiria reforço do capital privado.

Em setembro do ano passado, o ministro das Comunicações, Fabio Faria, disse que Amazon, FedEx e Magazine Luiza estariam interessadas no negócio. Nenhuma delas confirmou.

QUEM É: Floriano Peixoto Vieira Neto. IDADE: 67anos. CARGO: Presidente da Empresa Brasileira de Correios e Telegrafo. PROFISSÃO: Militar. CARGO ANTERIOR: Ministro chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República. ANTECESSOR NOS CORREIOS: General Juarez Cunha. (Crédito:Marcos Correa)

AÇÃO X REAÇÃO O relator do PL, deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA), já estaria em vias de finalizar seu parecer, segundo informações do presidente da Casa, Arthur Lira. “Penso que até o final do último dia antes do recesso [17 de julho] teremos a oportunidade de discutir e votar”, disse. Ele reforçou que haverá cuidado para garantir que não haja dano no serviço em nenhum local.

Mas mesmo que o Executivo ou Legislativo quisessem tirar o serviço de cidades menores ou consideradas menos rentáveis, a medida seria facilmente levada ao Supremo Tribunal Federal (STF). O advogado constitucionalista Pedro Ramos, que é consultor de assuntos jurídicos da Câmara, afirmou que há, na Constituição, um dispositivo que obriga a União a oferecer serviço postal e correio aéreo nacional em todo o Brasil, e isso seria difícil apenas com a Anatel. “É como transformar a ANS no Ibama”, disse. Para ele, a Agência perderia seu caráter de regular e teria de se reestruturar para visitar, acompanhar e multar visando garantir o serviço pelo País todo. Há ainda deputados que defendem que a União assuma as operações deficitárias. Isso já teria sido negada por Guedes, mas pode ser discutido na Câmara.

Como é comum em privatizações, os funcionários que hoje estão por trás dos Correios são contrários ao processo. Segundo Antônio José Alves Braga, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresa de Correios, Prestação de Serviços Postais, Telégrafos, Encomendas e Similares do Espírito Santo o modelo de privatização poderá levar a um “apagão postal”. Esse apagão estaria ligado tanto ao atendimento de cidades mais ermas quanto na falta de diálogo com a categoria que hoje faz a operação acontecer.

MODELO NORTE-AMERICANO

AFP

Desde o início dos anos 1990 muitos países privatizaram suas operações postais. Um deles, mesmo afeito a privatizações, não abre mão de garantir este serviço para a população. Nos Estados Unidos, o United States Postal Service (USPS) segue como serviço público — e crescendo. Hoje são quase 35 mil agências espalhadas pelo país, 231 mil veículos e mais de 495 mil funcionários – mais que cinco vezes o tamanho dos Correios.

Na prática, a USPS é uma agência federal ligada ao Executivo americano, e conta a história que seu primeiro diretor foi Benjamin Franklin, em meados de 1775. Hoje a empresa opera com a receita das entregas de cartas e encomendas, mas tem registrado prejuízos (em 2020 houve perdas de US$ 90 bilhões). Donald Trump até tentou privatizar o serviço, mas o projeto foi abatido em pleno vôo, inclusive por republicanos, que entendem que mexer no serviço é tirar um ativo patriótico. Há ainda temor da população de aumento de preços e vazamento de dados.

Uma pesquisa divulgada em maio de 2020 pelo Pew Research Center apontou que 91% dos americanos tinham uma visão favorável à agência. Criada um ano antes de as 13 Colônias se declararem independentes do Império Britânico, o nascimento do serviço postal se mistura com a independência do País, o que explicaria essa postura contrária à privatização.