Está em andamento um evidente calote, de patamar bilionário, com a ideia de mudança nas regras de pagamento parcelado nos precatórios devidos pela União, que irão somar quase R$ 90 bilhões em 2022. Mais do que isso, a proposta em curso configura uma monumental pedalagem, de cunho populista, com o intuito de postergar a quitação dessas dívidas em troca de um espaço orçamentário maior para turbinar o programa do Bolsa Família. A intenção do presidente é alçá-lo a um valor da ordem de R$ 400 mensais, em troca de apoio eleitoral, no típico movimento de compra do chamado voto de cabresto. O ministro da Economia, Paulo Guedes, que participa e estimula o ardil, chegou a chocar o mercado com a declaração clássica de caloteiros, na base do “devo, não nego, e pagarei assim que puder”. Nem as travas constitucionais estão sendo suficientes para impedir que a turma de Bolsonaro leve adiante a cruzada do escambo com recursos alheios. A intenção é obter o respaldo da base aliada do Congresso para aprovar às pressas uma PEC que altere as regras. Virou mesmo o vale-tudo da concentração de verba naquilo que realmente interessa hoje ao mandatário — e, exclusivamente a ele: a reeleição em 2022. A apelação para essa espécie de “contabilidade criativa” é manobra antiga, que já levou ao impedimento da ex-titular do Planalto, Dilma Rousseff. Com os precatórios, o time do capitão garantiria uma reserva de dinheiro para, no máximo, dois anos dos compromissos assistencialistas — tempo suficiente para reconduzir o presidente ao segundo mandato. Depois seria outra história. O ministro Guedes, ao tocar a iniciativa com o entusiasmo de alguém que encontrou o caminho das pedras, jura de pés juntos que seria impossível pagar os R$ 89 bilhões de precatórios agora. Algo, no seu entender, capaz de “paralisar o governo”, pois equivaleria a comprometer 93% das despesas discricionárias. O ministro alega ter sido pego de “surpresa” pelo aviso do Judiciário para o montante de 2022, porque na média dos anos anteriores o valor oscilava na faixa de R$ 50 bilhões. Ok, a pasta da Economia não tem respaldo orçamentário para tanto. Mas a dúvida que fica, na eventualidade de uma troca de destinação dos valores comprometidos para o Bolsa Família, é de onde sairá a dotação extra. Em Brasília, a rolagem da pendência com títulos federais já vem sendo chamada de “meteoro dos precatórios” e Guedes admitiu que o governo “dormiu no ponto” nesse quesito. Agora corre para viabilizar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que parcelaria parte dos pagamentos. Existe a sugestão de se criar uma espécie de “Fundo Patrimonial” para agilizar a quitação desses valores. A saída — defende Guedes — é baseada em experiências passadas das “moedas de privatização”. Outra alternativa aventada é a do parcelamento em dez anos. De uma coisa a pasta da Economia está convencida: não poderá existir a hipótese de furar o Teto. Algo cada dia mais difícil de cumprir.

Carlos José Marques, diretor editorial.