A conta do calote das 5.559 prefeituras do País sobre os fornecedores da iniciativa privada nunca esteve tão alta. Nada menos do que R$ 7 bilhões em dívidas de curto prazo, a serem pagas nos próximos doze meses, pesam sobre o caixa das cidades brasileiras, nas contas da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Esse dinheiro inclui o pagamento de precatórios, salários, encargos, mas é contra as empresas que a situação é mais dramática. Apenas a Prefeitura de São Paulo deve R$ 1 bilhão a fornecedores de mercadorias e serviços. Empresas capitalizadas e os grandes grupos absorvem melhor o baque dos calotes públicos. Mas milhares de pequenas e médias não têm a menor noção sobre quando e quanto irão receber. O empresário Laurindo Gonçalves de Souza, de Santa Bárbara D?Oeste, interior de São Paulo, é uma vítima contumaz do caixa furado da Prefeitura. Proprietário da Viação Barbarense, única empresa de ônibus da cidade, Souza espera receber cerca de R$ 900 mil que a Prefeitura lhe deve em vale-transporte dos funcionários municipais. A situação não é novidade para ele. Em 1996, R$ 350 mil ficaram em dívidas na fase de troca de prefeitos. ?Prefeitura é um cliente de alto risco?, diz Souza.

Os débitos atuais se formaram ao longo das últimas três décadas, principalmente em função de parcerias mal-sucedidas entre municípios, Estados e a União. ?Mais de 70% do endividamento existe porque o poder municipal executou obras que não eram de sua competência?, afirma Paulo Ziulkoski, presidente da CNM. O fato é que falta dinheiro nos cofres municipais. Com 70% dos projetos provenientes das prefeituras do interior de São Paulo, a Construtora São Luiz tem cerca de R$ 1 milhão a receber por obras executadas e não pagas. E mais: está com R$ 5 milhões em créditos sendo questionados na Justiça. ?Isso é mais de um ano do faturamento da minha empresa?, diz Brenno Dias Baptista, diretor da São Luiz, que já precisou demitir e fazer aporte de recursos com dinheiro do próprio bolso. ?Se não fosse isso, teria falido.? Um dos principais alvos das prefeituras caloteiras são as distribuidoras de lama asfáltica. Ás vésperas de eleições, os pedidos dos municípios disparam. Fim de mandato, o calote é certo. ?Prefeituras são sempre problemáticas?, diz a superintendente-financeira da Centro-Oeste Asfalto, Inês Rampon. Cerca de 10% do faturamento de sua empresa está comprometido com dívidas de prefeituras de Estados do Centro-Oeste, Minas Gerais e Tocantins. Por causa disso, a empresa adotou uma estratégia linha dura com seus clientes: quem não pagar, tem o abastecimento cortado.

Mas, se o negócio é tão ruim, por que as empresas insistem em fornecer para governos? Em geral, obras públicas movimentam milhões. A prestação de serviços garante ao fornecedor longos contratos e forte demanda. Além disso, muitas empresas se ?defendem? superfaturando em início e meio de mandato para garantir o caixa nas épocas de vacas magras. ?Como em todos os lugares, nesse setor também há empresas desonestas?, diz o presidente da Associação Paulista dos Empresários de Obras Públicas, Paulo Godoy. Para ele, cada vez mais União, Estados e municípios estão perdendo importância nas carteiras das empresas. Projetos das ex-estatais, principalmente no setor de telecomunicações e energia, são o atual objeto de desejo das empreiteiras. A entidade detectou que, nos últimos seis anos, as obras públicas caíram de 98% para 65% dos projetos realizados pelas suas associadas. Escolada por anos de prestação de serviços ao governo, a Odebrecht Engenharia diversificou o perfil de suas obras. Há dez anos as obras públicas representavam quase 90% dos projetos da construtora. Hoje, não passam de 40%. ?Agora, selecionamos muito bem os projetos?, diz o diretor comercial da Odebrecht em São Paulo, Romildo José dos Santos Filho. ?Obras com pouca urgência são as primeiras a terem o orçamento cortado.?