A Liquigás era parte importante do plano de desinvestimento da Petrobras. Os ativos de óleo e gás são os que mais precisam colaborar para que a estatal reequilibre suas contas. Em média, 40% de todas as negociações para se chegar a um total de US$ 21 bilhões em vendas no biênio 2017/18 terão de vir desse segmento. Em abril do ano passado, a estatal concluiu a venda da empresa de logística de gás Nova Transportadora do Sudeste (NTS) para o fundo de investimento Brookfield, por US$ 5,2 bilhões. A meta para a área estava quase batida. Faltava a concretização da compra da Liquigás pela Ultragaz, do Grupo Ultra, por R$ 2,8 bilhões. Mas o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão que regula a competição, barrou a fusão. O argumento foi o de que a operação traria excessiva concentração num mercado dominado por apenas quatro empresas, que respondem por 85% de todo o mercado. O Grupo Ultra tem motivos para reclamar da atuação do Cade. Essa foi a segunda negativa recebida da autarquia em sete meses.

Em agosto de 2017, a venda dos postos Ale para a Ipiranga, que pertence ao Ultra, também foi barrada. O argumento foi praticamente o mesmo: não se pode restringir um mercado a poucos competidores. Embora possam existir críticas pela interferência na estratégia de uma empresa comprar ou vender um ativo, não dá para permitir uma fusão que dê tanto poder a um único grupo econômico. Ainda mais no Brasil, onde poucos ficam com um grande pedaço do bolo. A “Nova Ultragaz” nasceria com 46% do mercado e um controle que dificultaria a entrada de concorrentes. Pior que isso: dificilmente a companhia traria benefícios ao consumidor, como preços mais baixos. O empresário David Neeleman, fundador da Azul Linhas Aéreas, é um dos mais críticos a essa situação brasileira. Desde que chegou aqui para criar sua empresa, ele bate na tecla de que tudo no Brasil é mais caro exatamente pela falta de concorrência.

Esses casos recentes podem passar a impressão de que o Cade tem sido mais rigoroso nas suas análises. Mas isso não é verdade e nem o que os números indicam. De 2014 até junho do ano passado (últimos dados disponíveis), 32 atos de concentração foram impugnados. Isso representa, aproximadamente, 5% de todos os processos analisados pelo órgão. As maiores empresas, que chamam mais a atenção, são as que recebem maior escrutínio por parte do órgão. É o caso de Kroton e Estácio, que teriam domínio do ensino superior, mas não concretizaram a fusão. O trabalho do Cade é visto com certa desconfiança por sua atuação nos últimos anos. Sua imagem foi afetada pela vagarosidade na análise da união entre a Nestlé e a Garoto. O contrato assinado em 2002 só foi efetivamente concluído pelo órgão 15 anos depois.

Para as empresas, aceitar ou negar faz parte do jogo. Mas a incerteza provoca grandes prejuízos econômicos, seja pelos investimentos que ficam suspensos ou pelos benefícios projetados com o cruzamento das operações, que não acontecem. Ninguém quer incorporar sucata ao seu patrimônio. Felizmente, esse parece um retrato passado de má administração. Há quatro anos, praticamente todos os processos que entram para análise são encerrados no mesmo ano. Em 2016, por exemplo, foram 389 casos recebidos e 390 concluídos. O mundo dos negócios precisa mesmo de agilidade. A Petrobras sabe disso e já procura uma solução para a Liquigás. A abertura de capital da empresa seria a primeira opção. Essa, realmente, parece ser a melhor saída, pois aumenta a governança corporativa e preserva uma competidora forte, além dos empregos. O Cade tem mesmo de dificultar.