O impacto é de um filme de terror. Passados 30 dias de uma grande compra, a empresa vendedora não recebe a fatura. Nem o protesto do título faz o credor honrar a dívida. Ao enviar um cobrador à sede do cliente, descobre-se um galpão vazio ou um endereço inexistente. Esse é o tradicional enredo de um golpe. A empresa fantasma foi montada apenas com o propósito de assombrar o mercado com prejuízos. Com a desaceleração da economia, o número desses casos tem crescido absurdamente no Brasil. De janeiro a junho deste ano, a Equifax, empresa especializada na gestão de risco e crédito, identificou 284 organizações golpistas no País. Essas empresas causaram um prejuízo de R$ 7,8 milhões (contabilizados apenas os títulos protestados, sem contar o volume de cheques devolvidos). O número é recorde desde que a companhia começou a fazer esse levantamento, em 1993. Naquela época, foram computadas 86 organizações fantasmas. ?O mercado sofre esse problema porque há uma ânsia e uma necessidade muito grande de vender?, afirma Paulo Albuquerque Melo, diretor-presidente da Equifax. ?Isso leva muitas empresas a se preocupar cada vez menos com a qualidade da venda, ficando vulneráveis aos golpistas.?

A Equifax é uma espécie de caça-fantasma corporativo. Na hora da venda, as empresas que são usuárias de seus serviços entram em contato para obter informações do comprador. Seus sistemas cruzam uma série de dados e alertam os clientes do risco de uma venda suspeita. Para isso, a empresa já relacionou vários passos que funcionam como indicadores de possíveis fraudes. Informações
como o aumento do número de consultas a uma nova empresa, mudança na razão social e a entrada de novos sócios no negócio são alguns fatores que deixam o sistema e, por conseqüência, seus usuários em alerta. Na prática, significam que um golpe está sendo tramado. ?A partir do momento em que essas empresas são detectadas, todos os nossos clientes são avisados a não fazer
mais transações comerciais com elas?, observa Melo. No Brasil desde 1998, quando comprou a empresa de informações SCI, a Equifax tem hoje 28 mil clientes, que pagam de R$ 3 a R$ 15 por consulta. Melo calcula em pelo menos 20 mil tentativas de golpe brecadas por quadrimestre no País, o que torna o serviço de análise de crédito uma necessidade para os fornecedores. Em 2002, a operação brasileira da Equifax foi responsável por cerca de 4% do faturamento global do grupo, de US$ 1,1 bilhão.

?Não dá para confiar só na aparência do cliente?, diz Carlos Eduardo Severini, diretor comercial da Tenda, empresa atacadista de São Paulo. ?A economia ruim estimula o aumento do número de aproveitadores.? Em qualquer setor, nenhum calote é bem-vindo. No atacado, porém, que trabalha com grandes volumes e margens bem enxutas, uma fatura não paga pode comprometer toda a operação. Com mais de 100 mil clientes nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, a Tenda é usuária da Equifax. ?Desde que contratamos o sistema, nossa inadimplência caiu pela metade?, afirma Severini. ?Hoje, nossa taxa é de menos de 0,2%.? Segundo o executivo, os golpistas costumam pagar as primeiras compras para conquistar a confiança do fornecedor. Com o passar do tempo, começam a exigir mais prazo e mais crédito. É aí que entra o trabalho da Equifax, que alerta o usuário sobre o cliente suspeito. ?A decisão final de venda é sempre nossa?, observa o diretor da Tenda. ?Mas quando o sinal de alerta é dado, o risco de não receber é muito alto.?

Na avaliação do economista Marcel Solimeo, da Associação Comercial de São Paulo, os altos índices de inadimplência registrados no início do Plano Real acabaram funcionando como um doloroso aprendizado. ?Muita gente sumiu do mercado por causa de prejuízos com golpes?, diz Solimeo. Uma prova de que as empresas estão mais cuidadosas, observa, é a redução nos prazos de financiamento. Atualmente, as vendas no varejo têm prazo médio de cinco meses, contra até nove meses em 1996. Mesmo assim, o fantasma do calote continua assombrando o mercado. ?O lojista já sabe: inadimplência de mais de 30 dias é atraso de pagamento. Com mais de 180 dias é prejuízo mesmo?, resume Solimeo.