No clássico do cinema Os Caça-fantasmas, de 1984, uma equipe de cientistas sai em busca de assombrações que perambulam pelas ruas de Nova York. Para isso, eles se equipam com uma super mochila – que mais parece um aspirador de pó pra lá de esquisito – na tentativa de capturar os espectros. No mundo real, a Tencent, empresa chinesa que é dona do WeChat, aplicativo de mensagens com mais de 900 milhões de usuários, está tentando provar que não precisa de uma bugiganga dessas para ter o seu próprio fantasma. Avaliada em US$ 487,8 bilhões e com dinheiro de sobra para gastar, a companhia comandada por Ma Huateng comprou 12% de ações do Snapchat e pode ajudar a rede social de fotos e vídeos efêmeros, conhecida pela imagem de um fantasminha, a conseguir algo que poucas companhias tecnológicas conseguiram até hoje: vingar na Ásia.

As ações compradas pelos chineses por US$ 2 bilhões não dão direito a um lugar à mesa do Conselho de Administração. Porém, dizem os investidores, com segundas intenções, o objetivo é aproximar as duas companhias para que, em um futuro, elas possam se ajudar. “O investimento permite à Tencent explorar oportunidades de cooperação com o Snapchat na publicação de jogos para celular e notícias”, diz a nota da companhia asiática. Além de comandar o WeChat, uma espécie de WhatsApp chinês, a Tencent é também responsável pelas plataformas de jogos Riot Games e Supercell. A primeira, fundada nos Estados Unidos em 2006, foi comprada em 2011 por US$ 400 milhões e é a responsável pelo game League of Legends, com mais de 100 milhões de usuários. A segunda, finlandesa nascida em 2010, foi adquirida do banco japonês Softbank em junho do ano passado, por US$ 10,2 bilhões. A Supercell é famosa pelos jogos para celular Clash of Clans e Clash Royale e também tem aproximadamente 100 milhões de jogadores.

Já o Snapchat, criado em setembro de 2011, foge à regra das aquisições do grupo chinês, que foca em empresas em ascensão. O sucesso da startup como negócio tem se mostrado tão efêmero quanto as fotos e os vídeos publicados por seus usuários – que são apagados pelo sistema em até 24 horas após a publicação. O que fez com que a rede social criada por Evan Spiegel perdesse atratividade foi a facilidade com que seus concorrentes copiaram seus recursos. O principal deles, o Facebook, de Mark Zuckerberg, já havia tentado comprar a rede, em 2013, por US$ 3 bilhões, o triplo do que havia pago na aquisição do Instagram, no primeiro semestre daquele ano. Spiegel, hoje com 27 anos, declinou da proposta e fez do Snap um fenômeno mundial. Entretanto, em agosto de 2016, Zuckerberg lançou um duro golpe, que tem feito a empresa sangrar dia após dia. O mesmo recurso que permite fotos e vídeos desaparecerem do Snapchat foi inserido no Instagram, a principal rede de compartilhamento de fotos, em agosto de 2016. Posteriormente, WhatsApp, Messenger e o próprio Facebook também incorporaram o recurso. “O Snapchat conseguiu mostrar que o Facebook era vulnerável”, avalia Rob Enderle, presidente da consultoria americana Enderle Group. “O problema foi que eles não conseguiram se consolidar antes de o Facebook responder.”

Mercado agitado: Em 2013, Mark Zuckerberg (acima) tentou comprar o Snapchat por US$ 3 bilhões. Fundador da rede social de fotos e vídeos, Evan Spiegel (abaixo) rejeitou a oferta e hoje sua empresa vale US$ 15 bilhões (Crédito:Robert Galbraith/Reuters)

Em pouco tempo, as coisas saíram dos trilhos para a rede social do fantasminha. Dados da empresa de pesquisas alemã Statista mostram que em abril deste ano, o concorrente Instagram Stories tinha 200 milhões de usuários diários, contra 166 milhões do Snapchat. Foi a primeira vez que a liderança das redes sociais focadas em fotos e vídeo se inverteu. E isso, é claro, acabou impactando os resultados financeiros. Em março, a Snap Inc. realizou sua Oferta Pública Inicial de ações (IPO, na sigla em inglês), arrecadando US$ 3,4 bilhões, que fez a empresa ser avaliada em US$ 20,4 bilhões. Porém, os papéis, que no lançamento saíram de US$ 17 para US$ 27,09, derreteram desde então. Hoje, as ações do Snapchat são vendidas por volta de US$ 12,50 cada, uma queda de quase 54% em relação ao pico. Atualmente, a companhia vale US$ 15,1 bilhões. “Abrir capital foi uma escolha errada”, avalia Roger Kay, analista da consultoria americana Endpoint Technologies. “Eles não conseguiram o capital de receita que esperavam e precisavam.” No terceiro trimestre deste ano, o Snapchat registrou um prejuízo de US$ 443 milhões. Somado a isso, o Instagram Stories dominou o segmento com mais de 300 milhões de usuários, enquanto o Snap estacionou em 178 milhões.

Com a ajuda da Tencent, essa história pode mudar. Os investimentos da empresa chinesa ajudariam o Snapchat a conquistar um mercado que nenhuma rede social ocidental conseguiu: o chinês. Bloqueados por restrições impostas pelo governo local, Facebook, Twitter e o próprio Snapchat ganharam clones chineses que fazem sucesso no país, como o microblog Weibo e o site RenRen, que têm 340 milhões e 240 milhões de usuários, respectivamente. O futuro dirá se o fantasma do Snapchat ganhará vida na China.