Durante as gestões dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rouseff a Petrobras, que ganhou nesse período uma visibilidade mundial, foi usada como parte de um esquema que envolvia troca de favores que mais atendiam o interesse político de seus mandatários do que o mercado, e o resultado foram escândalos de corrupção e diminuição da credibilidade de seus dirigentes. Na seqüência, a entrada de Michel Temer fez com que a empresa olhasse apenas para o mercado, visando unicamente recomposição de preços junto ao cenário internacional, e o resultado foi uma ebulição interna, orquestrada por caminhoneiros que parou, em 2016, o País por 11 dias. Agora, sob o comando de Jair Bolsonaro, a empresa parece flertar com a pior parte das duas formas de gerenciamento da estatal dos últimos anos. Enquanto o presidente flerta com a interferência nos preços para acalmar a demanda doméstica, a estatal coleciona quedas consecutivas na Bolsa de Valores, vende refinarias por menos do que elas valem e deixa de aproveitar a alta mundial do preço do barril.

Ainda que o presidente Bolsonaro tenha afirmado que não haverá insurgência nos preços praticados, a incerteza fez com que a companhia não conseguisse aproveitar a alta do petróleo como seus pares internacionais, uma vez que o preço do barril bateu, pela primeira vez desde janeiro do ano passado, a marca dos US$ 60. Na terça-feira (2) as ações da Petrobrás (PETR3;PETR4) subiram 4,1% com a sinalização de autonomia na prática dos preços, mas a alegria durou pouco. Na sexta-feira (5) com a informação de que a empresa havia mudado sua política de precificação em junho de 2020 sem informar o mercado, a sensação de incerteza voltou a crescer. Na segunda-feira (8) as ações caíram 3,14%, na terça-feira (10) a queda foi de 2,03, levando a petroleira ter uma desvalorização, nos últimos 30 dias, de 10,4% nas suas ações preferenciais (PN). Na quarta-feira, depois de declarações de Bolsonaro sobre “Não ter como fazer qualquer tipo de interferência na estatal”, as ações tiveram leve reação, conseguindo fechar próximo de 1%, mas não foi o bastante para tirar do mercado a sensação de que nem tudo está claro sobre a precificação do petróleo no Brasil.

O argumento da estatal é que não houve necessidade de avisar o mercado sobre a mudança na precificação inserida em junho passado porque isso não mudaria a forma como se compõe a precificação final. Essa explicação, no entanto, não bastou para analistas financeiros, e o reflexo disso foi sentido na quarta-feira (10) quando a empresa confirmou venda da refinaria baiana Rlam por US$ 1,65 bilhão, valor que, pelas contas do banco BTG, é 35% menor do que valeria o ativo.

Na avaliação do professor do Grupo de Economia da Energia (GEE), do Instituto de Economia da UFRJ, Helder Queiroz, a prova de que os investidores estão receosos foi esta venda. Ele completa que o timing para o negócio não foi dos melhores, “nesse momento de crise não é perspicaz se desfazer de ativos de grande porte, como refinarias”. No entanto, a petroleira já havia se comprometido com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a se desfazer de 8 das suas 13 refinarias e manter apenas as instaladas na Região Sudeste do País até o final deste ano. Até agora, a única vendida foi a Rlam, para um dos fundos de investimento dos Emirados Árabes, o Mubadala. Para o analista da Ativa Investimentos, Ilan Arbetman, correndo contra o tempo, a tendência é que a empresa tenha pressa em fechar o negócio, o que pode contribuir para reduzir ainda mais o valor pago pelas refinarias, tanto que, segundo a Petrobras, outro ativo à venda, a refinaria de Repar, no Paraná, não recebeu nenhuma proposta satisfatória. A estatal, por meio de sua assessoria de imprensa, respondeu, que negócios só são aprovados se atenderem às premissas próprias e de assessores financeiros independentes.

RUÍDOS Enquanto o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, tentou colocar panos quentes nas recentes falar do presidente Jair Bolsonaro no sentido de baratear o combustível para evitar um conflito com os caminhoneiros, algum estrago já havia sido feito. Segundo a própria companhia, pode demorar até um ano para que a empresa consiga se alinhar ao mercado internacional e repassar altas na cotação do petróleo aos seus clientes. A ex-diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e pesquisadora da FGV, Magda Chambriard, ressalta que o mercado já está colocando o preço dos riscos. “No Brasil as ideias mudam de uma hora para outra. Os investidores têm isso muito claro. Quem vem para o Brasil precifica o risco”, disse.

Para tentar mitigar os ruídos, o conselho de administração da Petrobras garantiu em nota que está alinhado com o presidente da companhia, Roberto Castello Branco, e entende que a política de preços não sofreu alterações. Em condição de anonimato, um acionista minoritário das Petrobras afirmou que a regra que permite à empresa praticar preços de gasolina e diesel acima ou abaixo da paridade de importação durante determinado período, desde que essa diferença “seja mais do que compensada” posteriormente dentro do prazo previsto não fere a liberdade da empresa na precificação e seu caráter autônomo. Ainda assim, ele ressaltou que o conselho não participa diretamente da elaboração da política de preços, mas tem espaço para cobrar posicionamentos durante a apresentação dos resultados financeiros da companhia. Mesmo com discursos alinhados na teoria, na prática, a Petrobrás opera sob pressões distintas, que ao tentar puxar a companhia para sentidos opostos, faz com que ela não saia do lugar.