Parece coisa de adolescente. O grupo se autodenominava “Tatu Tênis Clube”. Eles se reuniam desde 1998, mas o apelido só veio em 2004, quando novos integrantes foram adicionados. Só que os “tatus” em questão não estavam praticando esportes ou desfrutando das benesses de algum clube de campo elitista. Na verdade, o tal “clube” era composto por empreiteiras, que se uniram para formar um cartel e controlar grandes obras de infraestrutura, notadamente de metrôs e rodovias, em sete Estados brasileiros. Durante mais de uma década, as maiores construtoras do País combinaram licitações, negociaram valores e cooptaram funcionários públicos. Os prejuízos ao erário ainda serão contabilizados, mas pelo menos um governo, o de São Paulo, promete cobrar pelos danos. “Fixado o critério e obtido o valor exato, o Estado entra com as ações e promove tudo o que for necessário para ser ressarcido”, afirmou Elival da Silva Ramos, procurador-geral de São Paulo.

TATUZÃO: Marcelo Odebrecht deixa a prisão; na foto maior, obras da linha 5 do metrô de São Paulo, um dos projetos afetados pelo cartel (Crédito:Werther Santana)

O caso veio à tona após duas construtoras, Camargo Corrêa e Odebrecht, fecharem acordos de leniência com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e o Ministério Público Federal (MPF), divulgados no fim de dezembro. As investigações são um desdobramento da Operação Lava Jato. As duas empresas revelaram que, de 1998 a 2014, participaram de um esquema para determinar o resultado de quase 30 licitações públicas. Entre as obras afetadas, estão a do Rodoanel Mário Covas, em São Paulo, e dos metrôs de Fortaleza, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, além do monotrilho da capital paulista. “Por meio das leniências, a empresa e as pessoas físicas signatárias confessaram a participação na conduta”, afirmou o Cade, em nota. Em agosto, foram instaurados inquéritos administrativos. As companhias estão sujeitas a multas de até 20% do seu faturamento e os executivos, a penalidades que variam de R$ 50 mil a R$ 2 bilhões.

Além de Camargo e Odebrecht, o esquema envolvia quase duas dezenas de companhias. O cartel se desenvolveu em duas fases. Na primeira, entre 1998 e 2004, as duas signatárias, juntamente com a Andrade Gutierrez, formaram as bases da prática anticompetitiva, dividindo entre si grandes projetos. Numa segunda etapa, entraram no grupo a OAS e a Queiróz Galvão – a partir de então, surgiu o nome “Tatu Tênis Clube”. Segundo o Cade, um documento apreendido na 23ª fase da Lava Jato mostrava as regras de organização do cartel. “Para obter uma licitação com termos de qualificação mais restritivos, essas empresas financiavam em conjunto estudos de viabilidade ou mesmo a elaboração do projeto-base para futuras obras como moeda de troca com governos locais”, diz o órgão antitruste. Numa terceira fase, sob os impulsos proporcionados pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), entraram no esquema construtoras de menor porte, como Carioca, Constran, Construbase e Sobrenco, entre outras.

O barulho do governo paulista em relação ao caso tem um motivo: o cartel das construtoras gera um risco para a candidatura do tucano Geraldo Alckmin, atual governador paulista, à Presidência da República, no próximo ano. O Estado de São Paulo é comandado pelo PSDB há duas décadas. O cartel atuou durante os governos de Alckmin (2004-2006), José Serra (2007-2010) e Alberto Goldman (2010). Para amenizar os prováveis ataques da oposição, a ideia dos tucanos é posicionar o governo paulista como vítima do esquema. As próprias construtoras, que agora saíram da toca, admitem a disposição de indenizar as autoridades competentes, nos termos dos acordos a serem pactuados com elas. Falta definir os valores. No momento, os paulistas falam em R$ 60 milhões, mas as construtoras estariam tentando algo entre R$ 30 milhões e R$ 50 milhões. Em nota, a Odebrecht afirmou que está colaborando com a Justiça e que “já reconheceu seus erros, pediu desculpas públicas e está comprometida em combater e não tolerar a corrupção.” Procurada, a Camargo Corrêa não respondeu aos questionamentos da DINHEIRO.

A divulgação do acordo acontece na mesma semana em que Marcelo Odebrecht, herdeiro da construtora preso há mais de dois anos, deixou a cadeia para cumprir prisão domiciliar. Pelos próximos 30 meses, ele ficará retido em sua casa, localizada num condomínio de luxo no bairro do Morumbi, em São Paulo – no qual uma residência chega a custar R$ 50 milhões. A saída de Marcelo do cárcere é considerada um momento emblemático para a Lava Jato, que pode estar se encaminhando para o seu final. Entre críticas, sabotagens e o culto ao seu principal arquiteto, o juiz Sérgio Moro, a operação segue cumprindo seu papel e chega, agora, ao seu 14º acordo de leniência no âmbito do Cade. Nada mais será como antes.