Uma das características da indústria alemã, a qual gosta de propagandear à comunidade internacional, é a sua eficiência. Grandes conglomerados como Siemens, Bayer, Volkswagen e Basf se espalharam pelo mundo durante o século 20, e se tornaram potências, por fazerem apostas certeiras. Geralmente bem criteriosas nos investimentos, as empresas alemãs poucas vezes dão passos audaciosos que depois precisam ser revertidos. Por isso, o investimento de € 5,2 bilhões da Thyssenkrupp para a construção da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), no Rio de Janeiro, em 2006, é considerado na Alemanha um dos piores negócios já realizados por uma companhia germânica.

Não demorou muito para identificar que a iniciativa era um problema – ou melhor, uma série de problemas. Atraso no cronograma de obras, um fornecedor chinês de coques que não conseguiu dar conta do projeto, impactos ao meio ambiente – a ponto de criar uma nuvem de poeira de grafite na baía de Sepetiba –, aumento no custo da mão de obra, perda de valor do real diante do dólar e, para completar, uma crise econômica global somada à superoferta de aço no mundo, o que causou uma queda do preço da commodity para metade do seu valor. Dessa forma, a CSA começou a operar de forma deficitária assim que foi inaugurada, em 2010.

Mas, como manda a cartilha alemã, a Thyssenkrupp, uma empresa com faturamento de € 40 bilhões, resolveu não ficar olhando para o passado. Melhor amargar o prejuízo do que permanecer amarrada a uma bomba. A dificuldade foi conseguir uma oferta considerada justa pelo negócio, que se tornou um buraco do qual a Thyssenkrupp só conseguiu sair agora. No mês passado, depois de deixar a CSA à venda por quase cinco anos, a empresa alemã enfim conseguiu negociá-la com a argentina Ternium, por € 1,5 bilhão, incluindo dívidas de € 300 milhões com o BNDES. Muito abaixo do valor investido. Ainda mais se for contabilizado o que a companhia também gastou com uma laminadora no Alabama, nos EUA, que integrava o projeto.

O investimento nas duas plantas somou € 12 bilhões. O objetivo era fornecer do Brasil placas de aço que seriam laminadas nos EUA, para vendê-las ao setor automobilístico. A unidade americana, no entanto, foi negociada com mais facilidade, já em 2013, para uma joint venture entre a indiana ArcelorMittal e a japonesa Nippon Steel & Sumitomo Metal. “Se olharmos pela perspectiva de hoje, a análise fica muito diferente do que era pensado 10 anos atrás”, diz Giovanni Pozzoli, diretor financeiro da Thyssenkrupp, que acumula interinamente a função de CEO para América do Sul desde agosto. “Num projeto de longo prazo, pode ser necessária uma revisão de estratégias.”

Pozzoli, CEO: “a saída da CSA vai fortalecer os outros negócios no Brasil”
Pozzoli, CEO: “a saída da CSA vai fortalecer os outros negócios no Brasil” (Crédito:Divulgação)

Livrar-se das siderúrgicas nas Américas foi uma das bandeiras do CEO global, Heinrich Hiesinger, que assumiu em 2011. Ele propõe uma transformação que visa diversificar mais os negócios. “A saída da CSA representa um fortalecimento das cinco áreas em que atuamos, nos voltando a bens de capital e serviços, que dão maior margem de lucro”, afirma Pozzoli. Como parte do plano, o escritório de São Paulo agora serve como base dos negócios do México à América do Sul. Essa estrutura promete integrar melhor as diferentes divisões, que, sem a CSA, contemplam tecnologia de componentes, como rolamentos industriais e sistemas para automóveis; elevadores; soluções industriais, que incluem serviços para mineradoras e cimenteiras; e serviços de materiais, tanto ferrosos como baseados em carbono e plástico, incluindo uma unidade de fornecimento de peças para a Embraer.

Das cinco divisões globais, apenas uma não possui fábrica no Brasil, a de distribuição de materiais especiais, como aço magnetizado. Ao abrir mão da CSA, a Thyssenkrupp passa a ter 11 fábricas no País. O número de empregados cairá de 13 mil para 9 mil pessoas, e a receita, de € 2,3 bilhões (R$ 8,4 bilhões) para € 900 milhões (R$ 3,3 bilhões). Com isso, a atenção poderá se concentrar na meta de crescer, nos negócios restantes, acima do PIB. Nos últimos dois anos, a empresa investiu R$ 450 milhões nas operações locais. Cerca de R$ 100 milhões foram para uma fábrica de tampas de cabeçotes para motores automotivos, em Poços de Caldas (MG). Houve ainda a automatização da metalúrgica em Campo Limpo Paulista (SP) e a duplicação da produção de elevadores, em Guaíba (RS). Pela frente, ainda será erguido um centro de serviços de maquinário pesado próximo da Serra de Carajás, no Pará, para atender às mineradoras locais.

A siderurgia está fora dos planos. Com boa razão. “Estamos na maior crise da história da siderurgia no País”, diz Marco Polo Lopes, do Instituto Aço Brasil. Outro movimento que indica essa fraqueza de mercado foi feito também em fevereiro, quando a Votorantim negociou a divisão de aços longos com a ArcelorMittal. “A venda dessas empresas é um sinal de falta de vigor do setor, que trabalha com 40% de ociosidade” afirma Carlos Jorge Loureiro, presidente do Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço. E os problemas não estão restritos ao Brasil. Existe uma capacidade instalada mundial de 2,4 bilhões toneladas por ano, enquanto o nível de produção está em 1,6 bilhão. Segundo a consultoria EY, isso significa um excesso de 350 milhões de toneladas por ano. E o pico de consumo mundial já pode ter ficado para trás. Por conta desse futuro negro para o setor, Hiesinger tem costurado um plano para combinar as siderúrgicas da Thyssenkrupp na Europa com as da indiana Tata Steel. Afinal, a empresa não pretende nunca mais se deparar com um novo buraco do tamanho da CSA.

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