Ao assumir o negócio que seu pai havia iniciado, Alexander Walker ELEVOU ao status de potência global um uísque escocês até então conhecido apenas regionalmente. Fez isso contratando capitães de navios como agentes para transportar a bebida por todo o planeta. A famosa garrafa quadrada (para diminuir as quebras) e o rótulo inclinado (para se destacar dos demais) foram outras inovações da marca de 202 anos, a mais conhecida e consumida no mundo. Arthur Guinness usou de toda sua determinação e capacidade inventiva para fechar um contrato de arrendamento por 9 mil anos — sim, 9 mil anos — de uma antiga cervejaria abandonada em Dublin, na Irlanda. Começava ali, em 1759, há 263 anos portanto, a história da cerveja escura que detém 80% do mercado mundial de sua categoria atualmente. Charles Tanqueray precisou testar 300 fórmulas até chegar ao equilíbrio ideal do zimbro raiz de angélica, semente de coentro e alcaçuz para criar o inconfundível gim que leva seu nome, lançado 182 anos atrás na Inglaterra. Em comum, esses três relatos envolvem talento empreendedor, criatividade e entendimento do consumidor para construir suas histórias.

Esses atributos são preservados pela britânica Diageo, dona das marcas Johnnie Walker, Guinness, Tanqueray e outras 200 (entre elas Smirnoff, Cîroc, Baileys, Gordon’s e a brasileiríssima Ypióca), para manter a liderança global em bebidas alcoólicas premium. A companhia brinda agora o retorno da performance aos patamares pré-pandemia. No ano fiscal de 2021, encerrado em 30 de junho do ano passado, bateu 12,7 bilhões de libras (cerca de US$ 16 bilhões) em faturamento, aumento de 8,3% em relação a 2020. No Brasil, os números são ainda mais relevantes: 62% de alta nas vendas totais em 2021 e 27% nos seis primeiros meses de 2022, o que contribuiu para a região da América Latina e Caribe crescer 15% e 45%, nos períodos respectivos. São os melhores números da empresa em relação a outras regiões. Reflexo da tendência do brasileiro pelo consumo de destilados mais conceituados e melhor distribuição dos produtos.

VAI MAIS UMA DOSE Adquirida pela Diageo em 2012, a marca Ypióca tem ganhado espaço. Está em construção uma nova fábrica da cachaça no Ceará. (Crédito:Divulgação)

“O Brasil é uma plataforma de crescimento em que a gente tem muito a prover em termos de educação e experimentação de nossas marcas. A expectativa é grande por mais consumo”, afirmou à DINHEIRO Paula Lindenberg, presidente da Diageo para Brasil, Paraguai e Uruguai, posto que assumiu em janeiro. O desempenho mostra que os consumidores do País tropical, cujo mercado de bebidas com álcool é dominado pela cerveja, começam a tomar mais gosto pelos destilados, a exemplo do que ocorre na Europa e nos Estados Unidos, em que o poder aquisitivo da população é mais alto e o consumo dessas bebidas é solidificado pela cultura de décadas a fio. A pandemia ajudou nesse processo. Os drinks que eram pedidos em bares e restaurantes passaram a ser consumidos em casa. Com a reabertura do comércio, o hábito de consumo de destilados passou a ser feito nos dois locais, no lar e nos estabelecimentos. “O Brasil começa essa trajetória. Com mais venda disponível, mais familiaridade junto a categorias e produtos e mais abertura de mercado, o percentual de destilados tende a aumentar”, disse a executiva, que foi por três anos presidente da AB Inbev para Reino Unido, Espanha, Irlanda e Ilhas Canárias. Com 17 anos de Ambev, ela saiu da cervejaria em 2018 como vice-presidente de marketing.

MOVIMENTO SAUDÁVEL Dados da consultoria Nielsen colocam uma dose a mais no copo da Diageo. No Brasil, de março de 2021 a fevereiro deste ano, a categoria de cerveja em geral cresceu 3,1% e a de cerveja mainstream caiu 1,1%, ante o mesmo período anterior. Enquanto isso, o mercado de premium beer, em que está inserido a Guinness, cresceu 17%. Já a categoria de uísque cresceu 22% e a de gim, 29%. “O gim passou a ser alternativa de refrescância ao consumidor que busca algo mais especial, além de ser representante do movimento mais saudável do consumo de bebidas alcoólicas”, afirmou Lindenberg. Ela é fã declarada da bebida e de celebrações regadas a marcas da Diageo.

FORMAÇÃO PROFISSIONAL Bianca Lima passou pelo curso do Instituto Diageo e tornou-se a melhor bartender do Brasil em 2021. (Crédito:Divulgação)

Essa curva positiva faz a companhia britânica olhar para o País com viés estratégico. A atual operação é formada por escritórios em São Paulo (SP) e Fortaleza (CE), centros de distribuição em Pouso Alegre (MG), Itajaí (SC), Maracanaú (CE), Jundiaí (SP) e Jaboatão (PE) e uma fábrica da cachaça Ypióca na capital cearense, além da produção da vodca Smirnoff em Jundiaí, por um parceiro. Agora, a empresa investe R$ 100 milhões em uma nova unidade em Itaitinga, cidade da região metropolitana de Fortaleza, para aumentar a produção da Ypióca, a qual detém a propriedade desde 2012 — a marca lendária existe há 176 anos. É possível que o uísque escocês Black & White seja envasado no local, mas a Diageo não confirma. Apenas pontua que o time global avalia o envase ou produção de novos itens em cada planta que o grupo detém pelo mundo.

A Diageo tem usado o mercado brasileiro como um hub de experimentos. O consumidor tupiniquim tem se destacado pela disposição em ampliar o paladar. É o que mostra o estudo da consultoria IWSR, referência em análises do mercado de bebidas alcoólicas, que coloca os brasileiros em segundo lugar no ranking mundial entre os que mais degustaram novos produtos e marcas no primeiro semestre de 2021. Ficamos atrás apenas dos chineses e à frente dos americanos, russos e italianos, que formam o top 5 da pesquisa.

Um mercado atraente, com potencial de crescimento. Ingredientes que permitem à Diageo experimentar novas fórmulas. Curitiba é uma das poucas cidades-piloto ao redor do mundo em que um novo produto da Diageo está disponível: o Johnnie Blonde, um uísque versátil feito especialmente para coquetelaria. Produzida na escócia, combina com bebidas gaseificadas e frutas. Tem atraído os amantes de drinques. “Principalmente mulheres e jovens adultos”, disse Paula. Sondagens da Diageo apontam que o Johnnie Blonde superou as expectativas de 96% daqueles que o provaram. “É uma forma de atrair novos consumidores e facilitar a entrada deles na categoria. Os testes estão sendo bem-sucedidos”, disse a executiva, ao ressaltar que a novidade será uma das apostas para o próximo verão – de dezembro a março. Está sendo preparada campanha para lançamento nacional do produto. Outras jogadas da Diageo no mercado brasileiro são a Smirnoff Infusions, com menor graduação alcoólica, o Gordon’s Tonic, gim-tônica pronto para beber, e o Ketel One Botanical, que não é nem uma vodca nem um gim. Trata-se de um destilado feito com produtos botânicos e infundido com essências naturais de frutas.

Para auxiliar os consumidores a fazerem seu próprio coquetel, a Diageo evoluiu seu portal The Bar, que além de funcionar como e-commerce oferece muitas receitas de drinques com suas marcas. Para Eduardo Tomiya, consultor de branding e marketing estratégico, o movimento da Diageo é positivo para o grupo. “Só tradição não basta. É preciso atender às necessidades dos consumidores, entrar em novas categorias, criar experiências e pontos de contato”, afirmou.

BAR ACADEMY Se tem buscado novos consumidores, a companhia também tem formado bartenders e aperfeiçoado o trabalho dos empreendedores do setor de bares e restaurantes. O Diageo Bar Academy foi lançado em 2011 para fornecer treinamento credenciado para profissionais do setor, desde um nível básico de base até padrões avançados. Há também o Learning for Life, curso gratuito de formação de bartenders do Instituto Diageo, direcionado a pessoas em situação de vulnerabilidade. Por lá passaram 21 mil alunos. Entre eles Bianca Lima, que lá aprendeu a alquimia dos drinques em 2019. Ela venceu a etapa nacional do World Class Competition e sagrou-se a melhor bartender do Brasil em 2021. Na etapa mundial ficou entre as finalistas. Nesse coquetel de tradição e espírito pioneiro, a Diageo brinda um futuro de possibilidades.