Um brasileiro de sotaque caipira, português trôpego e jeito folclórico, a ponto de inspirar a criação do personagem Sinhozinho Malta, da novela Roque Santeiro, da TV Globo, foi o primeiro a conquistar na Austrália o ouro para o País. Os atletas brasileiros que disputam os Jogos de Sydney a partir do dia 15 vão ouvir falar deste precursor. O conterrâneo milionário é Sebastião Ferreira Maia, o ex-boiadeiro Tião Maia, o barão do gado australiano. O pecuarista desembarcou do outro lado do mundo em 1976 e na década de 80 fez fortuna. Tornou-se dono de 1 milhão de hectares da Austrália e 65 mil cabeças de gado vigiadas, não a cavalo, mas de helicópteros, estilo importado do Texas. Hoje Tião Maia, aos 83 anos, está de volta ao Brasil. Delegou ao sobrinho Aramis Patti Maia, de 51 anos, o comando de seu império, as fazendas Lawn Hill, um colosso adquirido por US$ 3,3 milhões à vista, e Julia Creek, de 136 mil hectares. Passou as rédeas também de seus empreendimentos em Las Vegas, nos Estados Unidos. O maior é um conjunto residencial avaliado em US$ 20 milhões. Ali, é dono também de condomínio de apartamentos batizado de Copacabana. É uma homenagem aos bons tempos em que passeava na praia carioca ao lado da então esposa, a Miss Beleza Internacional, Maria da Glória Carvalho, trinta anos mais moça. Mas o bem-sucedido vaqueiro foi forçado, pela saúde precária, a largar a boiada. Vítima de aneurisma cerebral que afetou sua memória, Tião Maia vive recluso, na companhia de enfermeiros, em confortável apartamento na rua Piauí, no tradicional bairro de Higienópolis, em São Paulo. Passa os dias em longas sessões de fisioterapia e fonoaudiologia, uma rotina triste, mas necessária para restituir o vigor do mineiro de Passos.

O personagem que inspirou escritores de novelas, agora escreve um capítulo dramático de sua vida. Casado quatro vezes, tem cinco herdeiros diretos, os irmãos, dois homens e três mulheres. Ao adoecer, ele não fez seu testamento.

Como na narrativa novelesca, o suspense aumenta diante da indefinição sobre o destino de sua fortuna. Amigos e familiares contam que não há sinais de conflitos entre os herdeiros. Ele ainda se reserva o direito de ter o berrante em mãos. Em outras palavras, é ele quem manda. Ainda hoje Tião Maia é referência no País de empreendedor tenaz e bem-sucedido. ?Ele sempre teve muita visão e a capacidade de fazer sucesso dentro e fora do Brasil?, diz o amigo Olacyr de Moraes, por muito tempo o rei da soja internacional.
A trajetória deste milionário é de valentia e ousadia. Primário incompleto, sem domínio da língua inglesa, tinha a habilidade de desfilar nos salões da política e dos negócios com o mesmo desembaraço com que cavalgava nas suas terras. O barão do gado australiano era amigo e sócio de presidentes como João Goulart e Juscelino Kubitscheck e de ministros como Santiago Dantas. É amigo do comandante Rolim Amaro, da TAM, de quem chegou a ser sócio nos primeiros anos da companhia aérea. Sua convivência com o poder conta com lances pitorescos. Elaborou para presidentes da República planos de abastecimento de carne no mercado nacional. Mas nunca ocupou um cargo público.

 

Foi justamente a proximidade com o poder que alimentou amores e ódios em sua vida. Depois do golpe militar de 1964, foi preso por dezesseis dias, apontado como subversivo por causa de sua ligação com João Goulart. Mas confronto maior viria depois. Em 1975, quando o Brasil enfrentava problemas no abastecimento de carne, o governo decidiu punir vários frigoríficos. Tião Maia despontava como o personagem ideal. Famoso, jeito caipira, rico, presente nas colunas sociais, seria o bode expiatório perfeito. O ministro da Fazenda da época, Mario Henrique Simonsen, determinado a combater a inflação, relacionou empresas acusadas de cometer abusos de preços. A de Tião Maia figurava no alto da lista. De acordo com o ministro, ele infringiu a lei e, por isso, foi punido. O episódio modificaria irremediavelmente o destino do ex-boiadeiro. Ele fechou as porteiras de suas fazendas no País e partiu para um mundo desconhecido, o da Austrália. Desembarcou ali sozinho, com alguns milhões de dólares nos bolsos, mas sem falar uma palavra da língua inglesa. Viajou por seis meses e começou a comprar as terras que lhe dariam a verdadeira fortuna. ?Olhei aquele céu azul e pensei: o que estou fazendo aqui??, declarou ele, na ocasião. Mas o vaqueiro sabia. Estava na Oceania, continente dos pastos que abastecem os mercados dos Estados Unidos e do Japão. Boi lá vale em dólar.

 

O jeito de Tião Maia assustou, inicialmente, as maiores autoridades da Austrália. Tinha como estratégia unir pequenas fazendas em uma grande propriedade. Primeiro comprou Lawn Hill e depois Julia Creek, no Estado de Queensland. Acostumado a comprar terras no Brasil, sem alarmar ninguém, foi chamado na Austrália pelo governador para dar explicações. ?Por que num momento de crise, em que ninguém na Austrália acredita na pecuária, um brasileiro vem para cá e compra uma propriedade tão grande??, quis saber o governador. ?O preço da carne vai subir daqui para frente?, respondeu Tião Maia. Estava absolutamente certo e fez fortuna com esta aposta. Mas ouviu uma reclamação da autoridade: ?Nós acabamos de fazer uma reforma agrária aqui. Você vai desmanchar tudo.? Recomeçar, aos 60 anos, não foi tarefa fácil para o vaqueiro.

 

Do outro lado do Pacífico, novas apostas mais altas, porém divertidas. Em Las Vegas, onde tinha negócios, Tião Maia sacudia a poeira e assumia o lado Sinhozinho Malta. Chapéu de vaqueiro na cabeça, cruzava as ruas no volante de um Rolls Royce, ao lado de belas mulheres. Em sua elegante casa, dormia num quarto de cem metros quadrados e com inúmeros equipamentos eletrônicos comandados da cama. Juntava a tudo isso, a irreverência do brasileiro, ao aparecer nos cassinos de bermuda. Um de seus companheiros de festa era o empresário Ciro Batelli, compatriota que vive em Las Vegas. ?Íamos a um restaurante e o Tião, invariavelmente, pedia ?steak and eggs?, porque era fácil de pronunciar?, conta o amigo, padrinho de casamento do pecuarista com a americana Traci. Agora, o folclórico Sebastião Ferreira Maia vai estar na torcida, no Brasil, quando a tocha olímpica abrir os jogos de Sydney. Vai comemorar cada vitória com a alegria de quem primeiro subiu ao pódio na Austrália.