Enquanto os países emergentes pisaram fundo no acelerador na última década e cresceram, em média, 2,5% ao ano, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil apresentou retração anual de 0,2%. No recorte mundial, incluindo países que atravessaram guerras e desastres naturais no período, o crescimento médio a cada 12 meses ficou em 0,4% ao ano, segundo estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) com base nos números do Fundo Monetário Internacional (FMI). E para que o Brasil conquistasse essa triste marca o caminho foi longo, com a passagem de vários presidentes, crises e erros colossais vindos do início do milênio, mas que perpetuam a alcunha brasileira de nação do voo de galinha.

Para chegar aos números, a FGV usa o PIB per capita calculado pela Paridade do Poder de Compra (PPC), uma medida que torna possível a comparação direta dos países, já que exclui o efeito do câmbio nas moedas nacionais. Na avaliação de Claudio Considera, um dos pesquisadores por trás do estudo, foram os sucessivos erros que levaram o Brasil a registrar uma nova década perdida, mas os cinco últimos anos foram particularmente cruéis. “São três anos de recessão mais um ano de pandemia, que desligou a economia.”

O PIB per capita, que é a soma de tudo o que país produz dividido pelo número de habitantes, é uma importante ferramenta para avaliar o crescimento real de uma nação, já que ele só sobe quando a economia avança em um ritmo maior que o aumento da população. Segundo a FGV, ainda que a queda média de -0,2% ao ano pareça irrisória, quando comparamos o início e o fim da década, a renda anual per capita cai de US$ 14.931,10 para US$ 13.777,44, tombo de 7,7% entre 2010 e 2020.

Frederico Ricca, doutor em macroeconomia pela Universidade de Brasília (UnB) e único professor da América Latina na London School of Business and Finance, na Inglaterra, entende que o erro do Brasil na condução da economia antecede 2010 e os dados refletem decisões tomadas no início dos anos 2000. “Com a estabilização do real, a política econômica brasileira se apoiou em buscar crescimento sem combater os problemas estruturais da sociedade”, disse. De acordo com o acadêmico, em economias bem-sucedidas que passaram por reestruturação similar (como China, Coreia do Sul e Índia), houve uma reunião de esforços para sanar suas principais vulnerabilidades.

Exemplo disso são China e Índia, que investiram alto em desenvolvimento de tecnologia, reforço industrial e pesquisa para manter ocupada grande parte da mão de obra dos países com as maiores densidades populacionais. Na Coreia do Sul, a alta dependência econômica da China foi contornada com o desenvolvimento de hubs que hoje são referência na exportação de produtos de maior valor agregado.

Ainda que na última década a recessão iniciada em 2014 tenha prejudicado bastante o desempenho do País, fatores além da condução econômica doméstica afetaram o PIB. Rodrigo Soares, professor titular da cátedra Fundação Lemann no Insper, ressalta que “essa turbulência toda foi combinada com o choque negativo das commodities, que derrubaram os preços no Brasil”. Foi nessa tempestade perfeita que as contas públicas, um elefante na sala desde o início dos anos 2000, mas que nunca foi encarado, cobrou seu preço. Além disso, a polarização política e a falta de certeza do futuro criaram um ambiente inóspito para o capital estrangeiro, recurso que foi primordial para o crescimento entre 2002 e 2013, e deixou governos em pânico (e sem um plano B) quando deixou de aparecer.

E AGORA? Em 1970, o sociólogo francês Michel Foucault, em Microfísica do Poder, escreveu que um dos erros crassos de nações que não conseguem se desenvolver é não ter coragem de entender a natureza de suas mazelas. “Elas buscam saídas paliativas que jogam para debaixo do tapete um problema que, mais cedo ou mais tarde, vai explodir. E o mais pobre pagará por isso”, afirmou. Mas essa explosão que o Brasil enfrenta agora não seu deu apenas por erros dos governos de Dilma Rousseff ou de Jair Bolsonaro. O centro do problema estaria nas políticas populistas adotadas desde 2002 — e que todos os governos se aproveitaram para fins eleitoreiros.

Para Frederico Ricca, da UnB, as principais políticas públicas iniciadas no governo Lula visavam o crescimento do País apenas com consumo, sem construir um ambiente competidor para desenvolvimento industrial, tecnológico e de pesquisas. “Isso fez o Brasil aparecer como emergente ao mundo, mas escondeu uma fragilidade imensa de sua economia”, disse. Se a teoria de Foucault estiver correta, de nada adiantam as promessas de um futuro melhor, porque ele só será construído se houver o entendimento de que os problemas do passado precisam de solução.

A Inflação sobe o morro

A base da pirâmide social é quem paga pelos erros econômicos dos detentores do poder. Essa premissa fica evidente quando olhamos para o Brasil que inicia a década. Ele é mais pobre, com mais miseráveis e mais fome. Segundo pesquisa do Data Favela, em parceria com o Instituto Locomotiva e a Cufa (Central Única das Favelas), 68% dos moradores das comunidades não tiveram dinheiro para comprar comida em ao menos um dia nas duas semanas que antecederam o levantamento (9 a 11 de fevereiro) que ouviu mais de 2 mil pessoas em 76 favelas.

“Os dados são hoje os mais preocupantes desde o início da pandemia”, disse o presidente do Instituto Locomotiva e Fundador do Data Favela, Renato Meirelles. “Nós monitoramos a situação das favelas desde o início da pandemia e nenhum dado foi tão preocupante como esse.” Além da falta de dinheiro para comprar comida, o levantamento mostra que o número de refeições diárias dos moradores das comunidades vem caindo: de uma média de 2,4 em agosto de 2020 para 1,9 em fevereiro.

Isso tudo porque 71% das famílias estão sobrevivendo, atualmente, com menos da metade da renda que obtinham antes da pandemia, sendo que 93% dos moradores de comunidades já não conseguiam poupar seus recursos antes da Covid-19. “O principal impacto é na geração de renda. A fome é consequência da ausência de renda”, disse. E ainda que o novo auxílio emergencial possa oferecer algum alento para esses moradores mais vulneráveis, ele virá menor que o do ano passado (entre R$ 150 e R$ 350) e em um cenário de preços igualmente distinto. O governo já aceita alta de 4,4% no IPCA deste ano, segundo o mais recente Boletim Macroeconômico do Ministério da Economia. Mas nem esse índice de inflação, em alta, reflete o aumento do custo de vida pressionado pelos alimentos, que em alguns casos subiram 40%. Assim, o poder de compra do brasileiro já não é nem de longe o mesmo do ano passado.

SEM CONFIANÇA Frederico Ricca, professor da London School of Business and Finance e da UnB, afirma que a inflação é sem dúvida um sinal amarelo. “Até o ano passado, o risco da inflação alta era considerado um devaneio de pessimistas. Hoje já se aceita essa teoria”, disse. Para ele, a previsão do governo de crescimento na casa dos 3,2% do PIB deste ano é ilusória e não acompanha a realidade das cidades. “As atuais políticas de saúde inviabilizam qualquer chance de retomada em 2021.”

Como agravante, há no País 13,3 milhões de desempregados e uma derrocada de indicadores de confiança de indústria, comércio, serviços e do consumidor. Todos atingiram os patamares mais baixos desde maio de 2020. Um quadro triste, que torna mais difícil a vida de todo brasileiro.