Dinheiro do IPO, realizado em junho, será destinado a projetos de expansão

Alexandre Ostrowiecki, herdeiro e CEO da Multilaser, capitaneou o maior salto da fabricante de eletrônicos e eletroportáteis do País. No fim de julho, captou R$ 1,9 bilhão com abertura de capital da B3 e transformou a empresa em uma gigante de R$ 9 bilhões em valor de mercado, 30 marcas e faturamento de R$ 3 bilhões. A ordem agora é expandir. Em entrevista à DINHEIRO, ele critica a falta de atratividade do mercado nacional às empresas estrangeiras.

DINHEIRO – A abertura de capital, em julho, foi considerada um sucesso por muitos especialistas. Essa também é a sua percepção ou as cifras já eram esperadas?
ALEXANDRE OSTROWIECKI — A forma como ocorreu o processo de abertura de capital foi maravilhosa por dois motivos. Primeiro porque a Multilaser recebeu uma injeção 100% primária. Ou seja, os sócios não venderam nenhuma ação nesse processo. Esses quase R$ 2 bilhões vão ajudar a financiar nossos projetos de crescimento sem necessidade de fazer dívida. O segundo motivo é mais subjetivo, moral, do ponto de vista de reconhecimento do mercado. Pessoalmente, acompanhei a empresa desde que era uma pequena recicladora de cartuchos aqui na Barra Funda, em São Paulo, com apenas uma centena de funcionários. Agora, ver que ela amadureceu e recebe investimentos de alguns dos fundos mais prestigiosos do mundo é motivo de muito orgulho.

Com todo esse dinheiro, o plano de expansão vai focar na internacionalização ou no mercado externo?
Ambos. Temos negócios no Uruguai e na Argentina, mas nossa base de exportação ainda é muito baixa. Em termos porcentuais, o crescimento internacional será incomparavelmente maior, mesmo assim o valor absoluto deverá seguir baixo. Então, o dinheiro novo virá majoritariamente do mercado interno.

O que mudou na sua rotina depois do IPO?
Por enquanto, felizmente, houve muito pouca mudança do jeito Multilaser de ser. Estamos conseguindo tocar o negócio com bastante liberdade e velocidade. Tenho tido algumas reuniões com investidores. Isso tem tomado menos de 10% do meu tempo. É pouco e estou conseguindo trabalhar normalmente, além de afastar o medo que eu tinha antes do IPO, aquele conceito de que esse movimento engessaria a empresa. Não está acontecendo. Por enquanto, estamos usufruindo o bônus.

Dentro do plano de expansão, existe a intenção de ampliar o número de marcas e produtos?
Nossa linha de crescimento está voltada a ampliar a participação nas quais ainda temos um market share baixo. Smartphones, notebooks, televisores e eletroportáteis. São as com maiores potenciais de crescimento.

Mas vocês já não atuam TVs e notebooks?
Sim. Temos televisores Multilaser e, através de uma parceria global, televisores Toshiba. Em smartphones temos Multilaser e Nokia, em uma parceria também global. Nos computadores, atuamos com a Multilaser, nosso produto de entrada, e Ultra, para modelos corporativos. Queremos fortalecer e expandir nossa presença em todas essas frentes.

“Para fugir do Custo Brasil as companhias de fora têm buscado alternativas de deixar de produzir no País sem tirar suas marcas do mercado” (Crédito:Divulgação)

Além desse portfólio existe alguma nova marca que você quer trazer para o Brasil?
Sim, de marcas que já estão anunciadas. A mais recente é a francesa Michelin, no segmento de ferramentas elétricas. Reconhecida mundialmente pela qualidade e prestígio de seus pneus, agora, vai atuar nessa nova área. Temos também a Rapoo, uma das líderes mundiais de acessórios de computador. E estamos em negociação com outras marcas. Concretamente, são seis diferentes negociações, em diferentes estágios. Todas são de marcas muito prestigiosas globais, em diferentes segmentos. A Multilaser já está bem consolidada com produto de entrada, mas o que a gente quer é trazer outras marcas para agregar produtos mais premium.

A estratégia de produzir no Brasil marcas internacionais tem atraído empresas de fora?
O Brasil é o terror das marcas globais. Hoje, as empresas estão mais fugindo do País do que vindo para cá. Por isso, a perspectiva de fazer parceria com uma empresa brasileira, que conhece muito bem o ambiente de negócios brasileiro, é muito atraente. Então, temos feito muitos negócios assim.

A Multilaser acaba tirando proveito do processo de desindustrialização?
De certa forma, sim. O custo de operar no País é relativamente alto versus outros países. O pacote de carga tributária é alto demais e complexo. Há custos trabalhistas, impostos, burocracia, multas, insegurança jurídica, riscos de roubo de cargas, de assaltos, além da incrível morosidade do judiciário para resolver qualquer coisa. Todos esses fatores fazem com que o Brasil tenha um dos ambientes de negócios mais aterrorizantes do planeta. Para solucionar isso, as companhias de fora têm buscado alternativas de deixar de produzir no Brasil sem tirar suas marcas do mercado.

A parceria traz grande redução de custo?
Muita redução. A multinacional não precisa ter no Brasil área fiscal, área contábil, fábrica, operação específica para uma linha de produto e logística. Muitas vezes, dependendo da escala, acaba não compensando. A conta não vai fechar. No caso da Multilaser, como já temos 21 marcas próprias, nove delas marcas globais, comprensamos isso. Ou seja, operando com 30 marcas conseguimos diluir os custos unitários. Aí é possível ratear essa conta do custo no Brasil.

Existe a possibilidade de lançamento de novas marcas próprias ou de entrar em novos segmentos que vocês atualmente não atuam?
Sim. Acabamos de lançar a Mimo Pets, nossa mais recente marca de pets. Junto da Mimo, compramos uma tradicional empresa brasileira de tapetes para pets chamada Xpet, com as marcas próprias Superblue e Ticopets. A gente juntou essas três. Estão em estudos novos lançamentos. Temos hoje 5 mil itens no portfólio. Lançamos, em média, cinco produtos por dia. É uma metralhadora de lançamentos de produtos.

A velocidade da empresa explica o boa reputação aos olhos dos investidores?
Sem dúvida. Inclusive esse foi um dos assuntos do IPO. A gente sempre procurou quem seria comparável a Multilaser em outros países. Não achamos. Os fundos internacionais que nos avaliaram antes do IPO conhecem o mundo inteiro, e procuraram por Rússia, Índia, Estados Unidos. Não apareceu nenhum.

Pelos vídeos que publica nas redes sociais, ou mesmo pelo tema do livro que está produzindo, O Moedor de Pobres, você é um crítico da falta de competitividade e da dificuldade de se fazer negócios no País? O que deve mudar?
Em todo o mundo, existem dois modelos legítimos de Estado. E existe um terceiro modelo, que é o brasileiro. Os dois legítimos são um Estado mais liberal, um árbitro da economia, um regulador, que não tem peso muito forte em termos de distribuição de renda. O outro é o Estado com um modelo mais social-democrata, que vai ter um papel de redistribuição, tirar das classes sociais de cima para dar aos que estão abaixo. Ambos são legítimos. A boa política oscila entre os dois. Já o Brasil rouba dos que estão por baixo, na base da pirâmide, para dar para cima. O Estado brasileiro é a maior máquina de concentração de renda do planeta.

Mas sempre foi assim, não?
Infelizmente, o Brasil é única instituição que rouba do pobre para dar para grupinhos de ricos. Ninguém que eu tenha estudado na vida, nenhuma instituição, rouba tanto os pobres para dar para os ricos. Na prática, o objetivo do Estado é tomar da empregada doméstica e dar para o artista rico fazer show, para dono de cartório, para senador, para pagar o motorista oficial de políticos…

A concentração se dá pela carga tributária?
Ela é uma das ferramentas do Estado para operar essa injustiça. Não apenas é alta, chegando a 40% do PIB, mas ela é injusta porque também recai mais sobre os pobres na forma de impostos indiretos sobre consumo.

“A quantos dos 210 milhões de brasileiros interessa um País tão cartorial? Mesmo assim, os donos de cartório, altamente organizados, não deixam mudar isso” (Crédito:Istock)

A reforma tributária pode resolver isso?
A reforma tributária colocada à mesa muda muito pouco esse cenário porque não ataca impostos indiretos, o cerne do problema. Há algumas correções, então não sou um crítico cego a essa proposta. Mas vamos falar do fim da isenção de impostos para veículos aéreos, por exemplo. Um milionário que compra helicóptero é isento de impostos, mas o pobre que compra uma bicicleta tem 35% de IPI.

Há muitos empresários otimistas…
O Brasil, com exceção de cinco países miseráveis da África, tem a maior carga do mundo de imposto de renda de pessoa jurídica, de 34%. A média dos países ricos é 19%. Muitos comemoram a tributação de dividendos. O problema não está nos 20% dos dividendos, está no alíquota de 34% do IRPJ. Do jeito que está vai gerar aumento de carga tributária, que é o que o governo quer no final. Vai achatar ainda mais o mundo produtivo.

Há esperança de mudança em curto prazo?
Tenho pouca esperança porque existe uma falha de design no nosso modelo: um conceito chamado assimetria de poder entre o difuso e o específico. Funciona da seguinte forma: um grupinho organizado de 1 mil pessoas, com interesses específicos, consegue ter um peso muito maior numa democracia do que um grupão organizado de 100 milhões. Um exemplo são donos de cartórios. A quantas pessoas dos 210 milhões de brasileiros interessa um País tão cartorial? Mesmo assim, alguns milhares de donos de cartórios, altamente organizados, não deixam mudar isso. Então, 210 milhões não conseguem vencer 50 mil.

A prometida redução do Estado brasileiro está ocorrendo em um ritmo bom?
Certamente não. Mas pelo menos não está parada. Reconheço avanços com o marco do saneamento, o marco do gás, a possível privatização dos Correios, a capitalização da Eletrobrás, o marco legal das startups, a lei da liberdade econômica… Até mesmo a parcela mais fisiológica do poder, a mais entrincheirada nas tetas do Estado, chegou à consciência de que em algum momento eles vão matar a vaca, e todos vão morrem juntos. Por isso esse Congresso tem sido muito mais ativo do que os Congressos anteriores.