Ao avaliar as previsões para as principais variáveis macroeconômicas nos próximos meses, o diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Renner, Laurence Gomes, encontra razões suficientes para sustentar um otimismo em relação a 2018. As famílias estão menos endividadas, a taxa básica de juros está no menor patamar da história, o crédito se amplia lentamente, a confiança do consumidor segue em recuperação e a inflação se mantém comportada. Apesar do ainda elevado nível de desemprego, estão dadas as condições para mais um ano de crescimento. A tendência de que a conjuntura passou a jogar a favor dos resultados começou a ser percebida na rede há cerca de um ano, quando o fluxo de lojas, um dos termômetros mais importantes do comércio, sinalizou uma disposição maior de os consumidores irem às compras. O quadro foi confirmado ao final de 2017: as vendas nas mesmas unidades subiram 9,2%, após a estabilidade registrada no ano anterior.

Fôlego renovado: a fabricante de implementos rodoviários randon retomou planos para abrir uma nova unidade produtiva (Crédito:Daniela Xu/AE)

A influência positiva do cenário fica mais clara no detalhe dos números. Cerca de dois terços do resultado são atribuídos à evolução do fluxo de lojas, ante uma média histórica de um terço. “Tivemos uma melhora importante do ponto de vista macroeconômico em 2017”, afirma Gomes. “As variáveis de estabilidade, com taxas de juros e inflação baixas, criam boas condições para 2018.” Graças a um diagnóstico antecipado, a varejista vinha figurando como exceção na crise, com avanço em números como receitas e lucro. O volume de vendas em mesmas lojas, porém, estagnou-se em 2016, sucumbindo a uma queda de 4% no consumo das famílias no País naquele ano.

Injeção de capital: de olho numa demanda reprimida, a GM anunciou investimento de R$ 1,3 bilhão para a sua fábrica no ABC (Crédito:Paulo Fridman/Corbis)

A variável é um dos principais motores da economia e, depois de dois anos de queda, surpreendeu em 2017 com um dado positivo. Em conjunto com a agricultura, ajudou a tirar o País de sua mais longa recessão (confira os setores no quadro “A economia sai do buraco…”). O PIB cresceu 1%, o primeiro dado positivo em três anos. “A retomada está se dando por questões de fundamento econômico”, afirmou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em entrevisa a DINHEIRO (leia a entrevista). Ao lado do presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, o ministro foi um dos responsáveis por tirar a economia brasileira da UTI.

Os gastos de consumidores na compra de bens devem se intensificar nos próximos meses e seguir como um dos principais motores da atividade. A boa notícia é que neste ano o número deve ser acompanhado de uma recuperação da indústria e o avanço forte do investimento, colocando o crescimento em outro patamar. As projeções coletadas pelo Boletim Focus do Banco Central apontam um avanço de cerca de 3% no PIB de 2018. “Voltamos a tentar a ser um país normal, saindo daquela coisa heterodoxa e experimental da nova matriz econômica, que causou problemas à economia”, afirma o CEO da Riachuelo, Flavio Rocha. Se o consumo foi o responsável por tirar a economia da UTI, o investimento é o que pode garantir que ela saia de vez do hospital, para sustentar um ritmo da atividade capaz de conduzir o Brasil em direção ao nível de produtividade e riqueza de economias ricas. A taxa de investimento brasileira recuou para 15,6% em 2017, menor nível da série histórica do IBGE, iniciada em 1996. Como comparação, Índia e China apresentam patamares acima de 30%.

A volta do consumo é um indutor importante do investimento e estimula a tomada de decisões nas companhias. A Renner, por exemplo, prevê uma expansão de 20% nos aportes neste ano, para R$ 620 milhões – a expectativa é abrir 70 novas lojas. A fabricante de carrocerias Randon retomou os planos de inaugurar uma nova unidade produtiva no interior de São Paulo, após suspender o projeto em meio à recessão. Esse efeito alcança os mais diversos setores. “O primeiro passo para o investimento é ter uma sinalização de que efetivamente tem consumo”, afirma Carlos Tilkian, presidente da Brinquedos Estrela. “A partir daí, passa a ter muito mais confiança porque se prepara para um crescimento maior.” O sinal de que os aportes em compras de máquinas e infraestrutura começaram a voltar à zona positiva apareceram no quarto trimestre. A taxa de formação bruta de capital fixo, medida de investimento, subiu 2% no período, a primeira variação positiva em 15 trimestres.

O campo cresce: mais uma vez, o agronegócio foi destaque no dado do POB, com uma alta de 13% no resultado fechado de 2017 (Crédito:Divulgação)

Para além da fotografia do PIB, números mais recentes reforçam a tendência de que a retomada vem se consolidando. A arrecadação de impostos federais foi recorde em janeiro e a produção industrial encerrou o ano com uma alta de 2,5%. Cerca de 60% dos setores estão com crescimento, segundo levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).  O automotivo é um dos destaques. “Havia um consumo reprimido de 3 milhões de veículos”, afirma Carlos Zarlenga, presidente da GM do Brasil. A empresa anunciou recentemente um investimento de R$ 1,2 bilhão na fábrica de São Caetano do Sul. Entre os motivos da melhora no ano passado, Zarlenga cita a redução de juros e a queda da inflação. “A confiança do consumidor começou a aumentar.” De olho nessa demanda, as fábricas devem seguir acelerando a produção. A expectativa é a de que o PIB industrial cresça 4,8% neste ano.

Em 2017, pesou a favor do consumo o incremento dado pelo governo com o saque das contas inativas do FGTS. Foi um recurso importante para elevar os níveis de vendas no primeiro semestre. A tendência de avanço no comércio será continuada agora estimulada pela redução dos juros e da inflação. “O pai dessa recuperação tem sido esse corte de juros, que foi permitido por uma queda surpreendente da inflação”, afirma o ex-diretor do Banco Central e economista-chefe do UBS, Tony Volpon (leia entrevista). Com o resultado do PIB, o banco passou a prever mais uma redução da Selic, para 6,5%, na reunião de março do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central.  A taxa básica é um importante elemento indutor para o nível de investimento, mas seus efeitos demoram até nove meses para gerar um efeito na economia como um todo. Da mesma forma, a taxa de desemprego acima de 12% (são quase 13 milhões de desocupados) ainda faz com que muitos brasileiros não sintam a melhora dos números econômicos no dia a dia.

Volta às compras: queda de inflação e juros ajudaram o consumo. na Renner, melhoras começaram a aparecer há um ano (Crédito:Andre Lessa/Istoe)

Atualmente, há outro obstáculo para a ampliação de capacidade e troca de maquinários por parte das empresas: a incertezas no cenário fiscal. Ao lado do emprego, que segue em patamares elevados, a fragilidade das contas públicas é o grande desafio da economia brasileira hoje. Com déficits seguidos e o recuo do governo na reforma da Previdência, a trajetória segue indefinida e pesa contra a decisão dos empresários. “Há uma agenda grande para o investimento, que passa por todas as reformas, pela garantia de que vamos ter uma área fiscal arrumada e, com isso, a taxa de juros poderá cair e estimular o financiamento de longo prazo”, afirma Pedro Passos, cofundador da Natura. “Não podemos ter só o consumo crescendo isoladamente, porque senão vamos ter um voo de galinha.”

Ainda falta: a construção civil segue na lanterna da retomada. Para 2018, o investimento elevará nível do PIB para 3% (Crédito:Tiago Queiroz/Estadão)

Cálculos do Santander estimam a necessidade de uma taxa de investimento superior a 20% para elevar o potencial do PIB dos atuais 2%, para 3%. Aí entra o estrago da recessão. Serão necessários mais três ou quatro anos para alcançar esse patamar. “Depois da maior recessão da história, as companhias têm máquinas paradas e capacidade ociosa”, disse à DINHEIRO o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. “Num certo momento, esgota-se a capacidade ociosa e o investimento começa.” Apesar dos enormes desafios estruturais, empresários e economistas enxergam lados positivos no curto prazo. “Em alguns setores, conferimos um crescimento de uns 6%”, afirma o presidente da Braskem, Fernando Musa. “A construção civil foi fraca, mas mesmo ela começou a demonstrar sinais de melhora.” Para o presidente da Votorantim, João Carvalho de Miranda, o processo de retomada está se ampliando e alcançando um número maior de setores. “Há uma dispersão do crescimento para várias áreas.”

Se o número do ano passado consolida a previsão do PIB em torno de 3% neste ano, o desafio para o médio prazo envolve a disputa eleitoral. Para a maior parte dos economistas, a reforma da Previdência terá de ser a prioridade do próximo presidente. Mas a reestruturação da saúde da economia envolve uma agenda maior de ajustes. “Se não fizermos reformas, melhorarmos a carga tributária, abrir a economia, não completar o ajuste fiscal, não vamos crescer mais de 2%”, afirma o secretário de Acompanhamento Fiscal de Energia e Loteria, Mansueto Almeida. “Com as reformas, podemos crescer tranquilamente mais de 3,5%”. Não faltam receitas do que precisa ser aprimorado. Um diagnóstico apresentado na quinta-feira 1 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sugere um incremento de 20% no PIB nos próximos 15 anos se adotadas medidas como redução das barreiras comerciais e estímulos a novos mecanismos de crédito de longo prazo.

Um estudo semelhante feito pelo Banco Mundial no final do ano passado sobre o Brasil já apontara a possibilidade de uma redução de cerca de 8% dos gastos públicos com reformas em temas como o corte de subsídios a setores produtivos e a revisão das aposentadorias. São temas amplamente conhecidos do governo e de especialistas nessas áreas. “Não há problema de agendas, não faltam diagnósticos”, afirma o ex-secretário de política econômica e presidente do Insper, Marcos Lisboa. “O grande desafio é como fazer a transição de um debate que não está na economia, está na política.” Trata-se de uma questão que terá de ser respondida pela próxima equipe que assumir o Executivo federal.