Sob gestão do ministro Joaquim Lopes, o Ministério do Meio Ambiente se tornou mais aberto ao diálogo, prometeu contratar 700 técnicos e cooperar com a redução do aquecimento global. Nada de efetivo foi feito.

De 31 de outubro a 12 de novembro, lideranças mundiais se reunirão em Glasgow, na Escócia, para a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. No topo da agenda, as negociações do Artigo 6 do Acordo de Paris que trata da criação de mecanismo de cooperação internacional para a mitigação de emissões de gases de efeito estufa e apoio ao desenvolvimento sustentável. Com uma matriz energética limpa e com 67% das florestas tropicais do mundo em seu território, o Brasil poderia ditar as regras da discussão, mas perdeu esse papel ao adotar uma atitude negacionista e registrar recordes de desmatamento. Para Janaína Dallan, presidente da Aliança Brasil em Soluções Baseadas na Natureza, o País chegará à COP-26 sem que ninguém saiba o que esperar de suas autoridades. “A promessa do ministro [Joaquim Lopes] é que o Brasil irá cooperar para as negociações, mas é preciso ver se o governo fará o que disse. É difícil”.

DINHEIRO — No ano que vem a Eco-92 completará 30 anos e na próxima semana líderes mundiais estarão reunidos na 26ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Foram três décadas para que o mundo de fato se engajasse na luta ambiental. O que provocou a mudança?
Janaína Dallan — Um ponto de inflexão aconteceu quando Larry Fink, CEO da Blackrock, escreveu uma carta aos seus clientes [janeiro de 2020] alertando que, para garantir a perpetuidade do negócio, os executivos deveriam passar a avaliar as questões climáticas como riscos de negócio. Já neste ano, o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alarmou ainda mais o mundo ao mostrar que o aquecimento está avançando mais rapidamente do que o previsto. Em dois anos, as questões climáticas passaram a ficar intimamente conectadas à sobrevivência das empresas.

Na esteira da discussão sobre a necessidade da descarbonização da economia, há uma explosão de novas empresas de mapeamento, mensuração e compensação de carbono. Uma atividade com regras indefinidas e de difícil comprovação. Como assegurar que o setor promova um trabalho comprovável?
Com o aumento do interesse dos setores econômicos em reduzir ou compensar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) de fato houve um boom de entrantes. Criou-se até termo para isso: Carbons Cowboys, empresas que chegaram com a visão de que o mercado ‘era uma mina de dinheiro’ fazendo referência a uma nova corrida do ouro. E não é por aí. Claro que empresas sérias tendem a ser lucrativas, mas é preciso muito investimento, ciência e profissionalismo para contribuir com as reais necessidades do mercado. A Aliança tem a missão de organizar o mercado e trazer segurança para o ambiente de negócio de transações de carbono.

Quais instrumentos a Aliança está usando para promover essa governança?
O principal deles é um canal aberto com o governo federal para influenciar políticas públicas, como é o caso do PL 5.282 [Projeto de Lei que visa regulamentar o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), com normas para a compra e venda de créditos de CO2]. Mas também atuamos na formação de conhecimento com publicação de ferramentas como um guia de investidores para quem quer investir em, por exemplo, REDD+ no Brasil [um incentivo desenvolvido pela ONU para recompensar financeiramente países em desenvolvimento por seus resultados de redução de emissões de GEEs provenientes do não desmatamento e degradação florestal]. Nesse mercado, transparência e segurança são fundamentais.

“[O ministro Joaquim Lopes, Meio Ambiente] sabe da importância de preservar florestas e da relevância de se criar mecanismos de mercado para incentivar a preservação. Agora há algum diálogo com o Ministério” (Crédito:flickr ministério do meio ambiente)
É possível estimar o valor do mercado de Soluções Baseadas na Natureza (SBN)?
É difícil. Mas trabalhamos com dados do estudo State of Finance for Nature (2021) publicado pelo Fórum Econômico Mundial e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente que aponta que as SBNs movimentam US$ 133 bilhões no ano. Para que as metas do Acordo de Paris sejam cumpridas será necessário investir US$ 1,8 trilhão até 2050, sendo que US$ 203 bilhões desse total deveria ser aplicado em soluções na floresta.

E o mercado de crédito de carbono?
Temos muitos pontos em aberto sobre o mercado de carbono, um assunto da agenda da COP-26. No Brasil, por exemplo, só há o mercado voluntário. Mas o PL 5282 ainda está em discussão. Dependemos muito das definições que devem ser tomadas em Glasgow.

Alguma possibilidade de novidades sobre a regulamentação do mercado brasileiro nos próximos dias?
O ministro do Meio Ambiente Joaquim Leite nos falou que decidiu segurar o texto para depois da COP-26 porque as decisões que serão tomadas no evento podem provocar a necessidade de mudanças nas regras brasileiras. Mas como a pressão está muito forte, não seria estranho se algo fosse publicado nos próximos dias, até porque o Brasil precisaria mostrar na Cúpula que tem condições de retomar o protagonismo que tivemos durante muitos anos nessa agenda.

No Brasil há um mercado para o REDD+ (Redução de Emissões Provenientes do Desmatamento e Degradação Florestal, e mais conservação e aumento de estoque de CO2 e manejo sustentável das florestas). Como esse instrumento funciona?
O REDD+ é um modelo científico que estima onde há perigo iminente de degradação e de perda de biodiversidade, o que permite gerar créditos de carbono correspondente à preservação da floresta desta área em períodos anuais. Então o proprietário de uma fazenda que tem riscos reais de que a floresta de sua propriedade seja derrubada e consegue protegê-la é remunerado pelo serviço ambiental prestado. Desde que ele comprove o risco e a preservação.

A regulamentação do REDD+ também está em trâmite no Congresso Nacional e nada parece sair do papel. Qual sua avaliação do governo na agenda?
A política parece estar perdida. Quando o assunto é clima vemos uma melhora no discurso do governo, mas pouca ação no campo. Da notícia anunciada de contratação de 700 pessoas para os órgãos ambientais como Ibama, ICMBIO, nada foi feito. Fala-se na redução do desmatamento, mas só vemos a curva subindo.

Houve uma mudança no posicionamento do Ministério do Meio Ambiente com a transferência da gestão do Ricardo Salles para o Joaquim Leite?
Sim. O ministro Joaquim já trabalhou com mercado de carbono e em projetos REDD+. Ele sabe da importância de preservar florestas e da relevância de se criar mecanismos de mercado para incentivar a preservação. Agora há algum diálogo com o Ministério. Com o Ricardo Salles não havia nenhum. Mas ainda falta efetividade.

Qual o principal instrumento em política pública ambiental em discussão no Brasil?
Acredito que seja o PL 5.282. É ele que dará um norte para o mercado de carbono. Por isso é importante que seja promulgado pelo Congresso Nacional com texto redondo para trazer segurança aos agentes. Na proposta inicial, por exemplo, o governo teria autoridade excessiva.

“Para que as metas do Acordo de Paris sejam cumpridas, é necessário investir US$ 1,8 trilhão até 2050 [em SBN], sendo que US$ 203 bilhões desse total deveriam ser aplicados em soluções na floresta” (Crédito:Istock)
Como seria o modelo ideal do Brasil?
Acreditamos que seja o Cap Trade System. Nesse modelo, o governo regulamenta o mercado, estabelece regras e fiscaliza. Além disso, o excedente dos créditos pode ser negociado com outros países que emitem, se comprometeram com as metas mas não têm como chegar a neutralidade sozinhos.

Hoje o Brasil trabalha somente com o mercado voluntário. É imperativo que o País adote o modelo compulsório?
Os dois mercados podem e devem coexistir. No Brasil o mercado é voluntário, o que significa que só faz a compensação ambiental quem quer. O mercado regulado é importante porque ele regulamenta as normas, estabelece metas e fiscaliza, especialmente, os grandes emissores.

Atualmente o que vemos neste mercado são empresas que, em sua maioria, divulgam uma autodeclaração de quanto emitem e metas de descarbonização de longo prazo e sem planos concretos. Como fugir do greenwashing?
Essa é uma grande preocupação. Para funcionar, o mercado de carbono precisa de fundamentos científicos com tecnologia e metodologia. Já temos alguns exemplos como o GHG Protocol (The Greenhouse Gas Protocol — padrão global para que empresas e organizações monitorem e gerenciem emissões de gases de efeito estufa) que faz uma contabilização de carbono séria. Mas sem fiscalização cada um fala o que quer.

Se no Brasil nem o que é obrigatório por força de lei funciona, imagina o que é voluntário…
É um circo armado. Por isso sentimos a necessidade de construir a Aliança e unir agentes de mercado. No modelo regulado fica mais fácil porque o governo determinará as regras. Mas até lá será preciso grande alinhamento entre diversos ministérios como Economia, Meio Ambiente, Agricultura, Cidades, Itamaraty. Esses são os agentes que deveriam chegar juntos, com um discurso coeso e sólido para a COP-26.

Xi…
É isso! Não temos ideia de como o Brasil vai se comportar na COP-26. A promessa do ministro Joaquim Lopes é que o Brasil irá cooperar para as negociações, mas agora é preciso ver se o governo fará o que ele disse. É difícil. Bem difícil.