Presidente argentino de 2015 a 2019, Mauricio Macri atribui fracasso econômico na América do Sul à volatilidade das instituições políticas.

Em uma rápida passagem pelo Brasil, o político e empresário argentino Mauricio Macri participou, como presidente executivo da Fundação Fifa, do lançamento da iniciativa global firmada com a empresa de soluções agrícolas UPL para redução de 1 gigatonelada de emissões de dióxido de carbono na atmosfera até 2040.

Depois de um encontro com jornalistas, o ex-presidente da Argentina falou com exclusividade à DINHEIRO sobre o fracasso econômico da América do Sul e a oportunidade desperdiçada pelo Brasil de se tornar uma potência no cenário mundial. Embora tenha se recusado a comentar sobre um possível retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência no País, não poupou críticas a seus opositores políticos. “O movimento de esquerda do século 21 ainda quer impor ideias que fracassaram no século passado”, afirmou. “É necessário empoderar o cidadão, não querer controlá-lo.” Como principal líder de oposição ao governo de Alberto Fernández, que tem como vice a ex-presidente Cristina Kirchner, Macri responsabiliza o derretimento do valor do peso argentino à gestão da Casa Rosada durante a pandemia. Enquanto costura alianças para a coalizão de direita Juntos por el Cambio, o político enfrenta a investigação sobre o suposto caso de espionagem dos familiares de 44 tripulantes mortos no naufrágio do submarino San Juan, em 2017, sob sua presidência. Depois de ter o depoimento adiado por estar fora de seu país, Macri deve depor à Justiça argentina ainda este mês.

DINHEIRO — O que levou a promessa de prosperidade econômica da América do Sul a um fracasso?
MAURICIO MACRI — São décadas de atraso nesse amadurecimento. Os países custaram a entender que é necessário criar estruturas mais confiáveis para construir as bases políticas para o futuro. Precisamos de instituições fortes e de regras mais transparentes e previsíveis nesse jogo. Não podemos continuar com um sistema que muda completamente a cada troca de governo.

O senhor quer dizer que é preciso fortalecer as instituições e torná-las mais confiáveis?
É como na Argentina, que talvez seja o caso mais extremo da região: com tantas mudanças e com a irresponsabilidade na política econômica no último ano, acabamos sem moeda. É uma base complexa, porque a primeira instituição de que um país precisa é uma moeda estável para que a economia possa girar.

E como retomar o crescimento econômico?
Com mais política de Estado. Os partidos precisam deixar de discutir o óbvio. Passamos muito tempo em debates sobre os modelos de governo, como o socialismo, que a experiência mundial já provou que não funciona. O movimento de esquerda do século 21 ainda quer impor ideias que fracassaram no século passado. É necessário empoderar o cidadão, não querer controlá-lo.

O senhor vê isso acontecendo em algum país da América Latina?
Acredito que o Brasil esteja bem encaminhado com o trabalho econômico que vem sendo feito aqui. Já a Bolívia está se dando conta de que o problema do país não estava restrito a Evo Morales, e sim às ideias políticas que contaminaram o cenário e atrapalham a volta a um caminho razoável. O Paraguai e o Uruguai seguem muito bem, enquanto Chile, Colômbia e Peru estão em convulsão. É um momento que faz parte do processo de amadurecimento da região. A única salvação para a América Latina é a criação de emprego. Para isso, precisamos de investimentos na economia e de regras mais transparentes para atrair capital.

“Estamos diante da oportunidade de finalmente deixar o populismo [de Alberto Fernández e Cristina Kirchner] para trás e entrar em uma fase de desenvolvimento, crescimento e inclusão” (Crédito:Juan Mabromata/AFP)
O senhor realmente acredita que a economia brasileira esteja bem?
O que o ministro Paulo Guedes está fazendo com a condução das reformas e privatizações é o que é preciso fazer na região. É a criação de uma base para que o País venha a ser uma potência mundial. Se o governo for bem-sucedido em seguir em linha com a agenda proposta e com esse ideal econômico para se integrar e competir no cenário global será bom. O Brasil precisa vencer o isolamento, especialmente do Mercosul, para ter protagonismo na economia mundial.

O que pode mudar com a provável derrota do governo de Alberto Fernández nas próximas eleições parlamentares, em novembro?
É uma mudança de época na Argentina. Estamos diante da oportunidade de finalmente deixar o populismo para trás e entrar em uma fase de desenvolvimento, crescimento e inclusão.

O senhor pretende se lançar como candidato nas eleições presidenciais de 2023?
Estou trabalhando para unificar a oposição, condição fundamental para não cairmos nas autocracias que ameaçam o futuro do país. Meu foco agora é expandir as capacidades dos futuros dirigentes.

Voltando ao tema Mercosul, o que falta para o bloco prosperar?
O desafio do Mercosul é integrar-se ao mundo. Precisa definir de vez o acordo com a União Europeia e seguir para acordos econômicos com outras regiões.

O impacto da pandemia deve atrasar a evolução dessa agenda econômica?
Creio que se abusou demais das quarentenas. Nessa tendência, as economias ainda devem sofrer por muitos anos. Na educação, especialmente, essas medidas trouxeram prejuízos que levará tempo até nos recuperarmos. Os estudantes ficaram fora das escolas por tempo demais. Na Argentina, passamos oito meses com períodos de lockdown severos, e os alunos passaram quase um ano e meio fora dos colégios.

Mas a Argentina, como o Brasil, está entre os países mais afetados pela pandemia no mundo…
Foi implementada uma quarentena precoce e eterna que acabou com empregos, abalou a saúde econômica do país e a saúde mental da população em isolamento. O custo disso será muito alto agora.

E quanto à assistência econômica dada durante a pandemia?
Cada país levou essa política de uma maneira. Na Argentina, lamentavelmente, o governo emitiu tanto peso que hoje estamos enfrentando os problemas com uma inflação que virou uma fábrica de pobreza [o Banco Central da Argentina prevê inflação acumulada de 48,2% em 2021].

E como estimular a economia nesses países?
A estabilidade política, que é, historicamente, um desafio para os países da América Latina, será um fator importante para esse processo. Parte dessa estabilidade vem com o bem-estar social. Os governos devem apoiar as empresas para garantir a geração de empregos e qualificar esses trabalhadores. O investimento público em educação é fundamental.

Outro fator relevante para o mercado hoje é a sustentabilidade. A região pode continuar perdendo competitividade no cenário global?
O desafio que temos adiante não é mais apenas da esfera das entidades públicas e de governos, mas também civil. Precisamos nos responsabilizar e nos mobilizar agora para enfrentar esse desafio do aquecimento global. A comunidade empresarial e o mercado também desempenham um papel importante no desenvolvimento dessa agenda na região, e é imprescindível que busquem caminhos para mitigar os impactos no meio ambiente.

“Na Argentina, o governo emitiu tanto peso que hoje estamos enfrentando os problemas com uma inflação que virou uma fábrica de pobreza” (Crédito:Lalo Yasky/Getty Images/AFP)

É o que se busca com iniciativas como a que a Fundação Fifa está anunciando com a UPL?
O futebol tem uma força de mobilização que usaremos para fomentar a educação e o debate sobre os problemas reais que enfrentamos no mundo hoje, como as mudanças climáticas. A estrutura da fundação permitiu criar iniciativas como a que lançamos com a UPL, que trará milhões de agricultores dos mercados emergentes para trabalhar conosco pela redução do uso de agrotóxicos e do desperdício de água nas plantações.

Por que a decisão de trabalhar especificamente a redução de emissões de dióxido de carbono da atmosfera?
A verdade é que as possibilidades já estão dadas no cenário em que vivemos, por isso também precisamos nos preocupar em endereçar a questão correta. Neste caso, o que estamos fazendo é buscar soluções para problemas globais, que fazem parte do nosso dia a dia e que representam uma ameaça para o nosso futuro. A fundação não trabalha apenas a agenda de sustentabilidade, mas também iniciativas para a educação, combate à pobreza e igualdade de gênero.

Há políticas de incentivo para iniciativas como esta na região?
Estamos usando o futebol como plataforma, mas é importante continuar fortalecendo o trabalho das organizações no desenvolvimento da educação e da economia rural. Esses setores ainda demandam um esforço titânico na região e precisamos de mais apoio de instituições com capacidade para enfrentar esses desafios.

O modelo de parcerias público-privadas pode impulsionar essa economia?
Essas alianças permitem aos governos realizar mais e melhores projetos em grande escala. Por convergir o financiamento e as tecnologias do setor privado e as necessidades e incentivos do setor público, são modelos que acabam atuando a favor da economia no todo. A alocação de recursos superiores aos do governo abrem esse espaço para por mais planos em prática.