A agenda da próxima eleição presidencial não deveria discutir nomes, mas propostas para o País, como a reforma do Estado, as novas tecnologias e a reinserção do Brasil no cenário global.

Administrador de empresas. Empresário. Diplomata. Gestor público. É difícil definir Andrea Matarazzo em uma só qualificação. Descendente de Francesco Matarazzo, seu sobrenome se confunde com a história da indústria brasileira. Foi ministro de Comunicação de Fernando Henrique Cardoso, secretário de Energia na gestão de Mário Covas no governo do estado e secretário de Subprefeituras na cidade de São Paulo. Sempre ligado ao PSDB, partido de que se desligou. Sua atividade mais recente é na educação. Matarazzo coordena a pós-graduação da Faculdade do Comércio (FAC), lançada pela Associação Comercial de São Paulo para qualificar os profissionais o setor.

DINHEIRO — No dia 1º de janeiro de 2023 os empresários brasileiros vão acordar com um novo presidente. As pesquisas indicam que os favoritos são Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Supondo-se que um deles seja o escolhido, como o senhor vê a situação?
ANDREA MATARAZZO — Desanimado. A sociedade vai, de novo, votar em cima de uma discussão dos fatos do momento em vez de discutir como resolver a fome, a falta de saneamento, a criação de empregos e a reindustrialização da economia. Só se discutem nomes e questões ideológicas, e não o Brasil real. Ideologia não enche barriga. É preciso fazer reformas.

Reforma tributária, por exemplo?
Antes é preciso fazer uma profunda reforma administrativa. Só reduzindo o Estado será possível fazer uma reforma tributária que reduza de fato os custos e permita à economia funcionar bem.

Como seria essa reforma administrativa?
Há economias evidentes. Desde eliminar cargos de comissão a privatizar estatais. À me­­­­­­dida que você enxuga estruturas, retira penduricalhos e melhora processos, você vai dando agilidade à máquina estatal. E ela pesa menos sobre a sociedade. O corpo diretivo do setor público, cuja qualidade profissional e gerencial é boa, pode trabalhar com menos amarras e isso melhora a eficiência do Estado.

O argumento é que a legislação não deixa o Estado funcionar.
Isso é desculpa esfarrapada de pessoas incompetentes. As desculpas são várias: a administração pública não funciona porque a Lei de Concorrência atrapalha, porque o Ministério Público não deixa fazer nada. Essas são as regras da gestão pública. Está na descrição de cargo. E eu garanto que dá para trabalhar bem. É zero o problema de reduzir custos e fazer uma gestão que funcione. Não é muito diferente de presidir uma empresa privada. Existem regras e obrigações. No quinto dia do mês tem de pagar salário, no dia 25 tem de pagar imposto.

Falta vontade política?
Falta vontade mesmo. Vontade e foco.

O PSDB, partido a que o senhor esteve ligado, lançou um candidato que já tinha experiência gerencial na cidade e no estado de São Paulo. E houve pouco interesse por parte do eleitorado. Por quê?
Eu me afastei do partido, por isso farei uma avaliação como cidadão. A discussão do que se convencionou chamar de terceira via também ficou focada em nomes. O PSDB começou o processo bem, fazendo uma prévia. Mas depois discutiu a prévia. E depois discutiu a retirada do candidato. Não deu tempo de o candidato apresentar o programa. Ele teve de ficar se defendendo do próprio partido. O eleitorado tem dificuldade para discutir propostas porque faltam propostas.

“Nesta fase de desenvolvimento precisamos de uma mão de obra digital, mas ainda estamos analógicos” (Crédito:Divulgação)

E as propostas que estão em discussão para o pleito deste ano?
Estamos discutindo pautas dos anos 1970, dos anos 1980, em vez de discutir algo moderno. Há propostas de reestatização do que foi privatizado, de retroceder com as reformas muito necessárias, como a mudança nas leis do trabalho.

Uma das críticas às mudanças na legislação trabalhista é que elas retiraram direitos e não criaram empregos.
Será que não? Tínhamos 14 milhões de desempregados, estamos com 9,8 milhões. A mudança facilitou para o empresário. Eu tenho uma indústria. A nova lei do trabalho reduz a burocracia. Permite a negociação direta e torna a empresa menos vulnerável à Justiça do Trabalho. Porém, é preciso aperfeiçoar a legislação, para ela não ser atropelada pela tecnologia. Vivemos em uma sociedade de comércio eletrônico, de aplicativos. Tem de acertar o arcabouço legal para lidar com essas questões.

A indústria se queixa do ambiente difícil, mas tem sobrevivido.
A indústria não pode sobreviver, ela tem de prosperar. Ela não consegue inovar. Inovação na indústria é algo demorado. Você encomenda uma máquina. Ela tem de ser produzida, transportada, instalada, e as pessoas têm de aprender a usar. Isso leva uns dois anos. O problema é que o Brasil não é estável e a indústria não é tão flexível como o mercado financeiro. Você não pode acelerar e desacelerar os processos industriais tão facilmente. Por isso a rentabilidade e a produtividade são baixas, e a participação da indústria na economia vem se reduzindo drasticamente. E ainda há o problema da falta de preparação da mão de obra.

Falta de qualificação?
E desatualização. O perfil da mão de obra está mudando, mas essa mudança não começou ontem. Quando se criaram os primeiros comércios eletrônicos, a mão de obra deveria ter sido treinada para isso. Em 1927, um antepassado meu, o Francesco Matarazzo, uniu-se a outros industriais e criou o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo. O País era agrícola e ele percebeu que havia entraves à indústria. O principal era mão de obra, que era analfabeta, sem qualificação. Nesta fase de desenvolvimento precisamos de uma mão de obra digital, mas ainda estamos analógicos.

E como resolver isso?
O custo de capital é alto e o custo operacional é alto. Uma indústria hoje deveria ter apenas dois departamentos, o de produção e o de pesquisa. A parte administrativa deveria ser residual. Essa parte fiscal é um custo imenso para qualquer indústria. É preciso ter um batalhão de pessoas só para cuidar disso. E a estrutura é confusa e favorece a ineficiência. Sinto isso na pele.

Como?
Minha empresa tem uma unidade produtiva no interior de São Paulo e outra no Norte do Brasil. Temos um cliente importante a 80 quilômetros da unidade paulista. Mas os incentivos fiscais tornam o produto elaborado no Norte 20% mais barato. Ou seja, eu produzo e transporto por 5 mil quilômetros, em vez de produzir e transportar por 80 quilômetros, dentro do estado de São Paulo. Isso embute um custo de logística imenso. Não é bom para o País, não é bom para o empresário e não é bom para o consumidor. Ele não vai pagar a conta no produto, mas vai pagar no imposto.

Há algo animador?
Claro que sim. O que me anima é que o Brasil tem uma capacidade enorme de reação. O agronegócio teve anos bons, e os empresários aproveitaram para automatizar, modernizar e inovar o setor. Agora o agro está carregando o País. A indústria pode fazer a mesma coisa. E há pontos fortes que podem ser valorizados.

“A estrutura de vacinação é um dos pontos fortes do Brasil. E isso é criticado pelo governo, quando deveria ser valorizado” (Crédito:AEdmar Barros/AP)

Quais?
Por exemplo, a questão das vacinas. Eu me lembro das campanhas de vacinação. Todo ano, quando começava a campanha, a televisão mostrava reportagens com agentes de saúde embarcando em canoas com geladeiras de isopor para levar vacinas para lugares remotos da Amazônia. E as vacinas chegam. A estrutura de vacinação é um dos pontos fortes do Brasil. E isso é criticado pelo governo, quando deveria ser valorizado. Os governos estão tão preocupados com a discussão ideológica que a população virou um mero detalhe nas políticas públicas. Precisamos de um projeto para o País.

Isso é uma recomendação para o próximo presidente?
O Brasil é um gigante adormecido, mas a hora é de acordar para a realidade do mundo, onde é preciso ter credibilidade. Não adianta viver na ilusão de que o Brasil tem sorte. Há uma disputa grande por espaço nos mercados. Saímos do jogo, não atraímos mais investimentos. Pela dimensão que nós temos, pela população, se houver um mínimo de estabilidade, o investidor virá, mas não na situação atual. O Brasil precisa parar de cuspir em seus investidores.

Dá para mudar?
As pessoas só vão investir em um país em que a administração funciona. Às vezes você é acionista de uma empresa e o presidente não agrada. Quando chegar a hora, os acionistas trocam a pessoa e a empresa continua. Nos Estados Unidos, entrou Trump, saiu Trump, e tudo voltou ao normal. Na Itália troca-se o primeiro-ministro uma vez por ano, e o país funciona. Aqui não está sendo assim. Não é normal que haja um impeachment presidencial a cada 20 anos. E também se falou em impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O STF contesta o Legislativo, o Congresso ameaça o STF e quer suplantar o Executivo. Há uma confusão enorme entre os poderes. Imagina um investidor de fora vendo isso. Se o Brasil fosse uma empresa listada na bolsa, você compraria ações sabendo que os controladores estão brigando? Só se fosse para especular na baixa.