Com sede no Brasil e em Gana, o Ibraf tem a missão de aproximar o País e o continente africano. Uma das iniciativas para atingir esse objetivo é a realização do Fórum Brasil África, dias 12 e 13 deste mês, em São Paulo. A ideia é promover novos negócios em um mercado de 1,4 bilhão de consumidores

Em 2018, o professor João Bosco Monte, da Universidade de Fortaleza (Unifor), se tornou Comendador da Ordem de Rio Branco. A honraria foi concedida em reconhecimento às conquistas do Instituto Brasil África (Ibraf), criado para estreitar as relações entre os países. Delegado brasileiro para o Fórum Acadêmico dos BRICS, ele coordena, na próxima semana, a sétima edição do Fórum Brasil África, iniciativa pioneira para melhorar as práticas empresariais, o ambiente de negócios, os investimentos e ampliar oportunidades por meio de iniciativas de desenvolvimento sustentável, como ele explica nesta entrevista.

DINHEIRO – Por que o tema segurança alimentar foi escolhido para o Fórum Brasil África?

JOÃO BOSCO MONTE – Porque é uma discussão imperativa: precisamos produzir alimento em quantidade e com qualidade. O Brasil já provou que é possível, em pouco mais de 40 anos, sair de um estágio de importador de alimentos para o de líder global na produção e exportação de vários itens agrícolas. Essa lógica pode ser trasladada para o continente africano.

DINHEIRO – A “Revolução Verde”, que colocou o Brasil na vanguarda tecnológico da agricultura tropical pode ser replicada?

JOÃO BOSCO MONTE – Com certeza, essa experiência pode ser aplicada. Para reproduzir o que ocorreu aqui, porém, é preciso levar em conta as características de cada país – e a África é formada por 54 países com diferenças geográficas, climáticas, culturais e de modelos de Estado. Olhando para o desenvolvimento tecnológico do Brasil no agronegócio, desde a criação da Embrapa, e de como essa aquisição de conhecimento impactou nas práticas do campo e das empresas do agro até o alimento chegar às nossas mesas e às mesas do mundo todo, entendemos que há muito a compartilhar com outros países, seja ele o Congo, que tem algumas semelhanças em termos hídricos e climáticos com o Brasil, seja a Mauritânia, que é um país árido, com o deserto à porta de seus habitantes. São realidades distintas. Mas os modelos do Brasil, que tem diferentes biomas, podem, sim, ser implementados de acordo com as condições de cada país. Mantemos um programa de capacitação de jovens africanos que atuam como técnicos e vêm ao Brasil receber treinamento em áreas nas quais o País tem se destacado. Esta semana, recebemos 26 técnicos, de três países, para um intercâmbio na Embrapa. É uma agenda de cooperação na qual o Brasil transfere tecnologia. Além dessa integração por meio de empresas públicas, universidades e órgãos governamentais, temos a oportunidade, por meio do Fórum, de envolver também a iniciativa privada.

DINHEIRO – Países africanos já viveram períodos de escassez de alimentos e epidemias de fome. Esse risco ainda existe?

JOÃO BOSCO MONTE – A fome é um problema global. Na África, ainda é uma realidade. A Etiópia deu uma virada, depois de ter vivido um momento dramático décadas atrás. Felizmente, isso mudou, mas há países em que a fome ainda existe, impede o desenvolvimento e se torna um dos fatores para que surjam guerras. Não temos como ignorar essa realidade, mas também não pretendemos encontrar a solução em um fórum de apenas dois dias. Mesmo assim, temos iniciativas importantes. Vamos ajudar a implementar 1 milhão de cisternas na África dentro de um projeto da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) que segue a experiência brasileira de construção de cisternas no Nordeste. À frente desssa iniciativa, está o José Graziano da Silva (que foi ministro Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome em 2003 e 2004 e presidiu a FAO entre 2012 e julho deste ano).

DINHEIRO – Um dos temas do Fórum é a oferta de financiamento para a cadeia agrícola. É possível fazer melhor o acesso dos produtores ao crédito rural?

JOÃO BOSCO MONTE – Sem financiamento, a roda não gira. De nada adianta colocar boas ideias diante de um agricultor se ele não tiver recursos para implementá-las. No contexto africano, 90% da produção agropecuária é de pequenos produtores. Na Tanzânia, um pequeno produtor pode ter apenas meio hectare, enquanto no Brasil essa área pode ter 20, 30 ou 40. O Fórum vai mostrar as linhas de financiamento que estão disponíveis para cada necessidade, mas principalmente como esse crédito pode ser aplicado. O presidente do Afreximbank (banco africano de importação e exportação) estará no Fórum. Ele se mostra muito emprenhado em acordos bilaterais. Teremos a participação do BNDES, do Banco Islâmico e do Citibank, com representantes que tratam de investimentos para o agro e acesso ao crédito. Este ano, inauguramos um novo capítulo dedicado à geração de negócios. Serão encontros de empresários brasileiros com seus pares africanos para discutir oportunidades.

“A China está provendo uma infraestrutura na África que outros países não se interessaram em fazer. Se o Brasil investir no continente africano também terá retorno” (Crédito:Divulgação)

DINHEIRO – A agricultura e a pecuária demandam uso intensivo de água. De que forma o Brasil e o continente africano têm se preparado para lidar com cenários de seca?

JOÃO BOSCO MONTE – É importante a qualificação de quadros. Algumas tecnologias podem ser compartilhadas. A construção de cisternas foi uma resposta dada pelo Brasil para coletar a armazenar água. Outros países criaram soluções adequadas para suas próprias necessidades. O Quênia, por exemplo, é hoje o maior produtor de rosas do mundo. No Brasil, nós temos o maior produtor de melões, que colhe 1 milhão de frutas por dia na divisa do Ceará com o Rio Grande do Norte — uma região árida. Podemos compartilhar soluções de irrigação por gotejamento e outras tecnologias que ajudam a economizar esse recurso tão importante.

DINHEIRO – A produção de etanol, biodiesel e biomassa tem contribuído para reduzir a dependência de combustíveis fósseis. Porém, a própria cadeia de produção de alimentos é uma grande consumidora de energia. Como melhorar a eficiência energética do agronegócio?

JOÃO BOSCO MONTE – Sem energia, não existe agricultura. Qual a matriz energética ideal para a produção de alimentos? No Brasil, temos uma matriz majoritariamente hidráulica, com participação crescente de fontes renováveis como eólica, solar e biomassa. As práticas sustentáveis são essenciais, tanto para o equilíbrio econômico da atividade como para a redução das emissões. Há exemplos de uso de biomassa para produção de energia na República Democrática do Congo. A discussão atual é se vamos produzir milho e cana-de-açúcar para serem usados como alimento ou biocombustível. Eu acredito que é possível combinar as duas coisas.

DINHEIRO – Quais os desafios para tornar os alimentos saudáveis, nutritivos e acessíveis?

JOÃO BOSCO MONTE – Quando a gente fala em segurança alimentar, também precisa levar em conta o valor nutricional, que dê qualidade de vida para as pessoas, evitando problemas como obesidade e também doenças coronárias. O Brasil tem um programa de merendas, por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em que as escolas públicas usam produtos regionais. O estudante recebe um alimento saudável e abastecido pelos produtores locais. A escola é o local perfeito para iniciar esse tipo de ação, pois é ali que se cria o hábito.

DINHEIRO – Novas tecnologias têm ajudado a promover melhoras de produtividade no campo. Quais os benefícios da agricultura 4.0 para a população global?

JOÃO BOSCO MONTE – O conceito de agricultura 4.0, assim como no caso da indústria 4.0, prevê o uso de ferramentas baseadas em Internet das Coisas, Inteligência Artificial e outras formas de de automação de processos e aumento da produtividade. Assim como no Brasil, isso já existe em alguns países da África, que usam o mesmo maquinário do nosso agro. Eles conhecem programas de comunicação móvel para obter informações sobre o clima, empregam drones na lavoura e coleta de dados para ganhar escala. Eu me lembro que estava em Camarões e um produtor pediu minha ajuda para obter uma semente do Brasil que produzia dez vezes mais. Isso é possível, mas depende de protocolos de cultivo e, acima de tudo, de qualificação. Tecnologia não é só semente, irrigação, colheitadeira. O sucesso do emprego de tecnologia depende de pessoas qualificadas e que possam enxergar novas saídas.

DINHEIRO – Entre 2004 e 2014, as exportações brasileiras para países africanos cresceram 131%. Qual a projeção para os próximos dez anos?

JOÃO BOSCO MONTE – A África importa mais do que exporta para o Brasil. Recebemos fosfato do Marrocos, petróleo da Nigéria e de Angola. O Egito, que tem 100 milhões de habitantes, importa do Brasil 80% da proteína animal que consome. Há possibilidade de exportar até carne de porco para a população cristã do Egito. Eles são apenas 10% do total do país, mas são 10 milhões de pessoas. Isso pode abrir mercado para produtos brasileiros. Gana importa ovos. Podemos vender mais ovos, frango, porco, carne bovina processada… O Brasil precisa pensar em outros mercados e a África tem 1,4 bilhão de pessoas, com países onde o PIB cresce acima da média global.

DINHEIRO – Quais as principais oportunidades ainda não exploradas no comércio entre Brasil e África?

JOÃO BOSCO MONTE – É importante que os empresários brasileiros entendam as dimensões e as necessidades dos países africanos e tenham a vontade de buscar espaços lá como fazem outros países. A Rússia recentemente albergou um encontro de uma semana com líderes africanos. O Afreximbank fez sua reunião anual em Moscou. Enquanto o Brasil não enxergar a África como um possível parceiro de negócios, as oportunidades serão desperdiçadas, seja de nós vendermos mais produtos para lá ou de eles consumirem produtos feitos na África com tecnologia brasileira.

DINHEIRO – A China tem feito grandes investimentos na África. Quais as lições desse movimento?

JOÃO BOSCO MONTE – A China está na África porque tem necessidade de apresentar respostas aos seus desafios. Ela não é autossuficiente em matérias-primas, por ter uma população muito grande, e buscou na África parcerias estratégicas. A China está provendo uma infraestrutura na África que outros países não fizeram. Ela não faz isso porque quer ajudar de forma solidária. Faz para ter retorno. Se o Brasil investisse, também teria retorno. O africano quer conversar com o brasileiro, com quem tem relações históricas e culturais. Quando o Brasil fechou o escritório do BNDES em Johanesburgo, a sinalização foi de que não havia interesse em investir. O Brasil precisa aprender com a China a olhar com avidez para a África.