As últimas semanas do panamenho Antonio Dominguez, 47 anos, foram bastante movimentadas. A agenda atribulada do diretor-geral da dinamarquesa Maersk Line para a costa leste da América do Sul incluiu visitas a diversos países asiáticos, como Cingapura, China, Japão e os Emirados Árabes Unidos. Em todos eles, ouviu boas perspectivas a respeito do Brasil. “As incertezas que eles tinham sobre a política brasileira foram deixadas para trás”, disse, na segunda-feira 19, o sorridente executivo à DINHEIRO, durante entrevista na sede brasileira da maior companhia de transporte marítimo do mundo. Dois dias depois, o presidente Michel Temer desembarcou no Chile para assinar um novo acordo de livre comércio entre os dois países. De janeiro a setembro, o intercâmbio comercial bilateral entre as nações alcançou US$ 7,21 bilhões, alta de 13% em relação ao mesmo período em 2017. Para Dominguez, o maior desafio do novo governo será firmar tratados de livre comércio com os gigantes globais, o que já tem sido feito por algumas nações vizinhas, como o Peru e o próprio Chile. “Nós temos que olhar um pouco além do Mercosul. O Brasil precisa encontrar novos mercados”, afirma.

DINHEIRO – Qual é a sua avaliação sobre a economia do Brasil hoje?

ANTONIO DOMINGUEZ — Na semana passada, eu visitei alguns países da Ásia. Estive em Cingapura, na China, no Japão e nos Emirados Árabes Unidos. Estava fazendo um reconhecimento, falando com os clientes para entender quais eram as expectativas para o Brasil. Todos falaram muito bem do País. Eles disseram que pararam de investir aqui nos últimos seis meses porque estavam realmente esperando as eleições. E o que nós entendemos agora é que as indicações são positivas. A recuperação não será imediata, mas estamos esperando um 2019 melhor que 2018, sobretudo para as importações, que caíram muito este ano.

DINHEIRO – Então a visão global sobre o Brasil neste momento é boa?

DOMINGUEZ — Por enquanto, sim. Todos falaram que a visão é melhor do que era há seis meses, quando o mercado brasileiro se fechou completamente para as importações. Se você olha os últimos números, as importações do País caíram 11% no terceiro trimestre deste ano. É muita coisa. O primeiro trimestre se beneficiou do efeito positivo da Copa do Mundo. Isso ajudou muito no desempenho daquele período, que foi incrível. Mas nós já falávamos ao final do primeiro trimestre que o segundo e o
terceiro seriam períodos ruins. E foram.

DINHEIRO – Foram ainda piores do que vocês projetavam, certo? O que obrigou a empresa a revisar a projeção de crescimento para baixo?

DOMINGUEZ – Nós acreditamos que o Brasil crescerá entre 1% e 1,2% este ano. A princípio, estávamos mais otimistas. Falávamos de um crescimento de 3%. Mas o País mudou rapidamente.

“Ninguém projetou o impacto da greve dos caminhoneiros. A verdade é que ainda estamos sofrendo suas consequências”Iniciada na manhã de 21 de maio, a greve dos caminhoneiros durou dez dias e causou danos irreparáveis à economia do País

DINHEIRO – A greve dos caminhoneiros teve um papel decisivo nesse descompasso?

DOMINGUEZ – Exatamente. Ninguém conseguiu projetar o impacto da greve. Só falam que foi de duas semanas. Mas a verdade é que nós ainda estamos sofrendo os impactos dela. A bagunça foi enorme.

DINHEIRO – As exportações agrícolas brasileiras também perderam um volume significativo nos dois últimos trimestres. Isso se deve ao impacto da greve?

DOMINGUEZ – O Brasil perdeu um momento-chave na economia. Quando a greve dos caminhoneiros aconteceu, a demanda pelo produto brasileiro estava realmente em um patamar maravilhoso. O Brasil perdeu muitas oportunidades de exportação e alguns países se beneficiaram com a queda nas exportações brasileiras de produtos refrigerados.

DINHEIRO – Quais países se beneficiaram?

DOMINGUEZ – Na parte da carne, os maiores beneficiados foram os países vizinhos. Argentina, Uruguai e Paraguai. Mas também a Austrália pegou partes do mercado. O Chile se beneficiou muito das exportações de frutas. Ainda estamos olhando para ver quais serão os reflexos disso na próxima temporada. Será que vão querer comprar mais cítricos da Argentina? Será que isso volta para o Brasil? Você tem muito melão que agora é produzido na América Central, em países como Guatemala e Honduras. Será que eles vão comprar o melão de lá ou voltarão a comprar os do Nordeste? Essas respostas nós ainda não temos.

DINHEIRO – Não houve compensação dessa perda com as cargas secas?

DOMINGUEZ – O principal impacto foi na parte de carga refrigerada, devido aos problemas de exportação de carne para a União Europeia e de frango para o Oriente Médio. Também houve restrições impostas pela Rússia, que era um mercado muito significativo no passado. Mas a exportação de carga seca, como a do algodão, tem crescido significativamente. Boa parte do espaço que antes era destinado para carga refrigerada está sendo dedicado para carga seca hoje.

DINHEIRO – Paulo Guedes, o superministro da Economia para o próximo governo, disse que o Mercosul não será uma prioridade.

DOMINGUEZ – Ele falou que não será prioridade, mas não disse que vai esquecer o Mercosul. Você tem que assinar acordos de livre comércio com outros países. No Mercosul, isso já está assinado, com todas as regras claras. O que precisa ser feito é encontrar formas de abrir o mercado brasileiro para outras economias. Temos que abrir o Brasil para o mundo.

DINHEIRO – O que pode ser feito para que o Brasil se torne mais competitivo?

DOMINGUEZ – O primeiro passo é avançar com os tratados de livre comércio, porque a qualidade dos produtos já existe. Você tem muitas indústrias que conseguem entregar um volume grande. Se a China quiser comprar de outros lugares o mesmo volume que compra do Brasil terá que pegar quatro ou cinco países do lado oeste da América do Sul. O que precisa é encontrar uma forma de assinar tratados de livre comércio com a União Europeia e com a China.

DINHEIRO – O Peru avançou muito mais que o Brasil em acordos de livre comércio nos últimos anos. Ele pode servir de exemplo?

DOMINGUEZ – Você tem que olhar para Peru e Chile, que são dois grandes exemplos. Eles encontraram uma maneira para que o produto deles fosse competitivo em mercados não tradicionais. Eles têm um acordo com a Ásia Pacífico, que engloba não só a China, mas Cingapura, Coreia do Sul, Malásia e outros países daquela região. Todos são mercados gigantes e com poder aquisitivo em crescimento. Eles querem diversificar a dieta. Existem tantas coisas que você consegue produzir no Brasil e vender para o mundo… Temos um monte de frutas diferentes, que muitos nem sabem que só existem aqui. Isso pode ser uma oportunidade.

“É importante ver como serão as vendas durante o Natal, porque isso será um termômetro para as importações do primeiro trimestre de 2019”O volume de importações de eletrônicos apresentou queda nos últimos meses devido à desvalorização do real frente ao dólar

DINHEIRO – E não só em frutas. Se levarmos em consideração a cachaça, tradicional bebida brasileira, apenas 1% do que é produzido é exportado. Existe um grande empenho da indústria local para mudar esse cenário.

DOMINGUEZ – Acho que esse é um exemplo muito bom. Eu sou panamenho. O presidente do Panamá é o dono da maior produtora de cachaça do Panamá, um país pequeno, que tem um pouco mais de 3 milhões de habitantes. Mesmo assim, o Panamá está assinando um acordo de livre comércio com a China. E a primeira coisa que eles conseguiram vender para os chineses foi a cachaça. Se o Panamá consegue vender cachaça com um mercado nanico, qual é o potencial do Brasil? Enorme.

DINHEIRO – A greve dos caminhoneiros mostrou que o Brasil precisa desenvolver mais opções logísticas e, sobretudo, aprimorar a sua malha ferroviária. O que o País pode fazer para evitar que esse caos aconteça novamente?

DOMINGUEZ – O Brasil é enorme. Se você olha para outros países grandes, como Canadá, China e Rússia, todos eles já desenvolveram a malha ferroviária. O Brasil não. Os investimentos têm que acontecer. Não adianta falar de dragagem e de melhores portos se você não tem conectividade entre eles e as cidades.

DINHEIRO – A carne brasileira tem encontrado entraves em vários países pelo mundo. A Rússia, por exemplo, até pouco tempo atrás proibia a importação.

DOMINGUEZ – Finalmente abriu. Há pouco mais de duas semanas, a Rússia mudou isso. Abriu o mercado, mas somente para nove plantas brasileiras. Isso traz alguma expectativa positiva para o próximo ano.

DINHEIRO – Como bloco, o mundo árabe é o segundo maior comprador de produtos do agronegócio brasileiro. A Câmara Árabe estima que as exportações do Brasil para a região cheguem a US$ 20 bilhões, até 2022. Qual é a importância dessa relação comercial?

DOMINGUEZ – O Oriente Médio é muito importante para o Brasil. Na parte do frango, o problema é a forma com que os brasileiros abatem. Se você não consegue comprovar que está 100% em cumprimento com as normas culturais e religiosas deles, não consegue vender para esses mercados. O Brasil precisa se ajustar a essas medidas, porque o Oriente Médio é um mercado muito importante.

DINHEIRO – As importações de eletrônicos registraram queda expressiva em agosto, tal como em abril e, em menor proporção, em julho. Isso é um sinal negativo para o Natal deste ano?

DOMINGUEZ – A queda foi um reflexo do real acima de R$ 4 em relação ao dólar. Nós ainda estávamos animados quando o dólar estava cotado a R$ 3,70. Mas depois a moeda passou de R$ 4, de R$ 4,10, e isso impactou as importações. Quando estive no Japão e na China, conversei muito com fabricantes de eletrônicos. Todos eles me disseram que as exportações para Manaus, o principal destino desses produtos no País, estão paradas, por enquanto. Mas mesmo essas empresas estão com a certeza de que as coisas vão melhorar. É importante olhar como serão as vendas durante o Natal, porque isso será um termômetro para as importações do primeiro trimestre de 2019.

DINHEIRO – Alguma commodity brasileira se beneficiou com a guerra comercial entre Estados Unidos e China?

DOMINGUEZ – O algodão. Vimos um crescimento interessante no terceiro trimestre e ainda maior no quarto. Muita produção de algodão que era comprada nos Estados Unidos está sendo comprada aqui por conta das barreiras comerciais. Tem muito algodão brasileiro sendo vendido para China, Paquistão e Tailândia.

DINHEIRO – A China é o principal parceiro comercial do Brasil. Em fevereiro, o governo de Michel Temer anunciou que o balanço entre exportações e importações gerou o maior saldo comercial da história do País: US$ 66,9 bilhões. Mas o presidente eleito, Jair Bolsonaro, tem apontado a China como um “predador que busca dominar importantes setores da economia brasileira”…

DOMINGUEZ – O sentimento que percebi na China, na semana passada, foi muito positivo. Acho que precisamos separar o candidato do presidente. As impressões que ele está enviando agora são muito positivas para o mercado externo. As duas economias são muito grandes e elas vão encontrar um jeito de seguir trabalhando juntas.