Michel Temer e Jair Bolsonaro são antagônicos em quase todos os aspectos. Entre as poucas semelhanças, o fato de serem políticos experientes e de terem ocupado a principal cadeira do Palácio do Planalto. Os pontos em comum ficam por aí. Enquanto que Bolsonaro não demonstra qualquer interesse em preservar a compostura de um chefe de Estado, disparando xingamentos e palavrões em rede nacional, Temer é conhecido como um homem de tom ameno e fala diplomática. Ambos têm a Câmara dos Deputados como origem, mas enquanto Temer chegou a ocupar por três vezes a presidência do Legislativo, Bolsonaro era visto, até dois antes de chegar à Presidência, como um personagem folclórico do baixo clero.

Temer assumiu o poder, de forma definitiva, em agosto de 2016 após um traumático processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff (a quem ele, durante toda a entrevista, citou como a “senhora ex-presidente” e não pelo nome) e disse ter conseguido administrar o País por 2 anos e 7 meses porque “governou com o Congresso”. Ainda que tenha enfrentado as críticas de que chegou ao posto por meio de golpe, Temer afirmou que o processo foi iniciado por ato do presidente da Câmara (Eduardo Cunha, à época) e disse “ter certeza que a ex-presidente é honesta”. Bolsonaro foi eleito em 2018, em uma eleição polarizada e, desde então, contribui para dividir ainda mais o País.

“O presidente Perdeu a oportunidade de centralizar as ações de combate ao vírus no país. precisou que o supremo decidisse”

À DINHEIRO, Michel Temer abdicou de seu habitual tom polido para fazer críticas duras ao governo de seu sucessor. Ainda que longe do estilo verborrágico de Bolsonaro, o ex-presidente respondeu diretamente o que faria se estivesse hoje no poder. Sua principal ação seria retomar o pagamento do auxílio emergencial, no valor de R$ 300, pelo menos até que boa parte da população estivesse imunizada contra a Covid-19.

Também falou que Bolsonaro errou na condução das ações de combate à pandemia. Na economia, Temer afirmou que é necessário reduzir gastos públicos e incentivar investimentos estrangeiros. Para ele, falta ao presidente apresentar um plano de metas à sociedade, daquilo que pretende fazer nos próximos dois anos. A seguir, alguns dos principais temas abordados pelo ex-presidente durante a entrevista.

REFORMAS
“As reformas são inevitáveis. Ouvindo os discursos do Arthur Lira e do Rodrigo Pacheco (presidentes eleitos da Câmara e do Senado, respectivamente), percebi que ambos querem a modernização do País. Essa modernização passa, necessariamente, pelas reformas que ainda faltam. Nós fizemos o teto dos gastos públicos, a reforma trabalhista, a reforma do Ensino Médio, produzimos a reforma da Previdência, que foi aprovada. Agora faltam a reforma tributária e administrativa. Tenho impressão que, pela inevitabilidade, elas sairão.”

IMPEACHMENT
“Eu creio que o Arthur Lira não irá deflagrar nenhum processo de impedimento. Nesse sentido, a vitória dele foi muito útil para o presidente da República. Todo e qualquer processo de impedimento é traumático para o País. Eu assumi depois do impedimento da senhora ex-presidente, mas houve vários traumas. Primeiro, é necessário deflagrar o processo, que é ato do presidente da Câmara. É preciso formar comissão e, depois, caso declare procedente a acusação, tem que ir para o plenário. E mandar para o Senado fazer o julgamento, garantindo todos os direitos de defesa. Isso leva um longo tempo. No caso da senhora ex-presidente, começou em maio (2016) e foi até agosto. Eu tive a sabedoria de, assim que assumi interinamente, começar a governar. Tomei providências das mais variadas, mesmo no período entre maio e agosto. Em agosto é que tornou definitivo o afastamento da senhora ex-presidente. De qualquer maneira, eu reconheço que é sempre traumático. O que mobiliza muito o Congresso é o povo nas ruas. E eu não vejo agora povo nas ruas, como aconteceu no passado. Eu acho complicado o presidente da Câmara deflagar agora o processo de impedimento.”

Sergio Lima/AFP

“Eu não reclamei de protestos e aguentei o ‘fora, Temer’ durante o meu governo. Ele que aguente o ‘fora, Bolsonaro’”

TETO DOS GASTOS PÚBLICOS
“Lembro que houve muita crítica e era chamada de emenda constitucional da morte, porque iria acabar com Educação e Saúde. O que aconteceu é que logo no orçamento seguinte, nós aumentamos verbas para Educação e Saúde. Agora, em face da pandemia, que é preciso usar verbas especiais para a Saúde, nós temos uma saída na própria emenda constitucional, que diz que, em caso de urgência ou de calamidade pública, você pode usar créditos extraordinários. Que foi o que se fez e que se pode continuar fazendo, sem eliminar a figura do teto dos gastos públicos, que dá credibilidade fiscal interna e externamente. Principalmente externamente, já que eles precisam saber que a gente tem responsabilidade.”

AUXÍLIO EMERGENCIAL
“Se quiser continuar com o auxilio emergencial, o Poder Executivo pode propor ao Legislativo a hipótese dos créditos extraordinários. Vai criar problema? Vai. Mas nesse momento é mais importante preservar vidas do que preservar a economia. Porque a economia se abala, mas se recupera. Acho que essa é a solução que o teto de gastos deu ao Brasil. Se estivesse na presidência, manteria o auxílio emergencial. Temos uma pobreza enorme no Brasil. Temos de pensar nos mais vulneráveis, nos mais pobres. Eu penso que seria necessário até combater por inteiro a pandemia e, em dado momento, todos imunizados, ou naturalmente ou pela vacina, que é fundamental para todos os brasileiros. Aí a economia voltará a tomar rumo, o emprego começa a voltar e a partir daí, vai eliminando o auxílio. Acho que o valor de R$ 300 ainda é viável.”

ECONOMIA
“Primeiro, a eliminação de gastos públicos, especialmente com os servidores. Nesse ponto, a reforma administrativa é fundamental. A segunda delas é uma que eu tentei, mas só tive 2 anos e 7 meses, não foi mandato de 4 nem de 8 anos, mas nós temos inúmeros imóveis da União que estão até desocupados. E havia um plano para que vendêssemos tudo isso, sem ficar onerando os cofres da União. A outra é incentivar os investimentos estrangeiros. Precisamos ter credibilidade internacional e um trabalho internacional que nos permita cada vez mais trazer recursos para o Brasil. Acho que essa é a solução para a economia. Não há mistério. E prosseguir com a questão da reforma tributária. Isso não significa que haverá, num primeiro momento, redução de valores que os contribuintes têm de pagar. Isso é uma ilusão. Uma simplificação tributária já ajudaria bastante.”

EVARISTO SA/AFP

“O Hamilton Mourão ajuda o governo e não é vice decorativo, como eu fui. Gostaria de ter sido melhor tratado”

BOLSONARO
“O presidente Bolsonaro se equivocou durante a pandemia. Se equivocou em não tranquilizar a população. Mas a pandemia não era nacional e sim internacional. Ele poderia centralizar toda essa atividade de combate à pandemia no Brasil. E ele perdeu essa oportunidade. Isso significaria reunir estados, reunir municípios. Precisou o Supremo Tribunal Federal decidir quem tinha competência para fazer isso.”

ENTREVISTA: MICHEL TEMER
“Não dá para o presidente centralizar todas as atividades do governo”

O senhor disse que impeachment é sempre traumático. Isso vale para o movimento que o levou à presidência?
A senhora ex-presidente cometeu um crime de natureza institucional, as tais pedaladas, que são proibidas. Outro ponto é que ela perdeu, de alguma maneira, o apoio do Congresso. E havia muita movimentação de rua contra o seu governo. A conjugação desses fatores é que levou a um impedimento institucional. Eu sempre digo que a senhora ex-presidente não cometeu crime de natureza penal. Eu até posso atestar que ela é honesta. Nunca percebi, embora nem sempre muito próximo, nenhum ato de desonestidade da senhora ex-presidente. Digo que houve um trauma porque houve uma movimentação política. Mas nós estávamos com PIB, em maio de 2016, de -3,6%. A minha entrada na presidência fez com que o PIB fosse positivo em 1,3% em 2017. Eu pude fazer reformas que muitos anteriores jamais ousaram, a reforma trabalhista, a reforma do Ensino Médio, o teto dos gastos públicos, a recuperação das estatais, a queda da inflação, a queda dos juros, que teve sequência no governo Bolsonaro. De alguma maneira, foi útil para o País. Mas, politicamente, se a gente sempre puder esperar o momento da eleição, acho sempre melhor.

Manter o auxílio emergencial quebra ou não o Brasil, como disse Bolsonaro?
Governar é construir uma pauta de valores. Há valor da vida de um lado e o valor econômico de outro. Nesse momento, o principal é preservar vidas. Quando se fala em PIB negativo, se fala em 4,5%, 5%. Então, o que pode acontecer? Que a dívida pública aumente mais, que o PIB negativo chegue a 7%, mas depois, passada a pandemia, o Brasil recupera isso.

Por que o senhor não conseguiu avançar em todas as reformas no seu governo?
Porque tive 2 anos e 7 meses, mas fizemos reformas importantes, recuperamos estatais, reduzimos inflação, reduzimos juros. Ouvimos os governadores, e em conversa com Henrique Meirelles (que foi ministro da Fazenda e atualmente é secretário da Fazenda do estado de São Paulo), abrimos mão, durante seis meses, do crédito que a União tinha com os estados. Assim, os estados deixaram de pagar suas dívidas durante seis meses. O teto era de R$ 500 milhões ao mês. Em São Paulo, por exemplo, o estado economizou R$ 3 bilhões. Com isso, praticamos um gesto federativo de apoio aos estados. Não deu para fazer tudo.

O que o senhor teria feito diferente, se estivesse no governo, na política econômica?
Para o atual governo, eu diria que é necessário um plano de metas para o Brasil, para esses próximos dois anos. Eu quando cheguei ao governo, trouxemos o plano ‘Ponte para o Futuro’, desenvolvido na Fundação Ulysses Guimarães. O que esse governo precisa? De um plano, até para dar certa motivação para empregadores e empregados, que são forças motrizes do desenvolvimento nacional. O governo precisa dizer o que vai fazer na Educação, em Transportes, em todos os setores. Isso seria muito útil. Está faltando. O Brasil precisa de um plano. Talvez o governo tenha um plano interno, entre ministros e auxiliares, mas a simbologia é muito importante e, para isso, é necessário um plano escrito, divulgado para as pessoas acompanharem. Isso faria bem ao país. Não dá para o presidente centralizar todas as atividades do governo. O que ele deve fazer é coordenar.

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tem sustentação no cargo?
Se tem sustentação, eu não sei. O que conheço do Pazuello é que quando houve a questão dos refugiados venezuelanos (em 2018), o general Pazuello foi desginado por nós para coordenar essa atividade e fez uma coordenação logística extraordinária. Fui várias vezes a Roraima, vi os acampamentos. A única dúvida que tenho é que não sei se ele se sente à vontade como ministro da Saúde. Seria como se eu, que trabalho com direito constitucional, tivesse que dar aula de direito civil. Eu evitaria.

O Brasil vem perdendo credibilidade internacional, com provocações a parceiros comerciais. Não falta diplomacia?
Precisamos melhorar essa relação internacional. No meu período, quando eu falava na ONU, sempre sustentei a tese do multilateralismo, ou seja, a ideia de que temos de nos dar bem com todos os países. Nosso principal parceiro é a China e o segundo, os Estados Unidos. Isso já significa que o Brasil precisa se dar bem com ambos. Não se pode pensar em política isolacionista. Como nos isolamos, criamos um problema para o nosso país. Eu acharia de bom tom uma postura mais integracionista em relação ao mundo todo. O Brasil foi o segundo país a assinar o Acordo de Paris. Em 1992, na época do Collor, fizemos a primeira grande reunião mundial de preservação do meio ambiente. Temos o que dizer em matéria de meio ambiente, mas precisamos melhorar o relacionamento e a explicação à área internacional e não nos opormos à ideia de preservação do meio ambiente. Isso pega mal.

Qual a diferença do Temer vice-presidente para o Hamilton Mourão?
Mourão colabora muito com o presidente Bolsonaro. Vejo as manifestações dele, todas elas muito enaltecedoras do governo. E ele até se comunica muito bem. Nas suas falas, ele ajuda o governo. Em dado momento, mandei aquela carta dizendo que era um vice decorativo. E era decorativo mesmo. Não é o caso do Mourão. Ele tem contato mais direto e não é decorativo. Gostaria que a presidente tivesse me tratado como hoje é tratado o vice-presidente Hamilton Mourão.

Há planos de o senhor voltar a disputar algum cargo?
Não. Já ocupei muitos cargos. Fui procurador-geral do estado de São Paulo, secretário de estado, seis vezes deputado federal, três vezes presidente da Câmara, vice-presidente, presidente da República. Já cumpri meu papel. Hoje quero escrever e dar pareceres.

O que o senhor diria para o presidente Bolsonaro sobre lidar com manifestações que pedem a saída dele do governo?
Eu não reclamei dos protestos e aguentei o ‘Fora, Temer’ durante o meu governo. Ele que aguente o ‘Fora, Bolsonaro’. Tem que aguentar. É a democracia.