Autoridade no campo da sustentabilidade & reputação corporativa, ela diz que o status de corporações e governos neste jogo está sendo redesenhado.

Há mais de 20 anos radicada na Europa, nos últimos dez em Londres, Monica Kruglianskas é sênior advisor na área de sustentabilidade e reputação corporativa, além de coordenadora pedagógica na FIA Business School, ligada à Universidade de São Paulo. Ali coloca na prática o que traz como legado. “Preparar novos profissionais, porque eles irão liderar essas atividades”, disse. Para tanto, uma de suas principais habilidades talvez seja a de conhecer a questão por diversos pontos de vista: como empreendedora, acadêmica, executiva de multinacional, integrante de fóruns internacionais ou consultora para a iniciativa pública e privada. Esse currículo holístico é cada vez mais decisivo no atual momento que, segundo ela, é divisor na reconfiguração de quem serão os players relevantes da nova agenda global sustentável. Dica: muita gente pode perder o posto.

DINHEIRO — Você começou a atuar com sustentabilidade muito cedo. Como isso ocorreu?
Monica Kruglianskas — Antes, fui empreendedora. Pouco depois de me formar em administração, abri uma empresa de importação e comercialização na área de móveis de luxo e design contemporâneo [FAS-Functional Art Systems, que existiu por quase oito anos e chegou a faturar US$ 1,2 milhão anualmente], e me aproximei do universo da sustentabilidade. Decidi me especializar e, no começo dos anos 2000, fui fazer doutorado na Espanha. Minha pesquisa já foi na área de sustentabilidade e reputação corporativa.

Foi nesse período que comandou a área de sustentabilidade dentro da Danone?
Fui head de Desen­vol­vi­mento Sustentável da Da­none por cinco anos (2008-2013), quando presidi o Comitê Executivo de Sustentabili­dade da empresa, que facilitou o envolvimento dos líderes sêniores com a agenda de sustentabilidade. Fizemos prosperar algo decisivo, a abordagem sistêmica. Isso abriu caminho para uma visão ainda mais abrangente, para fora da companhia, que inclui stakeholders.

Independentemente da im­­portância do tema, tratar de sustentabilidade se tornou senso comum. Há quem leve a sério, os que fazem o mínimo e os que só fingem fazer. Isso atrapalha a agenda?
Já foi pior. Houve um período, há cinco ou seis anos, que foi deprimente para quem estava mergulhado nesssa agenda, como eu. Aquele momento de a gente todo dia se perguntar: “Ninguém vai acordar para isso?” Veio a pandemia e concomitantemente uma série de eventos contundentes, em que a opinião geral mudou. Não há mais como esconder a gravidade do problema climático. Essa agenda interessa a todos. Os negacionistas estão em extinção e a sustentabilidade voltou ao centro. Então, depois do passo para trás, houve aquela respirada para seguir em frente e combater o problema.

Mesmo que haja esse resgate da importância, muitas organizações dão uma maquiada na agenda. É muito difícil para o público comum quantificar e metrificar o que é verdade.
Sempre digo em meu trabalho que a melhor forma de você construir a reputação que deseja é se tornar efetivamente aquilo como você quer ser visto. Trabalho de reputação é diferente do de imagem. Imagem você pode conquistar com muito dinheiro, uma boa campanha de marketing. O difícil é sustentar essa imagem ao longo do tempo.

Ainda assim, alguém como eu, uma pessoa co­­mum diante do tema, pode ser capaz de avaliar?
Nesse sentido a reputação compartilha uma variável importante com a sustentabilidade: o tempo. A única forma de as organizações terem credibilidade é manter essa consistência não só na construção da imagem, mas nos atos. Leva tempo. Mas é muito mais difícil enganar todo o mundo o tempo todo.

“Não há mais como esconder a gravidade do problema climático. Depois do passo para trás, houve aquela respirada para seguir em frente e combatê-lo” (Crédito:Istock)

Será, então, uma gestão sempre de longo prazo?
A reputação corporativa é muito parecida com a das pessoas. A gente tem diversas reputações para diversos públicos diferentes. Depende de quem é o público. Ela será percebida de diferentes maneiras. Você pode ser bom para alguém em alguma coisa. Em outra atuação, para outra pessoa, não.

Se de certa forma a construção da imagem pode ser menos custosa, mas a da reputação não, qual é o maior desafio para as empresas?
Ser o mais coerente possível com a realidade. É preciso que a organização realmente defina o que ela quer ser, e no caso de sustentabilidade esse desafio é a organização saber se posicionar. Entender no que realmente ela pode contribuir para o desenvolvimento sustentável de uma forma geral. E quando falo de organizações, não trato apenas de empresas, pode ser uma ONG, uma escola. O grande problema é achar que ela pode solucionar tudo, sozinha resolver tudo.

A agenda ESG ajuda nisso?
Está muito na moda a agenda ESG, todo mundo acha que pode fazer tudo muito bem. Mas para tratar de sustentabilidadeb a organização precisa fazer um trabalho interno, uma reflexão profunda mesmo, sobre o que ela é, o que ela comunica, o que só ela pode fazer, para ajudar nesse grande desafio global que é a sustentabilidade de nosso planeta. Cada empresa pode fazer algo muito bem, mas não pode fazer tudo muito bem. Se pensar que pode fazer tudo muito bem, em algum momento ela será exposta. Aí você perde a credibilidade junto ao cidadão comum.

O ESG virou condição sine qua non no mundo corporativo. Não pode mesmo ser o caminho?
Não. Existe mesmo essa confusão. A agenda ESG é uma série de indicadores, de frameworks, para que bancos, investidores, aqueles que estão selecionando essas organizações, avaliem o risco e tomem uma decisão — seja para oferecer crédito, seja para investir. Para que associem o risco climático, o social, o de governança ao financeiro. O risco financeiro é: vai dar lucro ou não vai dar lucro. Os outros são se as empresas estão atacando um recurso natural que não devem, estão cumprindo a lei por toda a cadeia… A agenda ESG é muito centrada no risco. A questão da sustentabilidade e da reputação é diferente.

Extrapola essa agenda do risco…
É o posicionamento da organização diante do desafio maior que a gente tem hoje em relação ao planeta inteiro. Como essa corporação pode se desenvolver sem prejudicar as próximas gerações? Como pode agir de forma sustentável? A agenda ESG está centrada no risco, a agenda da sustentabilidade é mais ampla.

As organizações têm clareza sobre isso?
Nem sempre. Nas empresas em que trabalho, nas consultorias que faço, as pessoas me chamam e dizem: “quero que você me ajude a fazer uma estratégia de sustentabilidade”. É um clichê recorrente. Então eu pergunto: “por quanto tempo você quer existir?”. A empresa pode dizer que precisa de uma estratégia para os próximos cinco anos, porque depois será vendida e o novo acionista decidirá. Ou então: “quero pelo menos uma estratégia de 20 anos, porque depois quem irá decidir é meu filho”. Outras querem para cinco gerações. Na agenda da sustentabilidade o nível de preocupação muda. Você sai do campo das transações para o das relações.

Existe algum segmento econômico que esteja mais atrasado na adoção e na compreensão da agenda?
O que percebo é que empresas que atuam no B2C, pelo contato mais direto com o consumidor final, por essa pressão, pelo risco reputacional, muitas delas se adiantaram em relação a outras. Há setores, no entanto, que já enfrentam problemas de acessos a recursos naturais, agravados por secas, enchentes. Esses setores já estão preocupados com a viabilidade do negócio deles hoje para um futuro próximo. As empresas precisam trabalhar toda a cadeia produtiva, muitas vezes desde a origem, com pequenos agricultores, famílias.

E no caso de governos? O Brasil parece atuar numa agenda frágil, partidária e não de Estado. É assim que você enxerga?
O Brasil, precisamos lembrar, é um país em desenvolvimento. Em formação. Onde vivo, na Inglaterra, tudo já está feito. Vim para cá também porque era o lugar para se estar e se envolver na questão da sustentabilidade. O país liderava nesse tema. Perdeu um pouco de importância nos anos recentes, mas ainda mantém um compromisso efetivo com a agenda. O problema aqui é mudar o que já está estabelecido. A matriz energética, por exemplo. Mas na Inglaterra, como no restante da Europa, está estabelecida uma situação de carbono neutro até 2050.

“Nosso maior problema vem do desmatamento. É uma questão econômica. As pessoas que queimam, desmatam, fazem porque isso gera renda” (Crédito:Istock)

Avanços bem distantes do Brasil, não?
Sim. E agora começam a ser estabelecidas as metas de aspecto social. O governo estabelece as regras do jogo de forma muito mais claras. Já o Brasil, apesar de rico em recursos, com o [governo] que a gente tem, não pode ocupar um espaço de liderança global [na sustentabilidade]. A gente perdeu esse assento na mesa. E perdeu por essas limitações políticas. Os lugares na mesa mudaram.

A saída não virá do Estado?
É importante dizer que no Brasil temos instituições que puxam essa agenda. E dão sinais dos caminhos que as empresas devem seguir. Um exemplo: o Banco Central instituiu uma norma [4.943, de 2021] que obriga as instituições financeiras a divulgarem indicadores sobre riscos nas questões sociais, ambientais e climáticas. Outro: o BNDES assumiu o papel de ser o market maker de carbono [uma operação piloto para compra foi aprovada em março]. Ele já se adiantou e vai formatar esse mercado no País. Então, apesar de o governo brasileiro não acompanhar no mesmo nível os governos europeus, que são referências nessa agenda, as instituições [incluindo as vinculadas ao Estado] estão totalmente em linha com seus pares europeus. E claro, há empresas como Natura, Suzano, e muitas outras, que lideram, dialogam e operam em nível de igualdade, e até superioridade, comparadas a corporações de fora do Brasil.

Mas o lugar de destaque à mesa se perdeu de vez?
Não. Pelos recursos do País, a solução é de certa forma fácil. Nossa matriz energética é muito limpa. Nosso maior problema vem do desmatamento. Não é um problema climático, é uma questão econômica. As pessoas que queimam, desmatam, fazem porque isso gera renda. É preciso eliminar esse problema e criar outra forma de a sustentação econômica chegar a essas pessoas. Trata-se de ter vontade política, e generalizada, para acontecer. É preciso uma liderança importante. Ter uma voz para negociar isso globalmente.

Efetivamente, como governos, empresas e as pessoas comuns podem atuar? Ou fica para a próxima geração?
A solução virá pelo lado econômico. Tive de vender meu carro, a diesel, porque foi instituída uma taxação e cada vez que ia tirá-lo da garagem teria de pagar 15 libras.Fica inviável. Já estou na fila do carro elétrico. Vai ser uma questão econômica. E não existe a próxima