Charmain da Câmara Americana de Comércio no Brasil defende que o País mantenha neutralidade no conflito diplomático entre EUA e China para não afetar relação comercial com os dois principais parceiros.

A proximidade política entre os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump não se reflete na relação comercial entre Brasil e Estados Unidos. Segundo estudo da Câmara Americana de Comércio no Brasil (Amcham Brasil), o comércio bilateral entre os países registrou o pior resultado dos últimos 11 anos. De janeiro a setembro, o valor das negociações chegou a US$ 33,4 bilhões, queda de 25,1% em relação ao mesmo período do ano passado. Um dos caminhos para melhorar a balança comercial está no acordo de facilitação de comércio, assinado por representantes dos dois países na segunda-feira (19). Para o presidente do Conselho de Administração da Amcham, Luiz Pretti, a redução de prazos pode diminuir os custos de exportação e importação. “É o primeiro passo para ampliar as discussões sobre livre comércio”, disse. O executivo não acredita que o apoio declarado de Bolsonaro a Trump, que disputa eleição contra Joe Biden, possa prejudicar a relação entre os países, em caso de derrota do republicano em novembro. “É um direito do presidente declarar apoio, mas tenho certeza que, caso Biden vença, eles irão conversar”, afirmou. “Não irá afetar a relação.” Pretti disse também que o Brasil deve ficar distante do conflito diplomático e comercial entre americanos e chineses. A China é o maior parceiro comercial do Brasil, com 28,8% do total dos negócios, seguida pelos Estados Unidos, com 12,3%. “O Brasil não pode participar desse momento de tensão. Não dá para escolher um em detrimento do outro.”

DINHEIRO – Quais fatores explicam a redução de 25,1% no comércio bilateral entre Estados Unidos e Brasil de janeiro a setembro, que representam a pior marca dos últimos 11 anos?
LUIZ PRETTI – O valor das trocas comerciais caiu de forma significativa por uma combinação de três efeitos: o da pandemia, que acabou acarretando problema grave em relação ao consumo; a queda do preço do petróleo, que também está associado à redução do consumo global; e algumas restrições de setores específicos, como o siderúrgico, já que o governo americano acabou criando barreiras que prejudicaram a relação comercial.

Como mudar esse cenário de queda tanto das importações quanto das exportações?
O Brasil acaba sentindo mais porque nossas exportações têm um valor agregado maior, como mostra o estudo da Amcham, o que aumenta esse déficit comercial. A gente estima que hoje o saldo comercial é negativo para o Brasil em US$ 3,1 bilhões. No caso do agronegócio, os países estão buscando entendimento, já que são complementares. Em 2050, teremos 9 bilhões de pessoas no mundo e não dá para pensar em alimentar essa população sem falar do agronegócio brasileiro e americano. Quando estamos em plena produção, eles estão na entressafra e vice-versa.

Mas não poderíamos ampliar o espaço do agronegócio brasileiro com menos restrições, como no caso do etanol?
Esse é um caso muito específico. Há discussões desse tipo em câmaras temáticas separadas. A gente precisa olhar para o todo. A relação entre os dois países tem que ser visão de mais longo prazo.

“É um direito do presidente Jair Bolsonaro declarar apoio a Donald Trump. Mas tenho certeza de que caso Biden vença eles irão sentar para conversar” (Crédito:Brendan Smialowski/AFP)

E a questão da tarifa para o aço brasileiro nos Estados Unidos?
É o mesmo raciocínio em relação ao etanol. Os associados da Amcham representam quase 33% do PIB brasileiro. Por isso o pensamento é mais global e não apenas setorial. Cada setor vai defender o seu lado e a gente precisa pensar na relação entre nações. Entendo que o acordo assinado entre Brasil e Estados Unidos vai encurtar caminhos para o futuro.

O que o acordo de facilitação de comércio entre Brasil e Estados Unidos, assinado na segunda-feira (19), pode ajudar na melhora das exportações brasileiras?
Quando são reduzidos prazos e obrigações, é possível diminuir custos de exportação e importação. Quando não se envolvem polêmicas tarifárias ou políticas, as discussões ficam mais fáceis. Esse trabalho nasceu em julho do ano passado, quando recebemos no Brasil o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross. A Amcham apresentou dez propostas para poder desenhar um acordo mais amplo de livre comércio, para evitardupla tributação.

Do que trata o acordo?
Ele reduz burocracia e os prazos. Há cálculos da Organização Mundial de Comércio (OMC) que mostram que esse tipo de acordo pode diminuir o custo em 13% no valor final da mercadoria. O acordo envolve facilitação de comércio, questões ligadas à burocracia e riscos financeiros e combate à corrupção. A Amcham participou diretamente desse processo de construção.

E o que falta para o Brasil discutir as tarifas aplicadas pelos americanos?
Esse é o primeiro passo para ampliar as discussões sobre livre comércio entre os países. É difícil prever prazos, mas é um caminho e esses debates estão avançando rápido. Faz pouco mais de um ano que essas tratativas começaram e a evolução foi bem rápida, levando-se em conta também que estamos no meio da pandemia e perto da eleição para presidente nos Estados Unidos.

Como discutir tarifa comercial no Mercosul quando os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos demonstram conflito ideológico com países como Venezuela e Bolívia?
Isso passa por uma melhor relação entre os países e sinto que o governo americano tem essa preocupação com a América Latina. Esse acordo é o primeiro passo para uma relação com países da região. Em relação a Venezuela e Bolívia acho um pouco mais difícil, mas os americanos planejam estreitar relação com os demais.

Por que a boa relação política entre Jair Bolsonaro e Donald Trump não se reflete diretamente em boa relação comercial?
Estamos avançando. Os Estados Unidos são o segundo melhor parceiro comercial do Brasil (atrás da China) e o maior mercado consumidor do mundo. Empresas americanas têm investido nos últimos anos algo em torno de US$ 60 bilhões (no País). E empresas brasileiras estão competindo com as americanas. Para mim, essa relação é muito boa. As relações devem ser suprapartidárias. Eu espero que se o Biden ganhar a relação comercial histórica entre Brasil e Estados Unidos siga firme. No passado, essa questão era politizada. Hoje não.

Mas quando Bolsonaro declara apoio público a Trump não está politizando a relação comercial?
Não acredito. O presidente Jair Bolsonaro tem uma personalidade única, muito particular. Não saberia te dizer se ele está fazendo certo ou errado. Você acha que se o Biden vencer Trump o presidente seria imprudente em não falar com ele? Claro que não. As relações devem ser pragmáticas, com foco nos interesses comuns. É um direito do Bolsonaro declarar apoio ao Trump. Mas tenho certeza de que caso Biden vença eles irão sentar para conversar. Não irá afetar a relação.

Há quem ache o governo Bolsonaro subserviente aos Estados Unidos. Concorda?
Não concordo com isso. O Brasil não é subserviente a nenhuma outra nação.

O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, disse que tanto Brasil quanto Estados Unidos devem diminuir a dependência em relação à China. O senhor concorda?
A China é um grande parceiro do Brasil e essas relações não precisam ser excludentes. Todos nós sabemos que existe uma tensão entre Estados Unidos e China. O Brasil não pode participar desse momento de tensão. Não dá para escolher um em detrimento do outro. Essas relações comerciais precisam atender aos dois lados. São dois grandes parceiros. Deixa que eles resolvam o problema deles e não vamos nos posicionar. Esse é um mercado mundial de comércio e de diplomacia.

“O que precisa ficar claro é que é o governo brasileiro quem vai definir a melhor solução para o País sobre a questão da tecnologia para o 5G” (Crédito:Istock)

Mas não é justamente diplomacia que falta do governo Bolsonaro em relação à China?
No começo da gestão, faltou habilidade, mas hoje em dia não vejo mais integrantes do governo brasileiro falando da China. Foram um ou dois episódios infelizes e logo em seguida foram contornados. O fato é o que o Brasil não tem de tomar partido na tensão entre Estados Unidos e China. Precisamos ter boa relação com todos.

Esse atrito não é bom para o Brasil, né?
É péssimo.

O senhor acha razoável que o conselheiro de Trump para Assuntos de Segurança Nacional, Robert O’Brien, sugira que o Brasil vete a tecnologia chinesa para o 5G?
Para mim não é uma surpresa porque os americanos já tinham dado essa mensagem. Mas o Brasil é um país soberano. Nesse caso do 5G, temos de priorizar combinação de tecnologia de ponta, custos e garantia de segurança. O Brasil vai ter de se posicionar nessa área de infraestrutura e tecnologia. Acho que o representante do governo Trump está no papel dele, embora fuja do padrão americano de comportamento. O que precisa ficar claro é que é o governo brasileiro quem vai definir a melhor solução para o País.

Durante o governo de Barack Obama houve avanços nas discussões para eliminar vistos de entrada de brasileiros nos Estados Unidos. Como esse tema está sendo discutido agora?
Essa discussão está avançando. Estamos fazendo testes com brasileiros que terão fast track (espécie de fura fila) na chegada aos Estados Unidos, com adesão ao programa Global Entry. Em breve, teremos boas notícias sobre isso. A liberação do visto para os brasileiros é uma questão de tempo. Acredito que até fim de 2021 teremos avanços nesse sentido.

A disputa política envolvendo as vacinas de Oxford, nos Estados Unidos, e a da China não é prejudicial para o Brasil?
Ambas vacinas estão na fase 3. A vacina da China está sendo testada pelo Instituto Butantan, que é uma entidade muito séria. A americana também está avançando nos testes. Não tenho dúvida de que o governo brasileiro fará todos os esforços para nos proteger.