À frente da ApexBrasil, Jorge Viana enxerga a retomada da diplomacia presidencial e a bioeconomia como grandes trunfos para mudar a imagem do País no exterior e atrair o capital externo necessário para promover a reindustrialização.

Com PIB de US$ 1,6 trilhão e lugar garantido entre as dez maiores economias, o Brasil ainda não comprovou sua vocação como liderança comercial no mercado externo. Segundo o último relatório da Organização Mundial do Comércio (OMC), as vendas ao exterior de US$ 334 bilhões em 2022 não foram suficientes para manter o País na mesma posição do ano anterior no ranking das exportações. A queda de uma casa colocou o Brasil em 26o lugar. Subir alguns degraus ao mesmo tempo em que precisa atrair mais investimento estrangeiro direto é parte das missões que Jorge Viana tem no comando da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil). “Nós temos um trabalho acumulado de incentivo às exportações e de atração de investimentos, mas eu diria que com a capacidade da Apex e com o apoio do governo vamos viver uma nova fase”, afirmou.

DINHEIRO — Nos últimos anos tivemos poucos avanços práticos nos acordos comerciais do Brasil com outros países. O que podemos esperar dessa agenda?
Jorge Viana — O presidente Lula já demonstrou que a diplomacia presidencial está de volta e, não por acaso, sua primeira visita foi ao Alberto Fernández, da Argentina. Nosso vizinho era um parceiro estratégico do Brasil , mas a relação se enfraqueceu e nossas exportações para lá caíram 40% nos últimos quatro anos. O presidente também tratou de trazer para a pauta os trabalhos para a conclusão do acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Esse novo modelo de gestão institucional é muito importante para o comércio exterior, para a promoção das empresas nacionais lá fora e para a atração de investimentos externos.

Por questões diplomáticas e ambientais, a imagem do Brasil ficou bem abalada. Já há sinais de melhora?
O Brasil que antes era admirado por suas questões ambientais passou a ser visto como o vilão da floresta, o agressor dos povos originários e destruidor do meio ambiente. Sem dúvida isso afetou drasticamente a imagem do Brasil na Europa e em outros mercados. Com a virada de chave que a democracia brasileira viveu com a eleição do presidente Lula e do vice Geraldo Alckmin essa imagem foi imediatamente repaginada.

Há fatos concretos dessa repaginação ou é também uma percepção?
Eu estava em um encontro bilateral Brasil-Alemanha no Palácio do Planalto e ouvi do chanceler alemão, Olaf Scholz, que eles estavam felizes com o novo governo e esperançosos de que agora teríamos uma agenda econômica verde. Daí a importância de dar eficácia ao funcionamento do acordo Mercosul e União Europeia. Sozinho, esse é um mercado de 700 milhões de pessoas e que movimentará cerca de um quarto do PIB global. Isso mexe na geografia econômica do mundo e cria possibilidades para que aconteça aquilo que o nosso vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços Geraldo Alckmin quer: a reindustrialização do País.

“O presidente Lula já demonstrou que a diplomacia presidencial está de volta e, não por acaso, a primeira visita dele foi ao Alberto Fernández, da Argentina” (Crédito:PR/Ricardo Stuckert )

Quais ações do governo estão sendo implementadas para que isso ocorra?
A indústria já representou mais de 20% do PIB e hoje está perto dos 10%. Não faz sentido a maior economia da América Latina sofrer com a desindustrialização. Tudo isso está de volta e no foco do governo federal. O maior sinal disso foi a volta do Ministério do Desenvolvimento com o vice Alckmin à frente. É um novo futuro.

Ainda assim sofremos problemas básicos como o trabalho análogo à escravidão. Em paralelo, a Europa quer a diligência em direitos humanos para seus parceiros. Como fica o Brasil?
É óbvio que em uma economia de US$ 1,6 trilhão como a do Brasil, e com tanta diversidade na sua atividade econômica, encontraremos problemas de tempos em tempos. A Apex foi muito rápida quando se deparou com a denúncia de trabalho análogo à escravidão em três vinícolas do País. Não condenamos previamente qualquer empresa, mas mandamos um recado que práticas como essa não farão parte da vida econômica do Brasil daqui para frente. Ilegalidades não serão permitidas.

Há algum plano de ação preventiva?
Estamos estudando uma cooperação com o Ministério Público do Trabalho para a criação de mecanismos para evitar situações como essa. Em outra frente, reunimos os 54 setores da economia que estão na agência para deixar claro que o Brasil vai perseguir sim as melhores práticas ESG.

Como garantir que essas boas práticas sejam de fato implementadas e não mais uma narrativa enganosa?
Concordo que o ESG já está no portfólio das empresas, mas que ainda há falhas na execução. Boa parte das companhias precisam demonstrar que estão alinhadas às boas práticas. A própria Apex está no processo de intensificar esses compromissos. Mas para mim é fundamental que o mercado internacional aceite que o Brasil não é o vilão da crise climática, é a solução.

Como a ApexBrasil contribuirá neste plano considerando o potencial da bioeconomia?
Nós temos um trabalho acumulado de incentivo às exportações e de atração de investimentos, mas eu diria que com a capacidade da Apex e com o apoio do governo vamos viver uma nova fase. Há cerca de duas semanas, por exemplo, lançamos em Brasília um mapa de investimentos Brasil e União Europeia. Nos próximos meses, faremos o lançamento do documento na Europa, região que responde pelos maiores investimentos estrangeiros por aqui.

O que esperar da China?
Também estamos nos reaproximando. A China é o maior parceiro comercial do Brasil, com quase US$ 170 bilhões de superávit na última decada, mas cujo fluxo de investimento estrangeiro é irrisório. Até o ano passado, o volume entre os dois países era de cerca de US$ 30 bilhões e, ainda que este ano chegue aos R$ 60 bilhões, é nada perante os US$ 2,6 trilhões que a China investe no mundo. Já o investimento estrangeiro direto do Brasil é de US$ 296 bilhões, sendo que somente US$ 800 milhões são na China.

Os números estavam na pauta da viagem do presidente Lula à China?
Temos uma pauta ampla quando falamos de China. O governo passado fazia piada, tratava com desdém o mais importante parceiro comercial do Brasil. Nós, ao contrário, temos convicção de que a China pode ser importante na reindustrialização. Hoje a relação Brasil-China é de comércio, e para mim tem que ser estratégica globalmente. Claro que quem define isso é o Itamaraty, é o governo, mas é nisso que acredito e vamos contribuir via Apex como pudermos.

“Os produtos da floresta, como o açaí, movimentam cerca de US$ 160 bilhões ao ano e o Brasil participa com somente US$ 300 milhões. É insignificante” (Crédito:Marco Ankosqui)

É possível exemplificar os planos da agência nesse novo cenário?
As exportações do Brasil são muito desiguais. Dos US$ 334 bilhões exportados em 2022, o Sudeste respondeu por US$ 164,3 bilhões; o Sul, R$ 56,5 bilhões; e o Centro-Oeste outros US$ 54,7 bilhões, em números arredondados. O Nordeste, US$ 28,5 bilhões, sendo que a Bahia participou com US$ 14 bilhões. Isso significa que oito estados da região exportaram US$ 14,5 bilhões. No Norte a situação é um pouco mais crítica: foram US$ 29 bilhões, mas quando tiramos o Pará com a Vale, são apenas US$ 7 bilhões de exportações para todos os estados da região da Amazônia. Não faz sentido a região mais rica em biodiversidade exportar tão pouco. É com esse olhar que a Apex está trabalhando. Isso não significa a descontinuidade no crescimento das demais regiões, mas queremos fazer um esforço específico para o Norte e Nordeste.

Estudos apontam que não temos a liderança do mercado global em quase nenhum produto da floresta. Confere?
É verdade. Para se ter uma ideia, existe um estudo que mapeou 65 produtos compatíveis com a floresta, encontrados em uma faixa verde do planeta que envolve o Brasil, a América Central e a Ásia. Estamos falando de café, pimenta-do-reino, artesanatos, castanhas, cacau e outros. Esses produtos da floresta, como o açaí, movimentam cerca de US$ 160 bilhões ao ano e o Brasil participa com somente US$ 300 milhões. É insignificante. Estamos focados em mudar esse cenário.

Como desenvolver cadeias tão pequenas quando já há todo um mecanismo voltado a atender aos altos volumes de commodities agrícolas?
Não vamos deixar de atender nenhum setor, mas vamos identificar oportunidades na bioeconomia, na agricultura familiar, no produto artesanal e começar a desenvolvê-las porque é assim que se começa uma cadeia produtiva importante. Veja o cacau: a Costa do Marfim produz 2,1 milhões de toneladas; Gana, 800 mil; e o Brasil produz 200 mil toneladas. E eles não têm nenhuma vantagem comparativa em relação ao Brasil. O que nós precisamos é de políticas para que o produtor consiga competir com eficiência no mercado internacional. É defesa da economia e não protecionismo.