Se as novas projeções do governo se confirmarem, a promessa do ministro da Economia, Paulo Guedes, de zerar o déficit fiscal no primeiro ano de gestão estará errada. Muito errada. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2020, apresentado na segunda-feira 15, prevê as contas públicas no vermelho até 2022. Ou seja, o saldo positivo virá com quatro anos de atraso. Pior. Não haverá espaço para reajustar o salário mínimo acima da inflação e crescerá o risco de falência em serviços públicos essenciais. O quadro só mudará se a classe política acelerar a pauta de reformas capaz de estancar a sangria de recursos públicos, desde a revisão das aposentadorias até a redução da máquina estatal. Como não é possível saber quando – e se – isso acontecerá, a decisão de Brasília foi não considerar as mudanças na peça orçamentária do ano que vem. O quadro conservador e realista da situação fiscal é alarmante: vão faltar recursos.

O projeto de lei é um exercício preliminar no planejamento para as verbas federais. Muita coisa costuma mudar até dezembro. A tônica desta versão é recheada de recados à sociedade. O primeiro e mais impactante é a mudança do salário mínimo. A fórmula de reajuste real adotada nos últimos oito anos não se sustenta mais. A correção se dará apenas pela inflação, o que significará uma diferença estimada de R$ 11 mensais. O valor subirá dos R$ 998 hoje para R$ 1.040. Pela regra antiga, chegaria a R$ 1.051. A cifra serve de referência aos reajustes previdenciários – cada R$ 1 de aumento significa um avanço de R$ 300 milhões nos gastos públicos. Como o Brasil caminha para o sexto ano de déficit, a conclusão do governo é que a regra se tornou inviável. A revisão já vinha sendo apontada como necessária por economistas diante do quadro fiscal adverso. A fórmula anterior, que incluía a inflação mais a variação do PIB nos dois anos anteriores, garantiu um avanço de mais de 85% desde 2011, quando foi adotada.

GANHANDO TEMPO O governo terá até dezembro para comunicar se a decisão é permanente. Para Jason Vieira, economista-chefe da Infinty, a melhor solução seria desvincular a referência do mínimo dos benefícios previdenciários. “Se separar da aposentadoria, do salário do servidor, é possível dar até um aumento maior.” Pelos cálculos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socieconômicos (Dieese), para atender as necessidades básicas, o valor do mínimo deveria ser hoje de R$ 4.052. Daí porque alterações na regra são vistas como amplamente impopulares e enfrentam resistências no Congresso, com risco de contaminar a tramitação da reforma da Previdência.“Estamos trabalhando com o Congresso para que o quadro fiscal seja muito melhor do que os números colocados neste PLDO”, afirmou o secretário especial da Fazenda, Waldery Rodrigues. “Não vamos nos enganar, o cenário fiscal é muito grave.”

As mudanças nas regras da aposentadoria tramitam com dificuldade no Parlamento. Na quarta-feira 17, o governo sofreu nova derrota ao ver adiada a aprovação do texto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Sem a reforma, os gastos previdenciários seguem em trajetória explosiva. Em 2020, somente os benefícios do INSS resultarão num déficit de quase R$ 240 bilhões. O avanço das aposentadorias comprime o espaço para outras políticas publicas. Para cumprir a regra do teto das despesas, o ajuste é feito no gasto não obrigatório. A principal vítima é o investimento em infraestrutura, que já está na mínima histórica. “Mantendo a regra do teto e sem alterar a carga tributária, o melhor caminho do ajuste é o crescimento econômico”, afirma José Ronaldo de Castro Souza Jr., diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea. “Isso abreviaria o ajuste.”

O problema é que a aceleração do crescimento depende, hoje, da confiança dos investidores de que o País não ficará insolvente. Ou seja, pela aprovação da reforma da Previdência. Sem isso, a compressão da chamada despesa discricionária deve comprometer o funcionamento da máquina pública. Essa rubrica deve cair pela metade até 2022 e afetar a disponibilidade de recursos para o pagamento de bolsas de estudos, passagens áreas, luz, entre outros. Segundo o texto do PLDO, há um grande avanço dos gastos obrigatórios em detrimento dos discricionários, “o que tende a precarizar gradualmente a oferta de serviços e a pressionar, ou até mesmo eliminar investimentos importantes.” Basta olhar para o estado do Rio de Janeiro para entender o que isso significa.