O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi a âncora para o lançamento de um condomínio de luxo localizado em Itatiba, cidade paulista que está a 80 km de distância da capital. Há 10 anos, o empresário brasileiro Ricardo Bellino, fundador da agência Elite Models e então sócio do magnata americano, anunciava a criação da Villa Trump, um empreendimento imobiliário megalomaníaco direcionado para os superricos brasileiros. O projeto, que estava orçado em US$ 100 milhões, naufragou por desentendimento entre os parceiros. Outro empreendimento, um hotel luxuoso no Rio de Janeiro, com mármore importado da Turquia, pensado para as Olímpiada de 2016, também não deu certo.

O projeto foi abandonado no meio. Agora, o Brasil entrou novamente na mira de Trump. Desta vez, porém, como mandatário da economia mais forte do mundo e não como investidor. Na segunda-feira 1o, durante o pronunciamento do novo acordo comercial entre EUA, México e Canadá, que passa a ser chamado de USMCA em vez de Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), Trump apontou o dedo para o País. Questionado sobre quais nações impõem mais dificuldades para o comércio exterior americano, ele disse que o “Brasil é uma beleza. Eles cobram de nós o que querem. Se você perguntar a algumas empresas, eles dizem que o Brasil está entre os mais duros do mundo, talvez o mais duro.” De acordo com o mandatário, o comércio com o Brasil talvez seja “o mais difícil do mundo”.

Porto seguro: o Brasil exporta principalmente soja para a China. Especialistas garantem que se as relações com o maior parceiro brasileiro não mudarem, o País não deve ser prejudicado

As palavras de Trump surpreenderam diplomatas, empresários e economistas. “Honestamente, não sei qual poderia ser um próximo alvo da política de Trump”, afirma Gregory Daco, economista-chefe para os Estados Unidos da consultoria britânica Oxford Economics. O Ministério de Relações Exteriores do Brasil correu para mostrar um levantamento utilizado pelo próprio governo americano de que há um superávit comercial de US$ 90 bilhões, acumulado em uma década, a favor dos americanos. De acordo com o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), nos últimos dez anos, a balança brasileira só registrou saldo positivo em três deles – 2007 (US$ 6,4 bilhões), 2008 (US$ 1,8 bilhão) e 2017 (US$ 2 bilhões). “De maneira geral, temos uma relação comercial muito positiva com os Estados Unidos. É o nosso segundo principal parceiro comercial. Temos um comércio com um perfil muito complementar e estratégico de trocas comerciais”, diz Abrão Neto, secretário de Comércio Exterior do Ministério da Indústria (MDIC).

Até agora, empresários americanos não haviam reclamado oficialmente de tarifas e procedimentos brasileiros para a chegada de produtos. “Quem está reclamando? Se existisse, pelo menos, uma negociação entre os países, faria sentido. Mas ninguém reclamou”, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Porém, um relatório sobre as práticas globais de comércio, divulgado em março deste ano pelo Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR, em inglês), aponta uma série de problemas que as companhias americanas enxergam no mercado brasileiro, como subsídios que variam com o humor do governo, repetição de testes em produtos que já obtiveram a licença de agências estrangeiras, além dos preços das tarifas de importação (leia mais no quadro “Lista suja”).

Embora exagerada, a crítica de Trump não é vazia. O Índice de Liberdade Econômica, elaborado pela Fundação Heritage, avalia quais países são mais abertos e quais são mais fechados nas relações comerciais. O Brasil aparece na 153a colocação entre 186 países e está entre um dos mais fechados do mundo. Os Estados Unidos estão no 18o lugar. Em compensação, o País tem apenas 16 queixas no histórico de reclamações da Organização Mundial do Comércio (OMC), enquanto que os EUA são os primeiros dessa lista, com 151 queixas. “É verdade que as tarifas brasileiras são altas”, diz Edward Glossop, economista especialista em América Latina da consultoria Capital Economics. “Mas o Brasil é um grande exportador de commodities. A não ser que o preço delas seja afetado, não parece haver muito com o que se preocupar.”

Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás da China. Desde janeiro, o País exportou US$ 20,6 bilhões para os EUA. As importações de produtos americanos somaram US$ 21,1 bilhões (leia quadro “No Pódio”). Entre os principais produtos estão o óleo bruto de petróleo e seus derivados, aviões, celulose e produtos semimanufaturados de ferro e de aço. A estimativa é a de que esse valor estaria em risco com o início de uma guerra comercial. Um desses produtos já foi afetado. Em março, a equipe de Trump decidiu elevar para 10% a tarifa sobre o alumínio e para 25% a tarifa sobre aço. A alternativa a esse aumento era o país exportador escolher pelo regime de cotas máximas de venda. Os produtores brasileiros de alumínio preferiram a sobretaxa enquanto que os do aço aceitaram as cotas. “No caso do aço e do alumínio, o direcionamento não era o Brasil”, afirma Castro, do AEB. “Houve uma mudança em relação ao mundo todo e o Brasil estava inserido, infelizmente. Mas só isso.”

Sob perigo: derivados de petróleo estão entre os produtos mais afetados por eventuais medidas de Trump, como o setor metalúrgico já foi (acima)

Por enquanto, nenhum tratado com o Brasil ou com o Mercosul foi renegociado pelos EUA, ao contrário do que ocorreu com vários outros países. Mas esse é um padrão de Trump: ele primeiro ataca para depois negociar. A estratégia do presidente americano tem surtido efeito. Na semana passada, ele conseguiu refazer o Nafta, um acordo que foi assinado pela primeira vez em 1994 entre EUA, México e Canadá. Após semanas de incertezas e ameaças por parte da equipe de Trump de que talvez não haveria mais uma área de livre comércio na região, os governos canadense e mexicano aceitaram as mudanças propostas pelos americanos. Entre elas está o fato de que o percentual dos componentes de um produto que são da região subiu de 62,5% para 75%. Qualquer mercadoria produzida deve também ser feita por mão de obra que ganhe ao menos US$ 16, o que favorece os empregos dentro dos Estados Unidos e não no México.

O novo Nafta pode prejudicar o Brasil. Os problemas podem surgir com a venda de automóveis mexicanos para os americanos. O México é o terceiro maior consumidor de componentes automotivos brasileiros, com compras de cerca de US$ 500 milhões (11% do total das exportações do setor). Com o aumento de 12,5 pontos percentuais, para 75%, da regra de origem para produtos da América do Norte, a indústria brasileira de autopeças pode ser afetada. “Ainda é muito cedo avaliar isso. E seria um risco muito marginal, sem possibilidade de cálculo”, afirma Castro, da AEB.

Desde que assumiu a Casa Branca, Trump já disparou sua metralhadora para União Europeia, Canadá, México, Japão, Coreia do Sul, Turquia e, especialmente, China. Muitas de suas críticas são só espuma, mas ajudam a desestabilizar politicamente os países e trazem incertezas à estabilidade internacional. Internamente, o presidente comemora o desempenho da economia. O país vive um cenário de pleno emprego, com a desocupação em 3,9%, o nível mais baixo em 15 anos, e a inflação está próxima de 3%, pouco acima do alvo de 2% do Federal Reserve (Fed, o banco central americano).

Há mais de um ano o crescimento trimestral do Produto Interno Bruto (PIB) tem ficado acima dos 2%. No segundo trimestre deste ano, alcançou um pico de 4,2%. Alguns analistas creditam essas altas à reforma dos tributos sobre dividendos e a um esforço para diminuir a burocracia, permitindo que haja mais dinheiro para reinvestimento e mais competitividade. Há quem discorde. “Só se passaram três trimestres desde a reforma sobre tributos. Não podemos creditar nada a isso ainda com tanta certeza”, diz Jeff Colon, professor de tributação da Universidade de Fordham.

Novo nafta: após meses de negociação, os governos mexicano e canadense aceitaram um novo tratado de comércio com os EUA. Vitorioso, Trump aproveitou para cutucar outros países, como o Brasil

As guerras comerciais travadas por Trump podem ser desastrosas para os EUA. O Fundo Monetário Internacional projeta uma expansão de 2,7% para a economia americana no ano que vem. Mas, se o país se isolar cada vez mais com tarifas e barreiras, a Oxford Economics calcula uma perda de 0,5 ponto percentual no PIB, em 2019. “Um presidente não constrói ou destrói uma economia sozinho”, diz Daco, da Oxford Economics. “Ter uma economia aberta continua sendo importantíssimo.”

Em meio a tanto falatório, Trump tem se esquivado de se defender de novas acusações. Desta vez, elas não têm relação com a Rússia ou com a ex-atriz pornô Stormy Daniels. O jornal The New York Times afirma que Trump sonegou impostos de sua família ao longo de três décadas. O magnata do mundo imobiliário seria um laranja para a fortuna do pai, Fred Trump, desde os três anos de idade. Como o ataque é a melhor defesa, talvez o presidente continue a apontar seu dedo para sair do foco.