Dois cenários concretos estão montados a partir da confirmação de troca de comando na Casa Branca. Dentro do governo brasileiro, a expectativa de maiores mexidas, até na estrutura operacional – com a eventual substituição dos ministros Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e Ernesto Araújo, das Relações Internacionais – está, a principio, descartada. Ao menos até a virada de ano. Bolsonaro não quer, de maneira alguma, perder assessores que aponta como extremamente fiéis aos seus interesses e propostas. A preocupação dentro do Planalto com uma eventual retaliação americana, no momento, é mínima. E a própria postura do mandatário em demorar no reconhecimento da vitória do democrata Joe Biden sinaliza isso. Muitos interlocutores palacianos apontam que é possível o governo reeditar a antiga rixa que já existiu entre o Brasil e os EUA dos tempos do General Ernesto Geisel e de Jimmy Carter. Bolsonaro não quer dar o braço a torcer. Ficou extremamente decepcionado com a derrota de Trump, mas, alegam pessoas próximas, considera que os americanos “precisam muito do Brasil”. Na vida real, uma investida de cobrança ambiental, inclusive com eventual exigência de procedimentos sustentáveis das empresas nacionais para negócios na terra do Tio Sam, não está descartada. Biden, com certeza, não vai facilitar para Bolsonaro. Nos anos 80, Biden articulou uma aliança global contra o regime do apartheid da África do Sul. Interlocutores da diplomacia brasileira não veem como improvável a possibilidade de ele repetir algo parecido, unindo o mundo contra o governo brasileiro, caso esse não mude radicalmente de postura em relação às queimadas e ao desmatamento. Já na iniciativa privada, reina o otimismo. O clima é positivo, com as empresas enxergando um cenário menos marcado pela instabilidade nos negócios e pela beligerância. Biden no comando dos EUA é encarado por empreendedores brasileiros e pelo mercado financeiro em geral como uma boa nova. Notícia recebida até com alguma euforia. Nos aspectos concretos, se avalia, por exemplo, uma baixa na pressão sobre o sistema 5G a ser adotado pelo Brasil. Com Trump, a carga de ameaça contra a adoção da tecnologia chinesa da Huawei estava subindo e já era gigantesca. Bancos e consultorias acreditam que a vitória de Biden será vantajosa para a atividade produtiva brasileira, especialmente em virtude da postura a favor do multilateralismo, pregada pelo democrata. Debora Vieitas, presidente da Câmara Americana de Comércio, que reúne as principais multinacionais dos EUA com atuação por aqui, diz que, definitivamente, Biden trará uma onda de estabilidade nos negócios há muito tempo não vista, gerando boas oportunidades de comércio para ajudar na retomada. Ela lembra de um protocolo de regras comerciais entre os dois países em favor de uma maior competitividade, de reformas regulatórias e da liberdade econômica, que deve finalmente ser colocado em prática. A indústria puxa o bonde do otimismo com a nova era que se inicia. O setor de alumínio, por exemplo, que sofre com a imposição atual de tarifas por parte do governo americano, acha que elas podem até ser revistas por Biden em futuros acordos bilaterais. Em outubro último, os EUA impuseram taxas no volume de US$ 1,96 bilhão em produtos de folha de alumínio importadas de 18 países, entre eles o Brasil. Com o conceito do multilateralismo, observadores acreditam que essa penalização está com os dias contados. Na opinião unânime, Biden dará maior previsibilidade ao comércio internacional. A associação que representa os interesses da atividade no Brasil aponta que enxerga chances inclusive do aumento de consumo do produto. É esperar para ver, mas a era Biden já está surgindo repleta de expectativas.

Carlos José Marques, diretor editorial