Depois que os EUA decidiram abrir guerra pesada contra a China no campo comercial, o mundo prendeu a respiração, as bolsas balançaram e temeu-se o pior. O tom das ameaças dos americanos – que falavam em sobretaxas e elevação de tarifas da ordem de 10% sobre vários produtos do rival, afetando negócios que giram na casa dos US$ 200 bilhões ao ano – não deixava dúvidas sobre prejuízos em escala até para os demais países. No campo das commodities, alvo preferencial da fúria desmedida comandada por Trump, as quedas de preços foram previamente sentidas. A soja desabou na praça. Mesmo os produtores americanos acusaram o golpe e, claro, reclamaram da estratégia, demonstrando um descontentamento com o governo que não é habitual no setor.

Os EUA, mirando a China, acertaram além de flancos internos – onde o kamikaze Trump conta com aliados fortes – vários vizinhos/parceiros. Canadenses e mexicanos principalmente. Sem contar os efeitos colaterais que causaram nas negociações com compradores tradicionais de suas mercadorias agrícolas na Europa. Em suma, a impulsiva ação gerou prejuízos de toda natureza, tornando menos competitivos os produtos “made in USA”. Correndo por fora, o Brasil está automaticamente se projetando como maior beneficiário dessa contenda. A China já avisou que deve reorientar sua prioridade para cá. Passou a mirar os produtos nacionais como alternativa e o Brasil como parceiro estratégico.

Vários investimentos chineses estão sendo acertados para o mercado interno. A lógica é simples: no mapa dos países com dimensões continentais e potencial de crescimento, o Brasil sai na frente. Não enfrenta, como ocorre na Rússia, Índia e agora EUA, dificuldades de natureza política ou mesmo de fronteira. Tem fácil sistema de escoamento, geração de energia em abundância e grandes chances de ampliar sua capacidade tecnológica – fatores que despertam ainda mais o interesse do capital oriental. Não é de hoje que Brasil e China vêm estreitando laços, especialmente no plano comercial. Montadoras de automóveis e de diversas outras áreas começaram há algum tempo a despertar para as oportunidades na região.

Já em 2017 os chineses investiram quase US$ 11 bilhões aqui. Neste ano, as inversões já somam mais de US$ 5 bilhões – número que deve crescer com os leilões de privatização. Está em vias de serem liberados projetos bilionários na área de ferrovias, além de privatizações de peso como a da própria Eletrobras (prevista para julho), considerada uma joia da coroa, que desperta também a atenção chinesa. O que de alguma forma está se mostrando um tiro no pé da diplomacia dos EUA virou força de arranque para o Brasil, que pode firmar uma das mais rentáveis e sólidas alianças com aquele que é tido atualmente como o parceiro mais cobiçado do planeta.

(Nota publicada na Edição 1076 da Revista Dinheiro)