Ele foi sacoleiro, vendia roupas na praia, na academia, onde tivesse gente disposta a comprar. Hoje, é um dos empresários de moda mais bem sucedidos do País, autor do best seller Rebeldes Têm Asas e ainda preside o movimento Capitalismo Consciente Brasil. Rony Meisler, CEO e cofundador da grife Reserva, que tem entre os investidores o Joá Investimentos, de Luciano Huck, com 10% do negócio; e a gestora de recursos Dynamo, com 23%, falou com a coluna sobre a companhia que conta com 70 lojas e um faturamento que deve alcançar R$ 350 milhões neste ano. Também explica o que está por trás do movimento que visa o lucro, mas com um propósito. Acompanhe:

Dá para ganhar dinheiro no Brasil sendo um capitalista consciente?
Nós somos um bom exemplo de que dá. Uma das coisas que mais me orgulho na Reserva é que nunca demos prejuízo.

De que forma o capitalismo consciente se traduz na Reserva?
De várias maneiras. No nosso caso, temos licença paternidade de 30 dias; temos a contratação de idosos, um programa que batizamos de cara ou coroa para a inclusão de pessoas a partir de 70 anos de idade; investimos em endomarketing, nos nossos funcionários, para que eles passem adiante os valores da marca. Somos uma das únicas marcas do Brasil que tem até a quinta geração da cadeia da produção auditada, garantindo assim que não tenhamos nenhum tipo de problema de compliance tanto sob o ponto de vista social como ambiental. Além disso, produzimos prioritariamente no Brasil, 93% da produção é feita aqui.

Em relação aos idosos, quantos funcionários a Reserva tem nessa faixa etária?
Hoje, 40% da nossa base de lojas têm um ou mais funcionários com mais de 70 anos. Eles são muito produtivos. O nível de turnover dessa turma é duas vezes menor do que o dos mais jovens. E eles trabalham a mesma carga horária, são todos iguais. Se coloca no lugar dessas pessoas, nesse país louco que a gente vive. Você já passou dos 70 anos, já está fora do mercado de trabalho faz tempo, tem dificuldade para encontrar emprego e vem alguém e te estende a mão!? A motivação também vem disso. Os cabeças brancas estão dando um couro na molecada.

De onde surgiu essa ideia de contratar idosos?
Eu viajava com a minha mulher para os EUA e, em várias ocasiões, éramos atendidos por idosos em algumas lojas. Eu sempre dizia, que bacana isso. Um dia minha mulher chegou e me disse, para de falar e faz. Aí, decidi fazer.

E a questão da licença paternidade?
Quando meu primeiro filho nasceu, tirei 30 dias e achei incrível. Entendi ali que era um absurdo só eu poder viver isso.

Ou seja, você não vira um capitalista consciente da noite para o dia…
Sim. Você não tem como dizer, a partir de agora, serei um capitalista consciente. Isso vem ao longo dos anos. Mas, fundamentalmente, tem a ver com o seu propósito de vida. Você tem de tomar decisões responsáveis financeiramente, obviamente, mas são decisões que vão afetar o lucro. Você vai ter um lucro menor se investir numa licença paternidade, se realizar o sonho dos seus funcionários, se investir na indústria local em vez da asiática. Mas o que faz você tomar a decisão é que, primeiro, a conta fecha, então é responsável. Em segundo lugar, é o credo de que, se você fizer isso, também estará gerando mais valor para o negócio, que as pessoas têm orgulho de trabalhar ali e de que o consumidor vai reconhecer.

Enquanto o mercado de moda costuma produzir na China, na Turquia, no Paraguai e em outros países onde é mais barato, a Reserva optou por fabricar quase tudo aqui. Por quê?
Eu não sou desse mercado de moda, trabalhava na Accenture antes de montar a Reserva. E, quando eu comecei, os fornecedores foram fundamentais para a nossa sobrevivência. Eu não conseguia fazer 250 camisetas e eles diziam: ‘beleza, vamos nessa, fazemos 50 para vocês.’ Então, isso surgiu também muito pela lógica da gratidão por essa galera que nos ajudou muito no começo. Na proporção que o negócio foi crescendo, nos pareceu injusto abandoná-los. E o consumidor, à medida que sabia disso, nos reconhecia. Nos últimos dez anos, o nosso faturamento e o nosso lucro têm crescido ano a ano.

Você disse que fabrica 93% de suas peças aqui. Por que não 100%?
Porque muitos fornecedores brasileiros quebraram. Você não consegue, por exemplo, fornecimento de linho e tricô aqui. Mas estimular a indústria nacional é nossa obrigação.

Quais são as principais dificuldades de fazer isso trabalhando no Brasil?Trabalhar aqui é muito difícil. A estrada é cheia de obstáculos. O Brasil é um dos países mais hostis do mundo para fazer negócios. O Brasil está arrasado, mas, por outro lado, vejo com muito otimismo o futuro do País. Até certo ponto, o País foi moralizado. Hoje, antes de fazer alguma sacanagem, o cara vai pensar meia vez. E, se pensar meia vez, já faz uma baita diferença.

Que dica você daria para quem pretende empreender no Brasil?
As pessoas passam muito tempo pensando sobre que negócios deveriam abrir. Mas, na realidade, elas deveriam gastar seu tempo pensando sobre quais são seus hobbies. Gosta de futebol? Faz algo relacionado a futebol. Gosta de beleza? Faz negócio com beleza. Gosta de game? Faz negócio com game. A estrada no Brasil tem tanto buraco, ela é tão difícil, que é igual a casamento. O que faz perdurar é o amor pelo que você faz. Então, se conseguir transformar o seu hobby em negócio, você vai ser muito mais resiliente.

(Nota publicada na edição 1045 da revista Dinheiro, com colaboração de: Claudio Gradilone, Hugo Cilo e Márcio Kroehn)