Era a oportunidade perfeita. Pela primeira vez, um presidente latino faria a abertura do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Ausências de autoridades como o presidente americano, Donald Trump, e a premiê britânica, Theresa May, esvaziavam a arena e abriam espaço para uma expectativa maior em torno do discurso inaugural do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro. O tempo programado para a apresentação era de 45 minutos. Ele liquidou em apenas seis, muito abaixo dos mais de 20 minutos usados por seus antecessores no cargo. Bolsonaro mostrou nervosismo ao transparecer que lia o texto e pouco acrescentou às mensagens defendidas ao longo de suas primeiras semanas de governo. Deixou uma sensação de que poderia ter avançado mais. No dia seguinte, outra decepção. O capitão reformado quebrou o protocolo ao cancelar uma entrevista em cima da hora. As explicações da comitiva foram contraditórias: entre cansaço da delegação e a falta de compreensão da imprensa.

O evento suíço reúne os principais nomes do PIB mundial. É um espaço aberto para que governos vendam o seu peixe, ou seja, passem uma mensagem de confiança a investidores que podem trazer recursos ao País. O discurso resgatou a trajetória de Bolsonaro até a Presidência e citou ministros-chaves como Paulo Guedes (Economia) e Sérgio Moro (Justiça). “Trabalharemos pela estabilidade econômica, respeitando os contratos, privatizando e equilibrando as contas públicas”, disse. Faltou menção à reforma da Previdência e pistas do que será privatizado. Não empolgou. “Foi dentro do que se imaginava, considerando o que ele já havia dito em público antes”, diz Sérgio Vale, economista chefe da MB Associados. “Se o mercado estava esperando algo a mais, estava esperando demais.”

A frustração se refletiu na Bolsa. Imediatamente após a participação do brasileiro em Davos, o Ibovespa fechou em queda de 0,94%. “A mensagem básica estava lá”, afirma Nariman Behravesh, economista-chefe da consultoria britânica, IHS Markit.“O que investidores internacionais farão agora é esperar o que vai acontecer e as reformas serem apresentadas. Nada será feito antes disso.” Para um crítico como o economista Roberto Shiller, vencedor Nobel em 2013, Bolsonaro deixou a desejar. “Ele me dá medo. O Brasil merece alguém melhor”, afirmou. Shiller já havia se posicionado sobre os riscos que Bolsonaro representava para a democracia após a eleição no Brasil. O sentimento do crítico pode ter sido aguçado por trechos do discurso que revelam o lado peculiar do presidente, como o slogan “Deus acima de tudo”, citado na fala. “A Europa e seus governos prezam muita pelo secularismo de um governo e isso pode causar algum estranhamento”, afirma Guilherme Casarões, professor de Relações Internacionais da FGV.

Equipe C: os principais nomes do governo foram a Davos mas, além do discurso presidencial, o Brasil só fez apresentação sobre segurança. A partir da esquerda: Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Sérgio Moro (Justiça), Paulo Guedes (Economia) e Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Presidência)

O Brasil precisa mais do que nunca da ajuda externa. Vive uma crise fiscal sem precedentes e não tem recursos suficientes para investimentos como os de infraestrutura. “Ele tem uma agenda de reformas”, afirmou Francesco Starace, presidente mundial da multinacional de energia Enel. “Nós achamos que ela é boa para o País.” O fórum é uma oportunidade de encontrar e negociar com nomes como o de Starace. Almoçar isolado do evento, em um restaurante popular, como fez o presidente brasileiro, pode significar uma perda potencial. Mais tarde, num jantar com um grupo de executivos, o próprio Bolsonaro brincou com o potencial da sala. “Vocês têm US$ 23 trilhões”, afirmou. “O Brasil só precisa de 10% disso”. Entre os presentes, estavam nomes como o de Tim Cook, CEO da Apple.

Enquanto o presidente e a comitiva brasileira fugiam da imprensa na Suíça, as suspeitas sobre o filho de Bolsonaro se acumulavam no Brasil (leia ao lado). O único ministro a falar oficialmente no evento foi Sérrgio Moro (Justiça), ao falar sobre segurança pública, na quinta-feira 24. Informações econômicas mais detalhadas surgiram apenas em situações mais controladas. Numa entrevista à Bloomberg, o capitão reformado especificou que a reforma da Previdência deve ser levada para votação no Congresso no meio de fevereiro e que a aposentadoria dos militares provavelmente será votada separadamente. O ministro da Economia, Paulo Guedes, sinalizou a intenção de reduzir a carga tributária empresarial de 34% para 15%, com compensações na taxação de dividendos e aumento de alíquotas para grandes fortunas. Ele também afirmou que as privatizações devem somar US$ 20 bilhões neste ano e que o País pode economizar até R$ 1,3 trilhões com a reforma da Previdência.

ANTIGLOBALISMO A agenda da política externa brasileira não é afeita a arenas multilaterais como as de Davos. Quem já deixou isso bem claro foi o chanceler Ernesto Araújo, adepto das ideias difundidas pelo filósofo brasileiro Olavo de Carvalho de que o mundo está sendo dominado por uma tendência prejudicial, o globalismo. Trataria-se de uma perda de soberania nacional e de valores como família e fé, resultantes da globalização. A presença de Bolsonaro em um ambiente como Davos, pode ser considerada, por si só, contraditória.

De certa forma, Bolsonaro e seus emissários repetem o que foi feito pelo presidente americano, Donald Trump, tanto em Davos, como fora dela. No ano passado, o magnata imobiliário era a estrela do fórum. Ele fez um discurso comedido, sem entrar em polêmicas como a das críticas feitas à entidades multilaterais como a Organização Mundial de Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) que, em essência, tem funções similares às do Fórum Econômico, o de facilitar o comércio internacional. O tom de Bolsonaro repete a mesma estratégia.

Não é o primeiro passo a ser seguido pelo líder brasileiro. Assim como o americano, Bolsonaro endossou uma polêmica mudança de sede de sua embaixada de Israel de Tel Aviv para Jerusalém, uma ofensa para nações arábes. Na segunda-feira 21, a Arábia Saudita embargou a compra de frango do Brasil. Embora autoridades brasileiras tenham descartado relação com a embaixada, o recado de descontentamento foi passado por um líder regional em Davos. Amre Moussa, ex-secretário-geral da Liga Árabe, disse a jornalistas que os países da região estão muito descontentes com as decisões do novo presidente. Trata-se de um jogo perigoso num momento em que o mundo debate a freada na economia. “Estejam prontos para uma desaceleração global”, afirmou a diretoria-executiva do FMI, Christine Lagarde, no Fórum. No evento, o fundo apresentou a projeção revisada para o crescimento mundial, de 3,7% para 3,5%. O Brasil está na ponta contrária. A projeção do PIB subiu de 2,4% para 2,5%. Será suficiente para atrair os investidores?


Dor de cabeça com suspeitas do filho

Desde antes da posse de Jair Bolsonaro, o núcleo político mais próximo do presidente, composto por seus filhos, apareceu envolvido em denúncias. As suspeitas atingiram o ápice durante a viagem a Davos. No centro do escândalo está o filho do presidente, o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL/RJ), acusado de enriquecer acima da sua capacidade financeira enquanto era deputado estadual no Rio de Janeiro. Entre 2003 e 2018, seu patrimônio saltou de R$ 25,5 mil reais para R$ 1,74 milhão.

As acusações surgiram após relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a pedido Ministério Público fluminense, revelar que o então deputado fez a compra e venda de diversos apartamentos, lucrando mais do que o valor de mercado e recebendo muitas vezes o pagamento das vendas em pequenas quantias de dinheiro . Esse tipo de movimentação financeira, dizem os investigadores, é comum à lavagem de dinheiro. Para piorar, dados da Assembleia do Rio de Janeiro mostram que ele empregou, por anos, parentes de policiais acusados de ligação com milícias.

Flávio usou as redes sociais e entrevistas para se defender, dizendo que todo o dinheiro que ganhou foi obtido de forma lícita. As investigações pararam após a defesa do senador eleito acionar o Supremo Tribunal Federal, alegando que não pode ser investigado pelo MP do Rio porque tem foro privilegiado. O ministro Luiz Fux aceitou o pedido temporariamente, até a matéria ser julgada em fevereiro, na volta do recesso judiciário.

“Ainda é muito cedo para saber se isso pode gerar problemas de governabilidade, em fevereiro, quando o Legislativo assumir”, diz Lucas Aragão, cientista político da consultoria Arko Advice. “Mas que gera um enorme constrangimento, gera.” Ao canal de notícias Bloomberg, Bolsonaro tentou se esquivar de responsabilidade: “Se por acaso ele errou e isso for provado, ele terá de pagar o preço.” Mais tarde, à TV Record, o presidente mudou o tom: “não é justo atingirem um garoto para me atingir”. O “garoto” Flávio tem 37 anos. E a questão está longe de ser simples como o presidente quer fazer crer. O escândalo está envolve também uma transação financeira da primeira-dama, Michele Bolsonaro.