Não dá mais para descartar a hipótese, cada vez mais concreta, de um novo governo nos EUA com o qual a bajulação bolsonarista não terá vez. A decisão sai em dias e Joe Biden está com maiores chances de assumir a Casa Branca, com larga vantagem nas pesquisas e um plano completamente diferente daquele praticado pelo atual titular. O que será do Brasil nesse contexto? O mandatário do Planalto, todos viram, fez o que foi possível para mostrar intimidade com Donald Trump e, nessa sanha sistemática, entregou verdadeiros presentes, como a renúncia da condição especial do País na OMC, liberação de tarifas para o álcool americano e outros penduricalhos que acostumaram mal o parceiro. Na contrapartida, recebeu quase nada. Ou nada. As relações diplomáticas nesse sentido regrediram ao nível do Brasil colônia. Com o agravante de desentendimentos com os demais países, tradicionalmente compradores das mercadorias nacionais. Jair Bolsonaro fez um jogo de “all in” no candidato que, daqui a pouco tempo, pode não estar na cadeira de homem mais poderoso da terra. O daqui para frente certamente será diferente. Há uma tendência natural de Biden promover algum tipo de “castigo” ao governo brasileiro e a arma cogitada nesse sentido não poderia ser outra que não a da retaliação comercial, com sobretaxas, que devem se dar na área de commodities agrícolas. Até as pedras que sustentam o Planalto sabem que Biden não gostou nada do apoio explícito e enfático do capitão bananeiro ao seu arquirrival. Também não são do agrado do democrata as decisões que vêm sendo tomadas aqui na área ambiental – contra as quais ele se manifestou, abertamente, ainda em debate assistido pelo mundo inteiro. Trump também condenava a postura brasileira nesse tocante, mas fechava os olhos à barbaridade do descaso do governo de Messias em nome da boa amizade. Biden não fará assim. Ao contrário. Tem pedido providências e deverá ser enfático em estabelecer princípios mais rígidos de sustentabilidade como uma moeda de troca para firmar contratos. Países governados por extremistas à direita como o Brasil não terão, decerto, no caso da vitoria do opositor, a mesma relação carnal e proteção que vinham recebendo da administração Trump. De todo modo, se serve de alento, é preciso lembrar que Biden sempre foi adepto do multilateralismo de mercado. Em outras palavras, ele enxerga pragmaticamente, e sob a ótica dos resultados dos negócios, cada relação internacional. Ele, certamente, voltará a empenhar os EUA em acordos de comércio, prática que Trump abandonou. Nessa toada, o Brasil tende a se beneficiar, mesmo que de maneira paralela, através do Mercosul. Agora é mudar as peças no tabuleiro porque o jogo deverá ser diferente. Muito diferente.

Carlos José Marques, diretor editorial