Setor viveu seu pior momento produtivo, mas 2021 marca um ano de saída da crise, com retomada do consumo de aço no mercado interno.

Durante esta entrevista de pouco mais de uma hora de duração, Marco Polo de Mello Lopes, presidente-executivo do Instituto do Aço, foi interrompido três vezes com ligações telefônicas de integrantes do governo federal e de empresários. É uma pequena mostra do quão atribulado tem sido o setor siderúrgico brasileiro nos últimos dois anos, período em que enfrentou seu pior momento produtivo, com apenas 45% da capacidade ativa em abril de 2020, e vem retomando o crescimento gradativamente. Hoje, trabalha com mais de 70% da capacidade. Historicamente, no entanto, a cadeia anda de lado no Brasil. “Não temos crescimento sustentado há muito tempo”, disse Mello Lopes, da entidade que tem como associadas gigantes como Arcelor Mittal, Gerdau e Usiminas. Ele defende a reforma tributária para reduzir o Custo Brasil.

DINHEIRO – Como o setor do aço enfrentou os últimos dois anos no Brasil?
MARCO POLO DE MELLO LOPES ­— Três segmentos representam mais de 80% do consumo de aço: construção civil (41,2%), automotivo (21,3%) e bens de capital (máquinas e equipamentos, 19,6%). São dois anos atípicos, dos quais vamos lembrar por muito tempo. A siderurgia brasileira vem de um período de queda forte, de 2013 a 2019. Caímos 22,9% nesse período. A expectativa era de recuperação em 2020.

Não foi o que aconteceu…
Começamos o ano operando com 64% da capacidade instalada. A siderurgia, para poder apresentar um grau razoável de produção, tem de estar acima de 80%. Com a pandemia veio a crise de demanda. O isolamento social levou à paralisação de muitos setores, principalmente dos três principais da nossa base. A siderurgia passou a operar com 45% da capacidade, pior nível da história, em abril de 2020. Foi muito grande a crise de demanda, de dramaticidade. Fechamos 13 alto-fornos.

O que foi feito para minimizar os prejuízos?
Se perguntar ao presidente de qualquer empresa, a prioridade é proteger o caixa. Entre outras medidas, protege-se o caixa eliminando estoque. E, em seguida, houve retomada em V intensa. Saímos de uma crise de demanda para uma crise de abastecimento. Desbalanceou a cadeia produtiva. A demanda retomou junto com reposição dos estoques. E o terceiro fenômeno, que ninguém fala, foi o do chamado estoque defensivo em relação à volatividade dos preços. E o valor do aço subiu muito.

Os compradores dizem que houve especulação.
Não houve. O que houve foi o espelhamento de outro fenômeno: o boom das commodities a partir de 2020. Todas as nossas matérias-primas sofreram aumentos gigantescos. O minério de ferro saiu de US$ 75 a tonelada no início de 2020 e bateu US$ 220. O carvão bateu em novembro nos US$ 400. Veja o quanto tivemos de mudanças drásticas sob a ótica econômica. Houve uma guerra de narrativas. Sentamos com todos os setores e falamos que o aumento do aço não é peculiaridade brasileira, aumentou no mundo todo.

“O importante, para siderurgia e a indústria como um todo, é a reforma tributária. Temos de deixar de ter um regime anacrônico do sistema arrecadatório” (Crédito:Divulgação)

E como o setor fecha 2021?
Um ano importante, muito positivo. Em novembro de 2020 fizemos uma estimativa de crescimento de consumo aparente de 5,8% em 2021. Em março fizemos uma revisão, para 15%. Em julho, nova revisão, para 24%. Enquanto tem gente falando em PIB de 4% ou abaixo para este ano, nossa expectativa é acima de 5%. Nossa percepção está embasada em dados. Desde 1972, a evolução do PIB e o consumo aparente do aço têm correlação. O crescimento econômico é espelhado ao de consumo do aço. E quando se fala que o PIB de 2022 estará em torno de 1%, nós falamos que estará acima de 2%. Tudo o que exportávamos se voltou ao mercado interno para atender a essa retomada. Agora estamos com 73% de nossa capacidade de operação, com vendas em 1,9 milhão de toneladas por mês, em média anualizada, superior ao nível de antes da pandemia e no mesmo nível de 2013, quando o setor estava em alta.

Alguns agentes do mercado têm feito pressão para o governo diminuir os impostos de importação do aço. Isso se justifica?
O mercado interno hoje é plenamente abastecido. Os preços se estabilizaram. Entraram no Brasil 3,3 milhões de toneladas de aço laminado, isso é 17% do total do mercado interno. O que comprova que não precisa reduzir custos de importação para entrar a quantidade de produto tão significativa quanto entrou. Os níveis de estoques estão repostos, a distribuição, normalizada. E os preços estão em estabilidade.

De janeiro a outubro as exportações atingiram 9,1 milhões de toneladas, com retração de 2% em relação ao mesmo período de 2020, e receita de US$ 7,5 bilhões, aumento de 65,6%. Isso ocorre pela alta do dólar. Não compensa exportar mais do que vender ao mercado interno?
Temos de sempre olhar a floresta toda. O real depreciou muito. Mas não é um fenômeno apenas brasileiro. Nossos principais concorrentes tiveram grau de depreciação da moeda maior do que o nosso. O real depreciou 23% em relação ao dólar. Na China foi de 38,8%. Ucrânia, 57,7%. Turquia, 58,7%. E a Rússia 59,9%. Com esse dólar, foram importadas 3,3 milhões de toneladas. É um mercado que está de cabeça para baixo e tem práticas predatórias e escalada protecionista. Os Estados Unidos têm medidas protetivas, o mundo asiático e a Europa também. A única região descoberta é a nossa.

Então o governo brasileiro tem de implementar medidas mais protecionistas para o setor?
Não é isso. Na verdade, não podemos ter rompantes de segmentos que querem reduzir a zero o imposto de importação do aço. Não podemos ter trabalho feito de prática antidumping contra Rússia e China, por exemplo, e depois recuar, com danos ao nosso setor, em prol de um certo interesse público. Não queremos nenhuma medida excepcional. Queremos as regras mantidas.

A capacidade de produção está retomada? O que o mercado pedir, a cadeia do aço entrega?
Temos capacidade ociosa de 30%. O consumo per capita de aço no País mostra que em 1980 a China tinha 32 quilos por habitante e o Brasil, 100 quilos por habitante. Em 2020, a China passou a ter 691 quilos por habitante e o Brasil mantendo a casa dos 100 quilos por habitante. Hoje, a China produz em 11 dias o que o Brasil produz em um ano. O Brasil está andando de lado. Não temos um crescimento sustentado há muito tempo. Fecharemos 2021 com 123,6 quilos. Subiu um pouco. Para aumentar nossa capacidade de produção, precisamos exportar. Mas somos otimistas, temos avanços em saneamento, setor de óleo e gás, rodovias.

As empresas que importaram, então, estão perdendo dinheiro…
Quem importou no momento em que a curva estava alta, com mercado plenamente aquecido, vai perder dinheiro sim na revenda.

A produção da indústria no geral recuou 0,6% em outubro, ante setembro, e vem de sucessivas retrações, segundo o IBGE. O que tem de ser feito para uma retomada equilibrada?
Precisamos de reformas estruturantes. Um dado importante é o do Custo Brasil, que é de R$ 1,5 trilhão por ano, segundo estudo do governo federal com a Coalizão Indústria, o Movimento Brasil Competitivo e o Boston Consulting Group. Isso tem de ser reduzido. O importante, para a siderurgia e a indústria como um todo, é a reforma tributária. Temos de deixar de ter um regime anacrônico do sistema arrecadatório, com acúmulo dos impostos, que afeta a competitividade. A siderurgia brasileira tem um acúmulo de resíduo tributário de 7%. Defendemos uma reforma tributária sobre o consumo que acabe com o elenco de ICMS, IPI, ISS… Acabar com isso e ter um imposto de valor agregado e gradual, que é o que tem no mundo.

“O isolamento social levou à paralisação de muitos setores (construção civil incluso). A siderurgia passou a operar com 45% da capacidade, pior nível da história” (Crédito:Alf Ribeiro)

A inflação, a economia retraída e a eleição podem atrapalhar o setor do aço em 2022?
Essa avaliação de PIB de 1% já está contaminada. A inflação está acima de 10%, mas o mundo inteiro sentiu aumento na inflação porque todos passaram o que nós passamos. Não é catástrofe brasileira. Temos de separar o que tem de política nesse processo.

Crise hídrica e tarifa da elétrica assustam?
Se pegar o País de 2009, quando teve racionamento, era uma coisa. Hoje temos um País completamente diferente. Uma rede de distribuição fantástica, que permite fazer realocações, se necessárias. Como houve uma crise hídrica, com reservatórios baixos, o governo acionou as termoelétricas e a tarifa subiu.

Não afeta o setor?
No setor siderúrgico, 50% de consumo de energia é de produção própria, alimentada pelos gases gerados no sistema produtivo. Precisamos trabalhar para desonerar a energia, porque temos a energia mais barata proveniente das hidrelétricas e a tarifa mais cara, com uma série de penduricalhos de encargos na composição.

Numa indústria tão tradicional como a siderúrgica, quão complicado é atender à demanda da sociedade e do mercado com relação ao ESG, de diversidade e racial?
Não é complicado, pois as usinas não começaram esse processo agora. O Instituto Aço Brasil tem um comitê gestor com três diretoras, sem homens. Numa atividade que tem processos produtivos com altas temperaturas e gases, tem número menor de mulheres nessa área. Há anos a grande prioridade do setor é a sustentabilidade. Só se deu um nome bonito, com a sigla ESG, é a moda. Quando se fala em sustentabilidade, tem o econômico e o social. E as empresas têm grande preocupação com a diversidade de uma maneira geral.